sábado, 2 de março de 2013

Construtora quer demolir último trecho do muro de Berlim

Por IV Avatar do Rio OOOOOOooo
Do Opera Mundi

Alemães impedem demolição de último trecho original do muro de Berlim

Construtora quer levantar um condomínio de luxo no local; processo deve ser retomado nos próximos dias
Apenas um pequeno pedaço do muro foi retirado nesta sexta-feira, onde foram colocadas dezenas de mensagens

Moradores de Berlim protestaram nesta sexta-feira (01/03) contra a demolição de um trecho do muro que dividiu a cidade durante a Guerra Fria. Tratado como patrimônio cultural e histórico da cidade, o East Side Gallery, repleto de grafittis emblemáticos, está na mira de uma construtora que pretende levantar um condomínio de luxo às margens do rio Spree, que corta a cidade.

A demolição do muro começaria pela manhã, mas cerca de 300 manifestantes conseguiram impedir momentaneamente o trabalho dos guindastes, que retiraram apenas um pedaço da parede, de cerca de um metro e meio de largura. Nele há um graffiti do Portão de Brandemburgo. Nas frestas foram enfiadas notas falsas de 100 euros, em crítica à especulação imobiliária, e deixadas dezenas de mensagens de protesto contra sua eventual demolição.

“Nossa história não é bonita, mas não pode ser jogada fora”, dizia uma delas. “Parem com a demolição. Ninguém precisa de condomínios de luxo aqui.”
A expectativa de ativistas era barrar a retirada definitiva do muro e abrir novo diálogo com governo e prefeitura sobre a área. No entanto, policiais cercaram o terreno onde o condomínio será construído e os trabalhos devem ser retomados nos próximos dias. Berlinenses montaram vigília em frente ao local para acompanhar o desenrolar da história.
O trecho do muro de Berlim em questão é o único remanescente do original, construído em 1961 pelo governo da Alemanha Oriental. Artistas portugueses, alemães, russos e brasileiros deixaram mensagens de paz nas grossas paredes de cimento. Um dos graffitis mais famosos, e mais vendidos como imagem estampada em souvenirs, é o do caloroso beijo do então líder russo Leonid Brezhnev e do chefe da Alemanha Oriental, Erich Honecker.

Em 2009, a área, considerada um dos principais pontos turísticos da cidade, recebeu um investimento para revitalização de cerca de 2,5 milhões de euros (ou R$ 6 milhões) do governo alemão. O terreno, que há 20 anos era considerado terra de ninguém, exatamente pela proximidade com o muro, hoje é tido como privilegiado e com o metro quadrado em alta.

Roberto Almeida/Opera Mundi

Policiais fiscalizam a região do último pedaço original do muro de Berlim

De um lado da parede da East Side Gallery há um parque linear, de frente para as águas tranquilas do rio Spree. Do outro fica a movimentada avenida Mühlenstraße e a arena multiuso O2 World. Em uma caminhada de 10 minutos, os turistas - ou futuros moradores do condomínio de luxo - podem chegar ao bairro boêmio de Friedrichshain, onde há cafés, restaurantes e movimentadas feiras de produtos usados.

A demolição do trecho do muro levanta uma nova discussão sobre gentrificação, tema perene entre ativistas sociais berlinenses. Há muita polêmica sobre os efeitos nocivos das ondas de imigração de artistas para a capital alemã, atraídos pelos aluguéis baratos. Eles indiretamente subsidiam a especulação imobiliária e empurram os moradores originais para bairros mais distantes.

O protesto contra a demolição foi tido por manifestantes como uma empreitada anticapitalista. O tema é o mesmo de muitos murais grafitados. A associação de artistas da East Side Gallery escreveu um apelo à população de Berlim e aos turistas para  impedir a derrubada do trecho. “Somos contra a abertura planejada do muro. Não concordamos que, para benefícios privados, esse monumento seja destruído de novo”, diz, em nota.

Estão faltando cadeias ou estão prendendo demais?

Apesar dos 550 mil presos, o Brasil precisaria de mais 170 mil vagas para preencher o déficit das cadeias


José Francisco Neto,
da Redação do Brasil de Fato

Em 68% das prisões brasileiras há mais do que nove presos por vaga. Em números absolutos, os maiores déficits estão no estado de São Paulo, que tem 62.572 mil presos a mais do que o número de vagas; Minas Gerais, com 13.515; e Pernambuco, com 15.194. Ao todo, o Brasil tem um déficit de aproximadamente 170 mil vagas. Os dados são do sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça.
Dessa forma, os presídios ficam superlotados, sem higiene e com ambientes fétidos e insalubres. Locais onde o homem e a mulher estão devidamente abandonados pelo Estado. Hoje, no Brasil, a população carcerária se aproxima dos 550 mil presos, número sufi ciente para lotar seis Maracanãs e meio.
De acordo com o levantamento feito pela equipe Direito Direito, apenas nove crimes são responsáveis por 94% dos aprisionamentos no Brasil. Entre eles o tráfico de drogas, com 125 mil presos, e os crimes patrimoniais – furto, roubo e estelionato - com 240 mil.
Mais penitenciárias?
Para o juiz de direito titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois, só há duas formas de resolver o problema da superlotação: construindo mais penitenciárias ou prendendo menos. Ele explica, entretanto, que nem toda conduta deve ser criminalizada.
“A questão das drogas é um grande exemplo. Misturam-se pequenos traficantes com homicidas, latrocidas e estupradores em razão dessa superlotação e em prejuízo da sociedade. Eu entendo que a prisão deveria ficar somente para os casos mais graves, de crimes cometidos com violência contra a pessoa. Esse sim seria um bom começo”, comenta.


sexta-feira, 1 de março de 2013

Hippychick: Confecção de roupas infantis flagrada explorando escravos tinha certificação

Hippychick, empresa que terceirizou produção para oficina onde cinco bolivianos foram libertados, tinha selo de responsabilidade social da indústria têxtil
Por Igor Ojeda, em Repórter Brasil
Página da Hippychick com selo da Abvtex, que foi retirado após a denúncia de escravidão. Imagem: Reprodução
Página da Hippychick com selo da Abvtex, que foi retirado após a denúncia. Imagem: Reprodução
A Hippychick Moda Infantil, confecção de roupas infantis que, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), terceirizava sua produção para uma oficina de costura flagrada explorando trabalho escravo, tinha desde outubro de 2012 o selo da Associação Brasileira do Vestuário Têxtil (ABVTEX) de responsabilidade social. Após a libertação de cinco trabalhadores bolivianos, a entidade representante da indústria do setor cancelou a certificação e o selo foi retirado da página da confecção na internet.

“A ABVTEX informa que, a partir das denúncias, a empresa [Hippychick] teve suspensa a Certificação de Fornecedores. A certificação foi obtida em outubro de 2012, após auditoria realizada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. A confecção não é fornecedora das redes signatárias e à época da auditoria não havia registro de subcontratados no seu processo produtivo”, afirmou à Repórter Brasil a ABVTEX, por meio de sua assessoria de imprensa.
De acordo com a entidade, todas as empresas que tenham o selo passam por uma auditoria de manutenção da certificação após um ano. No caso da Hippychick, a suspensão, portanto, teria ocorrido antes do prazo. Segundo o site da ABVTEX, o programa, criado no início de 2011, “tem o objetivo de mapear a cadeia de fornecedoras e, caso seja necessário, capacitá-los em boas práticas de responsabilidade social”.
Lojas Americanas
O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, que também participou da operação de libertação dos trabalhadores, investigam a responsabilidade das Lojas Americanas na exploração do trabalho escravo. Segundo o MPT, a suspeita é de que as peças produzidas pela oficina terceirizada eram revendidas exclusivamente nas Lojas Americanas com a marca “Basic+ Kids”, o que pode fazer que a rede varejista seja considerada responsável pela situação a que os trabalhadores estavam submetidos.
“O Ministério Público do Trabalho busca sempre a responsabilização daqueles que estão à frente do empreendimento, os reais beneficiários do processo produtivo. Não é interessante identificar apenas os intermediários, mas todo o segmento da cadeia produtiva”,  afirmou, em comunicado divulgado pelo MPT, o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo. Em nota, as Lojas Americanas disseram que repudiam qualquer tipo de trabalho realizado em condições degradantes e que estão apurando o ocorrido. A empresa informou, ainda, que cancelou as relações comerciais com a fornecedora.
Condições degradantes
O flagrante aconteceu em 22 de janeiro em uma oficina de costura de Americana (SP) que fornecia peças de roupas infantis à Hippychick, com sede na vizinha Santa Bárbara d’Oeste. A pequena oficina, que recebia R$ 2,80 por cada peça produzida para a Hippychick, havia sido montada de forma clandestina nos fundos do quintal de uma área residencial da periferia de Americana. O proprietário mantinha parentes trabalhando sob condições notadamente insalubres. O calor era intenso, por causa das telhas de amianto, o pé direito baixo e as laterais fechadas – o que impedia a circulação de ar. As pilhas de tecido espalhadas pelo espaço, além de dificultarem a circulação dos trabalhadores, aumentavam o risco de incêndio, por estarem próximas a “gambiarras” elétricas – o local não possuía extintores e saídas de emergência.
Nenhum funcionário tinha registro em carteira e a jornada de trabalho era de 12 horas diárias. No momento em que a fiscalização foi realizada, foram encontradas quatro crianças – sendo uma delas recém-nascida – dividindo o espaço com os pais. As duas casas em que os trabalhadores moravam estavam com a estrutura comprometida e apresentavam precárias condições de higiene.
A Hippychick afirmou, também em nota, que contratou os serviços da oficina de forma “pontual”, por causa do aumento da demanda de produção em dezembro do ano passado. De acordo com a empresa, a maioria das peças é confeccionada por empregados próprios e a terceirização foi feita para a confecção de 680 itens. Ainda segundo a nota, a nova diretoria da Hippychick, que assumiu a direção em setembro de 2012, não teve acesso ao interior da oficina nem a seus funcionários e “não mantém nem patrocina nenhum tipo de trabalho de forma ilegal”.
Em 2011, no entanto, a Polícia Federal já havia identificado a situação irregular de seis bolivianos na mesma oficina. Em 2012, o MPT de Campinas iniciou um procedimento contra a Hippychick, que a havia contratado para produzir peças revendidas às Lojas Americanas. A relação entre contratante e contratada foi cortada, mas posteriormente retomada.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Antropólogo denuncia atuação do indigenismo internacional


Gelio Fregapani, de Tribuna da Imprensa
Em uma contundente entrevista à Revista Infovias de janeiro de 2013 (Ano 3, no. 11), o antropólogo Edward M. Luiz, ex-funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), fez graves acusações ao aparato indigenista internacional e sua atuação no Brasil, cujo objetivo, em suas palavras, é frear o processo de desenvolvimento do País.
O antropólogo, que participou de oito processos de delimitação de terras indígenas, afirma que alguns grupos indígenas estão sendo manipulados por organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras e jogados contra os projetos de desenvolvimento de interesse do Estado e da sociedade brasileira, processo que, segundo ele, ameaça travar o desenvolvimento do País.
Edward M. Luiz é mestre e doutorando em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) e consultor privado, prestando serviços a municípios, estados, associações e empresas ameaçadas pela demarcação de terras indígenas. Para ele, os indígenas não são obstáculos ao desenvolvimento:
(…) Os indígenas nunca foram contrários ao desenvolvimento. Sempre buscaram acesso àquilo que julgavam ser tecnologias mais desenvolvidas do que as que possuíam. Sempre desejaram com toda força os novos produtos e avanços com os quais se deparavam desde os terçados, machados, até o isqueiro, panelas de alumínio, chegando ao rádio, à televisão e mais recentemente até ao acesso a internet, que uma boa parte já utiliza. (…) O que salta aos olhos deste analista neste início de século XXI, é a forma como alguns grupos indígenas estão sendo sorrateira e inteligentemente manipulados, sendo jogados contra os projetos de desenvolvimento de interesse do estado e da sociedade brasileira.
Em seguida, explica o que está por trás desse conflito:
Isso acontece porque sem a bandeira comunista para se opor ao desenvolvimento do capitalismo, restou o ambientalismo e o indigenismo, que ao final so século XX, uniram-se formando um movimento misógeno, absolutamente contrário a qualquer projeto desenvolvimentista. No Brasil esse processo é tão forte a ponto de seguir freando por mais de três décadas o processo de desenvolvimento do país.
Foram poucos os projetos de desenvolvimento no Brasil que não esbarraram e estagnaram ante alguma resistência, seja de terra indígena, unidade de conservação, comunidade quilombola ou comunidade tradicional. Certamente essas comunidades tem todo o direito nessas reinvindicações, estabelecendo acordos com o estado para serem ressarcidas dos danos provocados, e para encontrarem alternativas à minorar os efeitos deletérios do desenvolvimento. Mas o que se vê são grupos se opondo de forma veemente e sistemática contra qualquer iniciativa ou obra de desenvolvimento. Eles parecem ser contrários à aberturas de estradas, ferrovias, hidrovias ou usina hidrelétrica, o que gera animosidade crescente entre eles e o restante da sociedade brasileira que quer e precisa do desenvolvimento.
Questionado sobre os interesses que se encontram por trás dessa manipulação de minorias étnicas, para colocá-las contra os projetos de desenvolvimento brasileiros, ele respondeu:
Faz alguns anos que me faço esta pergunta. Por que? Creio que ainda preciso me aprofundar em analises e maiores estudos. Isto porque nunca foram feitos estudos de forma sistemática pelas nossas academias. Nossa elite pensante é tão comprometida que foi preciso pensadores de fora para detectar este fenômeno no Brasil, entre eles Elaine Dewar, Lorenzo Carrasco e Sílvia Palacios. A primeira é canadense e os outros dois são mexicanos. Carrasco me parece ser o mais produtivo e que poderíamos chamar de investigador sobre o assunto. É ele quem responde estas perguntas, e eu reconheço que só consegui comprendê-las depois de contato profundo com as obras dele: Máfia Verde 1 e 2, Ambientalismo à serviço do Governo Mundial.
(…) A principal hipótese que Carrasco levanta, é que estes fatores somados, tornam o Brasil uma clara ameaça ao poder das superpotências mundiais. Os países do hemisfério norte, sobretudo os países da Europa, se vêem ameaçados por um país emergente, ágil e agressivo em suas políticas econômicas e desenvolvimentistas. O Brasil é atualmente a sexta economia do mundo e tem tudo para chegar até 2015 como a quinta maior economia mundial, ameaçando o ordenamento econômico do hemisfério norte, deixando potências bélicas e econômicas, como Inglaterra e França, para trás. Daí o empenho de estados estrangeiros se utilizarem de ONGs para manipular as minorias étnicas e botar freios e barreiras, capazes de impedir este crescimento. As primeiras e mais versáteis barreiras são as socioambientais, ou seja, o vetor indígena e as sociedades tradicionais e quilombolas, que somadas ao elemento vetor ambiental, que juntos formam um enorme exército irregular de ONGs, um aparato indigenista/ambientalista no país. Este é o termo cunhado por Lorenzo Carrasco, que demonstra com dados estatísticos, que há um verdadeiro batalhão de ONGs, instituições e pesquisadores orientados por uma agenda ideológica, escrita e orquestrada por potências do hemisfério norte – Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Noruega, Dinamarca e Alemanha, que pagam a conta e financiam este aparato indigenista e ambientalista que opera vigorosamente no Brasil.
Entre os financiadores do aparato indigenista, Luiz aponta as agência de cooperação internacional de vários governos do Hemisfério Norte:
Eu diria, uma parte significativa do movimento indigenista brasileiro, está sim recebendo dinheiro de organizações não governamentais, de agências de cooperações internacionais dos países do hemisfério norte. Por exemplo; a GTZ, ONG [na verdade, agência governamental - n.e.] alemã, foi quem financiou por décadas todas as iniciativas de demarcação de terras indígenas no Brasil. Praticamente todas as demarcações ocorridas na década de 90 foram financiadas pela agência alemã de cooperação.
Em sua visão, há claras evidências de que interesses internacionais estão engajados em frear o desenvolvimento nacional, manipulando causas aparentemente legítimas:
As provas e evidências que eu coletei até o momento, indicam que sim. Há um crescente interesse no controle e domínio de recursos naturais nacionais. Tais interesses escusos se escondem por trás de iniciativas e atividades aparentemente legítimas, como por exemplo, demarcar terras indígenas, criação de territórios quilombolas, de comunidades tradicionais e unidades de conservação. 
Adiante, o antropólogo explica os vícios do processo demarcatório:
(…) FUNAI e antropólogos são partes altamente interessadas na demarcação e, daí em diante, é só enfiar a demarcação goela abaixo e torcer para que o povo permaneça passivo. Já disse e repito: nem o Ministério da Justiça, nem qualquer outro órgão do Executivo, tem condições nem o devido conhecimento para identificar os vícios de origem, os vícios internos que acontecem em um processo de demarcação. Porque isto demanda um conhecimento muito preciso e específico. Em meu entendimento há um monopólio perigoso. É um monopólio que não oferece segurança jurídica, nem a produtores e nem a entes federados. Na verdade o que há é um processo totalmente controlado por um braço do executivo, que é a FUNAI, um órgão pró-indígena. Me parece óbvio e urgente a necessidade de uma reformulação do processo demarcatório, que garanta e assegure os direitos à sociedades tradicionais indígenas, mas ao mesmo tempo, assegure os direitos da outra parte afetada com total imparcialidade. Seja ela privada ou governamental. (…)
(…) Temos um processo demarcatório onde os seis ou sete indivíduos responsáveis, não precisam dar qualquer explicações à sociedade brasileira, que desde Raposa Serra do Sol, não aceita mais estas arbitrariedades. As demarcações são assim irresponsáveis, porque não há nenhum custo político e baixíssimo custo financeiro nas indenizações advindas do processo demarcatório. As mudanças propostas visam corrigir estes defeitos no processo. O Congresso é e será atuante, mas, certamente, encontrará barreiras e dificuldades advindas do aparato indigenista/ambientalista na votação dos projetos de lei que visam solucioná-los. (…)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Filhos de presos torturados carregam a dor do passado


Anos depois. Janaína Teles:
Foto: Marcos Alves
Anos depois. Janaína Teles: Marcos Alves
Décadas depois, homens e mulheres não esquecem das imagens que viram nos porões da ditadura
Thiago Herdy



SÃO PAULO - “Mãe, por que você está azul e o pai está verde?”, perguntou Janaína Teles à mãe Maria Amélia ao visitá-la na carceragem do Doi-Codi, órgão da repressão subordinado ao Exército, em São Paulo. Tinha apenas 5 anos e ficou presa junto com o irmão Edson, de 4, em uma sala trancada, de onde saíam apenas para ir ao banheiro, sob o comando do coronel reformado Brilhante Ustra. Ernesto Nascimento, filho de Manoel Dias e Jovelina, já tinha sido entregue à adoção pelos agentes do regime quando os pais foram libertados para serem trocados pelo embaixador alemão.
Telma e Denise Lucena não se esquecem da imagem do pai sendo morto na porta de casa. Gino Guilardini foi torturado aos 8 anos de idade para dizer onde o pai estava. Violência semelhante à que foi submetido Carlos Alexandre Azevedo, quando tinha apenas 1 ano e 8 meses de idade. Ele foi agredido por militares que queriam pressionar seus familiares a fornecer detalhes das organizações contra o regime. Suicidou-se na última semana, após 39 anos de sofrimento e muita dor causada pelos traumas da infância.
A morte de Carlos Alexandre gerou uma rede de solidariedade em torno da família do rapaz nesta semana e motivou a inclusão de um novo tema para resgate pelas comissões da verdade que investigam a história da repressão no país, tanto em âmbitos estaduais (São Paulo e Pernambuco) quanto nacional. As três comissões planejam rever a história de crianças que sofreram em silêncio a violência e o impacto da ditadura militar.
— Meu filho foi suicidado, assim como ocorreu com Vladimir Herzog. Viveu um longo processo até chegar ao limite da sua angústia. Sempre demonstrou, desde criança, o impacto (da repressão e da prisão dos pais) na sua vida, e na medida em que foi tomando consciência do que havia se passado, passou a entender que tinha sido vítima de um processo político — disse ao GLOBO o pai de Carlos Alexandre, Dermi Azevedo, que lançou no último mês um livro de memórias sobre o período em que foi militante político.
A luz acesa na cozinha da casa perto do Doi-Codi onde dormia no período em que os pais estavam presos não sai da cabeça de Janaína Teles, presa aos 5 anos, um dia depois dos pais, militantes políticos.
— Eu tinha costume de abraçar e beijar muito os meus pais. Quando cheguei na cela, fui dar um beijo neles e eles não conseguiam se mexer. Eu estranhei. Falavam pra mim que eles estavam doentes, que ali era um hospital — recordou-se a menina, que também não conseguia dormir por causa da lembrança dos gritos e do que tinha visto durante o dia na unidade da repressão.
Militares perguntavam a ela informações sobre as atividades dos pais. A resposta padrão era “não sei”. Até que um dia o interrogando se irritou: “Não sabe ou não quer dizer?”
— Não sei e não quero dizer.
Janaína ficou pelo menos seis meses sem ter notícias dos pais. Aos 12 anos, encontrou uma mensagem na caixa dos correios da sua casa. Endereçada aos pais, dizia que “os filhos” deveriam tomar cuidado na hora de ir e voltar da escola. Assinado: Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Brincadeira de pau de arara
Uma das brincadeiras preferidas do irmão, Edson Teles, que também foi preso com a família quando tinha 4 anos, era simular o pau de arara com uma boneca de pano que tinha. A campainha do Doi-Codi e gritos variados nunca foram esquecidos por Edson.
— Quando a gente já estava em casa e a campainha tocava, ele se trancava no banheiro, de medo. Até hoje meus filhos sofrem consequências do que ocorreu. Eles saíram de lá (do Doi-Codi) de um jeito que só eu sei — disse Maria Amélia, que frequentou e também levou os filhos a sessões com psicólogos para lidar com os traumas vividos durante o regime.
Hoje integrante da Comissão da Verdade de São Paulo, Maria Amélia atribuiu ao coronel reformado Carlos Brilhante Ustra a responsabilidade pelas torturas que passou e também a prisão de seus filhos. Em seus livros, o general classifica a violência no cárcere como “invencionice”, mas admite a presença das crianças no Doi-Codi. Argumenta que desejava evitar que eles fossem entregues ao Juizado de Menores, o que Maria Amélia considera “um absurdo”.
— Tiveram coragem de levar meus filhos na sala de tortura. Eu toda vomitada, urinada, suada, suja. Lembro do Edson perguntando para mim: “Mãe, agora você é bandida?”

Leia mais sobre esse assunto em G1

Comissão da Verdade diz ter identificado 'dezenas' de agentes da repressão


De: Folha.com
A Comissão Nacional da Verdade, que investiga violações aos direitos humanos cometidas na ditadura, já identificou "dezenas" de agentes da repressão. A informação foi dada nesta segunda-feira (25) por Guaracy Mingardi, um dos assessores do colegiado.
"Já identificamos várias dezenas, não foram duas ou três, de membros da repressão, com nome, RG e endereço", afirmou Mingardi.
Os nomes, funções e suspeitas às quais essas pessoas estão relacionadas não foram revelados.
Durante décadas, membros da esquerda fizeram listas não oficiais de militares e civis envolvidas com a repressão, mas isso nunca foi feito pelo próprio Estado.
De acordo com a assessoria da comissão, foram feitas 40 oitivas para buscar informações a respeito das mortes, torturas e desaparecimentos da ditadura (1964-1985). No entanto, a comissão não tem aberto para o público as conclusões dessas oitivas.
Devido à Lei da Anistia, o grupo não tem poder para punir nenhum dos agentes públicos envolvidos com os crimes. Os militares identificados agora, todos vivos, serão convocados e ouvidos. A ideia é que eles ajudem a reconstruir os eventos de violações.
Hoje, a comissão realiza uma reunião com outros grupos análogos nas esferas estadual, municipal e ligados à sociedade civil, que têm o mesmo objetivo do grupo.
Criada por um projeto de lei em 2011, os sete integrantes da comissão, empossados por Dilma em maio de 2012, têm como missão, até maio de 2014, coletar dados para poder construir uma narrativa oficial para cada um das violações ocorridas no regime militar.

Questão de método - Vladimir Safatle

A filosofia moral, vez por outra, se vê confrontada com problemas mal formulados que gostariam de se passar por paradoxos astutos. Desmontá-los seria apenas um peculiar passatempo acadêmico, se eles não aparecessem periodicamente como premissas de raciocínios tortuosos na grande imprensa.
Tal astúcia constrói o que poderíamos chamar de "paradoxos morais de laboratório". Trata-se de pequenos paradoxos do tipo "podemos torturar alguém cuja confissão nos permitirá desativar uma bomba que matará dezenas de inocentes?", com todas as suas variantes possíveis.
Do ponto de vista da filosofia moral, não há exercício mais pueril do que procurar responder a tais inventivas. Pois elas pressupõem condições de laboratório, como "sei que o sujeito torturado sabe algo sobre a bomba", "sei que não há hipótese alguma de ter pego a pessoa errada", "sei que ele falará antes de morrer", "sei que a razão de sua ação é injustificável". Como ninguém mora em um laboratório, mas depende, no mais das vezes, da sabedoria da polícia ou desta "inteligência militar" na qual Groucho Marx viu a expressão mais bem-acabada de uma contradição em termos, tais condições nunca são completamente asseguradas.
Mas paradoxos dessa natureza têm como verdadeira finalidade fracionar a ação a fim de retirá-la de todo contexto possível. Boa maneira de não começarmos por perguntar como chegamos a essa situação.
Longe de ser uma enunciação neutra, essa é uma enunciação profundamente interessada. Ninguém coloca uma questão dessas de maneira inocente, como ninguém pergunta inocentemente se negros são, realmente, tão inteligentes quanto brancos ou se o Holocausto, de fato, existiu na dimensão normalmente descrita. Perguntar as reais motivações do enunciador é uma boa maneira de começar a desmontar o paradoxo.
Pode ser, porém, que o enunciador queira apenas insistir que, em situações excepcionais, a tortura aparece como o último recurso dotado de certa eficácia. De fato, se tortura fosse eficaz, as favelas brasileiras seriam um paraíso da paz. Melhor lembrar que a única eficácia realmente comprovada da tortura é sua força de corroer completamente o que restou das bases normativas do Estado. Pois se usamos a tortura contra o inimigo n° 1 da democracia, por que não usá-la contra o n° 2, o n° 3... o n° 54.327?
Ninguém pratica a tortura sem se transformar no verdadeiro inimigo da democracia. Por isso, seria o caso de perguntar: "Um Estado que recorre sistematicamente à tortura merece ser salvo? No que ele se transformou? Ele merece ser justificado diante de situações que, muitas vezes, ele próprio ajudou a criar?".

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Cosméticos: Acabem com a crueldade!

Cosméticos: Acabem com a crueldade!. 17921.jpeg Enquanto a Europa proíbe a venda de Cosméticos testados em animais, os diretores da LUSH e da Humane Society International pedem a indústria de beleza brasileira para que acabem com a crueldade dos Cosméticos. SÃO PAULO (25 de fevereiro de 2013) - Enquanto a União Europeia se prepara para proibir a venda de novos cosméticos testados em animais no dia 11 de março, o Co-Fundador e Diretor da LUSH Cosméticos Mark Constantine e Andrew Rowan, Diretor e Presidente da Humane Society Internacional, um dos maiores grupos de proteção animal do mundo, escreveram uma carta aberta para a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) e associações similares no mundo para pedir a indústria global de cosméticos para que acabem com a experimentação animal de uma vez por todas. Embora os testes de cosméticos em animais tenham sido proibidos na Europa desde 2009, as diretrizes do governo brasileiro para avaliação de segurança dos cosméticos continuam a enfatizar testes em coelhos, roedores e outros animais. Isso inclui a exigência de testes em animais caso-a-caso para cosméticos acabados, uma prática abandonada na maioria dos países há muito tempo.
Há anos LUSH e HSI tem feito campanhas para acabar com testes em animais. LUSH, que tem mais de 800 lojas em 51 países, inicialmente lançou uma política rigorosa "sem testes em animais" em 1991, fazendo com que se tornasse uma referência de empresa de cosméticos com ética e compaixão. A HSI liderou uma campanha intensa para implementar a proibição de vendas de cosméticos testados em animais na União Europeia, e lançou a campanha global Liberte-se da Crueldade em abril de 2012 para acabar com testes de cosméticos em animais em todo o mundo.
Em uma carta enviada ao presidente da ABIHPEC, João Carlos Basílio da Silva, e para associações industriais de cosméticos em todo o mundo, LUSH e a HSI pedem as empresas para que usem a proibição na UE como uma oportunidade para se tornar livre de crueldade. A carta diz:  "No dia 11 de março vamos testemunhar um verdadeiro marco na história da indústria da beleza. O maior mercado mundial de cosméticos, a União Europeia, que já proibiu a experimentação animal para cosméticos dentro de suas próprias fronteiras, também irá fechar suas portas para a venda de cosméticos testados em animais em outros mercados. Esta proibição de venda traz consigo a voz dos consumidores: experimentação animal para cosméticos não é bem-vindo e precisa parar. Certamente isso deve sinalizar um ponto de virada para a indústria da beleza em todo o mundo para finalmente abandonar seus hábitos com relação aos testes em animais e a se comprometerem a ser livre de crueldade." "LUSH, Humane Society International e outras entidades tem incansavelmente feito campanhas para acabar com a crueldade na indústria de cosméticos. Ao longo dos anos temos ouvido varias desculpas das empresas de cosméticos  que se apegam à experimentação animal, ainda que essas desculpas são reveladas como sem valor e oportunistas." "Os testes de toxicidade em animais representam a ciência desatualizada; técnicas com décadas de idade, e que não podem garantir a segurança do consumidor. O futuro dos testes de segurança está nos métodos modernos baseados em biologia humana. Portanto, não há desculpa científica para testes em animais.Também existem milhares de ingredientes de cosméticos disponíveis que foram estabelecidos como seguros para utilização, o que significa que estes ingredientes não requerem novos testes. Uma infinidade de combinações permitem que empresas como a LUSH inovem a essência do seu conteúdo. Portanto, não há desculpa empresarial para testes em animais." "Testes em animais causam sofrimento inimaginável porque coelhos e outros animais tem  produtos químicos pingados em seus olhos ou espalhados em sua pele delicada. Os olhos inchados, assaduras na pele e lesões de órgãos são os segredos feios escondidos de uma indústria de beleza que tarda em avançar o fim dos testes em animais. Portanto, não há desculpa ética para a experimentação animal." "Centenas de empresas varejistas como a LUSH demonstram todos os dias que a produção de produtos de beleza ótimos, seguros e inovadores é inteiramente possível sem novos testes em animais. Assim como nós celebramos a mudança da UE para um mercado "livre de crueldade", pedimos que todas as empresas que ainda testam cosméticos em animais nos Estados Unidos, China, Brasil, Índia, Canadá, Coréia do Sul, Rússia e outros países: façam a coisa certa por favor e parem com o sofrimento dos animais. Mostre aos seus clientes que a beleza não é superficial, mostre que a beleza tem um coração. O fim da crueldade dos testes em animais para cosméticos está ao seu alcance. Faça!  Já é o bastante." Para marcar a proibição histórica da venda de cosméticos testados em animais na UE, assine a declaração Liberte-se da Crueldade na hsi.org/becrueltyfree e ajude a HSI a acabar com o sofrimento dos animais para cosméticos no Brasil e no mundo.
FIM

Contato:
Helder Constantino, + 55 (21) 8342 4163, hconstantino@hsi.org
Notas:
A proibição da UE , a partir de 11 de Março de 2013, tornará ilegal a importação e comércio de cosméticos testados em animais em seu territorio, assim como os cosméticos que tiveram ingredientes testados em animais fora da União Europeia, após a mesma data. Portanto, a UE proibe a venda, em seu territorio, de qualquer novo cosmético testado em animais.

Humane Society International/Brasil juntamente com seus parceiros, constitui uma das organizações de proteção animal mais importante do mundo. Por quase 20 anos, HSI vem trabalhando para a proteção de todos os animais através do uso da ciência, educação, conscientização e programas práticos. Celebrando os animais e confrontando a crueldade em todo o mundo - na Web em hsi.org/becrueltyfree.

LUSH: Desde o estabelecimento há 18 anos, LUSH Fresh Handmade Cosmetics tem sido impulsionada pela inovação e ética. Criadores de produtos de beleza pioneiros, como o banho de espuma balístico, banho de gelatina, barras de xampu sólidos e creme dental solido. LUSH foca seus produtos em ingredientes frescos como frutas e vegetais orgânicos. LUSH tem uma política rigorosa contra testes em animais e apoia o comércio solidario e iniciativas comerciais comunitárias. LUSH lidera a indústria de cosméticos no combate ao excesso de  embalagens, executando campanhas de sensibilização e desenvolvimento de produtos que possam ser vendidos "nus" para o consumidor sem qualquer embalagem. LUSH foi premiada com o Prêmio RSPCA Bom Negócio em 2006 e 2007, o prêmio Trailblazer 2006 PETA para o Bem Estar Animal e o prêmio "Empresa do Ano" do International Fund for Animal Welfare em 2010. LUSH tem atualmente 822 lojas em todo o mundo e está presente em 51 países, com fábricas em todo o mundo.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

The Clash - Shoould I Stay or Should I Go?

“O alto comissário do Golbery não toma jeito”

Tarso Genro (*)
Como Elio Gaspari foi do velho Partidão e depois se tornou confidente do General Golbery, fazendo, a partir daí, uma carreira de jornalista mordaz e corregedor de todos os hábitos do país, ele se dá o direito de não só inventar tolices nas suas colunas, como também enganar os mais desavisados.
Defende as suas teses principalmente a partir da falsificação da posição dos seus adversários de opinião. Para defendê-las, Elio sempre desqualifica os seus adversários com textos de estilo ferino, que não raro beiram a difamação. Os que se sentem agredidos raramente se defendem, não só porque ele não publica as respostas na sua coluna, mas porque talvez temam despertar nele uma ira ainda maior, que também não abre espaços para o contraditório.
Já fui alvo algumas vezes das suas distorções e falsificações, mas sobre este tema da reforma política preciso responder formalmente, porque se trata de um assunto extremamente relevante para o aperfeiçoamento democrático do país, sobre o qual existem divergências elevadas, tanto dentro da esquerda como da direita democrática.
A estratégia usada por Elio Gaspari para promover suas crônicas foi muito comum na época da ditadura, quando o SNI – através de articulistas cooptados – recheava de informações manipuladas a grande imprensa, sobre a “subversão” e as “badernas estudantis”. O regime tentava, desta forma, tanto manter o controle da opinião pública, como dividir a oposição legal e a clandestina, num cenário em que povo já estava cansado do regime. Elio Gaspari parece que se contaminou com este vício e combinou-o com uma arrogância olímpica: desqualifica todo mundo, não respeita ninguém, o que pode significar uma volúpia de desrespeito a si mesmo, ensejada pela sua trajetória como jornalista com idéias muito próximas de um ceticismo anarco-direitista.
Vários dirigentes políticos, tanto da oposição como da situação – da direita e da esquerda – que não estão satisfeitos com o sistema político atual, debatem uma saída: uma reforma política para melhorar a democracia no país. Todos sabemos que não existe um sistema ideal e perfeito, mas que é possível uma melhora no sistema atual, que pode tornar mais decente a representação e os próprios partidos. Este debate para melhorar a democracia e dar maior coerência ao sistema de representação tem despertado a santa ira de Elio Gaspari, que dispara para todos os lados, mas nunca diz realmente qual é a sua posição sobre o assunto.
No seu artigo “O comissariado não toma jeito”, no qual sou citado nominalmente como defensor de fisiologismos, ele atinge o auge na deformação das opiniões de pessoas que ele não concorda. Vincula, inclusive de maneira sórdida estas opiniões a dirigentes políticos condenados na ação penal 470, para aproveitar a onda midiática que recorre diariamente a estas condenações, não só para desmoralizar a política e os partidos, mas para tentar recuperar os desastrados anos do projeto neoliberal no país, nos quais, como todos sabemos, não ocorreu nenhuma corrupção ou fisiologismo.
As deformações de Elio são explícitas quando ele examina dois pontos importantes da reforma política: o “voto em lista fechada” e o “financiamento público” das campanhas eleitorais. Sobre o voto em lista “fechada” ele argumenta, em resumo, que a “escolha deixa de ser do eleitor”, que vota numa lista preparada pelo Partido, que captura o seu direito de escolha.
Pergunto: será que Elio não sabe que a escolha na “lista aberta” (sistema atual), é feita, também, a partir de uma relação de nomes que é organizada pelos Partidos? E mais: será que Elio não sabe que a diferença entre um e outro sistema é que, no atual, o voto vai para a “fundo” de votos da legenda e acaba premiando qualquer um dos mais votados da lista, sem o mínimo nexo com a vontade do eleitor? Repito, qualquer um da lista, sem que o eleitor possa saber quem ele está ajudando eleger!
Na lista fechada é exatamente o contrário. O eleitor sabe em quem ele está votando. E sabe da “ordem de preferência”, que o seu voto vai chancelar, a partir do número de votos que o Partido vai amealhar nas eleições. O eleitor faz, então, previamente, uma opção partidária – inclusive a partir da qualidade da própria lista que os Partidos apresentaram – e fica sabendo, não só quem compõe a lista do seu partido, mas também a ordem dos nomes que vão ter a preferência do seu voto.
Na lista aberta, ao invés de crescer o poder político dos partidos – que Elio parece desprezar do alto da sua superioridade golberyana – o que aumenta é o poder eleitoral pessoal de candidatos que, neste sistema de lista aberta, carreiam os votos dos eleitores para qualquer desconhecido. Por mais respeito humano que se tenha por figuras folclóricas que ajudam eleger pessoas com meia dúzia de votos, não se pode dizer que a sua influência pessoal possa ser melhor que a influência das comunidades partidárias, por mais defeitos que elas tenham.
A tegiversação sobre o financiamento público das campanhas não é ridícula, porque é simplesmente uma falcatrua argumentativa. Elio diz que este tipo de financiamento não acabará com o “caixa 2” e que tal procedimento vai levar a conta para o povo, que ele chama gentilmente de “patuléia”. Vejamos se estes argumentos são sérios.
Primeiro: ninguém tem a ilusão de acabar com o “caixa 2”, que acompanhará as campanhas, enquanto tivermos eleições. O que devemos e podemos buscar é um sistema que possa diminuí-la, substancialmente, através – por exemplo – de um controle “on line”, de todos os gastos das campanhas, num sistema financiado por recursos conhecidos e previamente distribuídos aos partidos.
Este sistema certamente diminuirá a dependência dos partidos em relação aos empresários e permitirá um controle mais detalhado dos gastos, pois cada partido terá um valor previamente arbitrado, para ser fiscalizado à medida que os recursos forem sendo gastos. Reduzir, portanto, a força do poder econômico sobre as eleições, este é o objetivo central do financiamento público.
Quanto à transferência das despesas para o povo, qualquer aluno do General Golbery – digo aqui da modesta situação de fisiológico que me foi imputada – sabe que as contribuições dadas pelas empresas aos partidos e aos políticos, são “custos” de funcionamento de uma empresa, que integram o preço dos seus produtos e serviços, que são comprados pelo consumidor comum ou pelo Estado.
Quem paga por tudo, sempre, é o povo que trabalha e compra e o Estado que encomenda, compra e paga. O defensor da patuléia, portanto, não está defendendo nem a “viúva” metafórica nem o Estado concreto. Está, sim, defendendo a atual influência do poder econômico sobre os processos eleitorais, de uma forma aparentemente moralista, mas concretamente interessada: acha que o sistema assim está bem. Uma forma de fisiologismo altamente disfarçado. O alto comissário do Golbery não toma jeito.
(*) Governador do Rio Grande do Sul

O revelador lamento do dono do Itaú

Setúbel
Setúbal
O bilionário americano Warren Buffett pediu a Obama que parasse de mimar os ricos; no Brasil, nossos Buffetts parecem querer ser ainda mais mimados.

Isto é o Brasil, pensei depois de ler a matéria que o Financial Times fez com o banqueiro Roberto Setúbal, 57 anos, do Itaú. (Ela passou o dia na seção Essencial.)
Setúbal se queixou.
As coisas, segundo ele, não estão funcionando. Não consegui entender o queixume. O FT registra que o Itaú lucrou mais de 6 bilhões de reais no ano passado.
O FT também nota a situação financeira das três famílias que controlam o Itaú: Setúbal, Villela e Moreira Salles. Dos 40 bilionários brasileiros listados pela Forbes, nove são de uma das três famílias do Itaú. Mais de 20% dos bilionários brasileiros têm, portanto, um vínculo com o Itaú.
O Diário tem alma escandinava, como tem sido dito aqui. O Diário aprecia, assim, o capitalismo com responsabilidade social, tal como praticado na Escandinávia. Isso se traduz em sociedades libertárias, em que “não existem extremos de riqueza e nem de miséria”, para usar a grande divisa de Rousseau. E em gente feliz: todas as listas de felicidade no mundo são lideradas pelos países escandinavos: Dinamarca, Suécia, Finlândia, Noruega e Islândia.
Na Escandinávia, lamentos como o de Roberto Setúbal causariam estranheza. Como alguém com tamanho acúmulo de privilégios pode reclamar assim? Sequer erguer o Itaú é obra dele: Setúbal, como a maioria dos grandes empresários nacionais, herdou o negócio do pai, Olavo. Meritocracia, se a havia, estava ali, com o velho Olavo.
Seu imenso patrimônio pessoal mostra que a herança foi taxada em termos nada escandinavos.
E mesmo assim ele está queixoso.
No mundo inteiro, há um clamor em relação aos impostos (baixíssimos) pagos por grandes corporações mediante malabarismos fiscais classificados na Inglaterra como “imorais”, ainda que legais.
Recentemente, consumidores ingleses iniciaram boicotes contra a Starbucks depois que foi divulgada a informação de que, desde que se instalou no Reino Unido, a empresa praticamente não pagou nada de impostos.
Foram publicados, entre os britânicos, os impostos pagos por outras multinacionais, como Google e Amazon. Baixíssimos, graças a expedientes como declarar o faturamento em paraísos fiscais.
Em Davos, o premiê inglês David Cameron – um conservador absolutamente pró-negócios — disse que a prioridade dos governos, em 2013, deve ser o cerco a manobras de evasão de impostos. (Algum dos enviados da mídia tradicional escreveu isso? Medalhões como Merval e Rossi foram a Davos. Contaram isso? Não os li, mas apostaria que não.)
Escritórios de advocacia especializados em trambiques legais foram nomeados, na Inglaterra, para constrangê-los, e impedidos de realizar qualquer negócio com o governo.
Esta é a floresta.
Na árvore brasileira, o que está se fazendo? O Itaú, de Setúbal: quanto pagou de impostos sobre o lucro? Na Escandinávia seria algo na faixa dos 50%, uns 3 bilhões de reais. E no Brasil, alguém sabe?
É estranho o Brasil. Poucas coisas envolvem tanto o interesse público quanto os impostos, sobretudo os dos superricos e os das grandes corporações. E em poucas coisas há uma ausência tão completa de transparência quanto nisso.
Você constrói hospitais, escolas, estradas, portos como esse dinheiro.
Alguns meses atrás, a seção Radar, da Veja, publicou uma disputa judicial entre a Receita e a Globo na casa de mais de 2 bilhões de reais.
Se isso não é notícia, o que é? Mas nada. Nem a mídia foi verificar o que era, exatamente, e nem a Receita trouxe informações aos brasileiros.
Não há muito tempo, Warren Buffett, o bilionário americano, disse (em vão) a Obama que o governo deveria parar de “mimar” ricos como ele. Buffett notou que, proporcionalmente, sua secretária pagava mais imposto do que ele.
Sucessivas administrações brasileiras mimaram demais nossos equivalentes a Buffett, com enorme prejuízo do resto da população. Dessa aberração derivou uma das sociedades mais vexatoriamente desiguais do mundo.
Os lamentos de Setúbal sugerem que os nossos Buffetts clamam não pelo fim dos mimos – mas por sua eternização.

Os limites da pátria - Mauro Santayana

É difícil saber se a Sra. Marina Silva é uma pessoa ingênua e de boas intenções, ou se optou, conscientemente, por defender os interesses das grandes potências que, sob o comando de Washington, exercem o solerte condomínio econômico do mundo e pretendem o absoluto império político. Há uma terceira hipótese que, com delicadeza, devemos descartar: desmesurada ambição de poder, sem as condições concretas para obtê-lo e exercê-lo.
Os admiradores lembram sempre sua origem modesta, o que não quer dizer tudo, mas não podem, com a mesma convicção, dizer que ela tenha mantido, ao longo da carreira, o que os marxistas chamam “consciência de classe”. Suas alianças são estranhas a esse sentimento. Ela se tornou uma figura homenageada pelos grandes do mundo, mas, sobretudo, do eixo Washington-Londres. Se ela mantivesse a consciência de classe, desconfiaria desses mimos. Para dizer a verdade, nem mesmo seria necessária a consciência de classe: bastaria a consciência de pátria.
A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na esquerda, é uma internacionalista. O meio ambiente, que querem preservar tais verdes e assimilados, não é o do Brasil para os brasileiros, mas é o do Brasil para o mundo. Quando a Família Real Inglesa e os círculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens, usam de uma astúcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os franceses na aliança com a Confederação dos Tamoios, e os holandeses em suas relações com Calabar.
Os tempos mudam, os interesses de conquista e domínio permanecem, com sua própria dinâmica e solércia. Os limites intransponíveis da razão política são os da pátria. Todos os devaneios são admissíveis, menos os que comprometam a soberania nacional. Não são apenas os estrangeiros que adoçam os sonhos da defensora da natureza. São também brasileiros ricos e conservadores que, é claro, procuram dividir a cidadania, para que fiéis servidores políticos mantenham sua posição no Parlamento e nos outros poderes.
Há informações de que grande acionista de banco poderoso se encarregou das despesas do espetáculo de lançamento do partido de dona Marina, que não quer ser chamado de partido. E não se esqueça de que quem sempre a financiou é um industrial enriquecido com a biodiversidade amazônica.
COINCIDÊNCIAS
Não há coincidências em política. Os mentores da Sra. Silva querem que seu movimento, como ela anunciou, não seja de direita, nem de esquerda, e muito menos de centro – que é o equilíbrio pragmático entre as duas pontas do espectro. É interessante a ilogicidade da proposta. Como é possível dissociar a ideologia da política e, ainda mais, a ideologia do viver cotidiano?
Esquerda e Direita existem na vida dos homens desde as primeiras tribos nômades, e são facilmente identificáveis na postura solidária de alguns e no egoísmo de outros. Sempre que pensamos em igualdade, somos, menos ou mais, de esquerda; sempre que pensamos na superioridade, de qualquer natureza, de uns sobre os outros, estamos na direita. Mais ainda: idéia é a imagem que construímos previamente na consciência, seja a de um objeto, seja a de uma conduta social e política.
Não é possível viver sem um lado. A doutrina da mal chamada Rede (apropriação apressada e ingênua do mundo da internet, que é um meio neutro) oferece essa aporia: é um partido sem partido, uma realidade sem geometria, uma ideia sem ideia.
(do Blog do Santayana)

1920: Lançado programa do partido de Hitler- racismo e demagogia para encantar o povo

Hitler discursa em Reichenberg
Em 24 de fevereiro de 1920, o Partido Alemão dos Trabalhadores apresenta um programa nacionalista, antissemita e anticapitalista. No mesmo dia, torna-se Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP).

"Essa risível pequena criação, com seus poucos filiados, me pareceu ter a vantagem de ainda não ter se solidificado numa 'organização'. Aqui ainda se podia trabalhar, e, quanto menor o movimento fosse, tanto mais ele estaria apto para ser conduzido à forma certa. Aqui o conteúdo, o objetivo e o meio ainda podiam ser determinados." Palavras de Adolf Hitler em seu livro Mein Kampf (Minha luta).
A "risível pequena criação" mencionada era o Partido Alemão dos Trabalhadores (DAP), um partido de direita, no qual Hitler ingressou em setembro de 1919. Como narra o historiador Eberhard Jäckel, de Stuttgart: "Era realmente um grupo muito pequeno e insignificante de Munique, de fundo bávaro. Chamava-se então Partido Alemão dos Trabalhadores. Hitler entrou em contato com ele apenas alguns meses depois da fundação".
Adolf Hitler fazia parte de um comando militar que passou a controlar Munique após o breve período de regime socialista ali instaurado por Kurt Eisner, assassinado em fevereiro de 1919. Nesse mesmo ano, Hitler filiou-se ao pequeno partido, fundado pelo ferroviário Anton Drexler e o jornalista Karl Harrer. Não demorou para que assumisse a chefia do departamento de propaganda da agremiação. Sua influência sobre o partido foi tão grande, que escreveu de próprio punho o programa de 25 pontos, apresentado em 1920.
Reivindicações populistas
O programa exigia, em primeiro lugar, a unificação de todos os alemães numa Grande Alemanha. Exigia a aquisição de colônias e o cancelamento do Tratado de Versalhes, que selou a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. Além disso, só teria o direito de ser cidadão alemão quem tivesse "sangue alemão". Os não alemães não teriam acesso aos órgãos públicos e estariam sujeitos a leis especiais.
As diretrizes socialistas do programa concentravam-se na estatização das empresas e na exigência de participação nos lucros de grandes firmas. No aspecto da política interna, citava apenas palavras de ordem, sem oferecer estratégias definidas. Pregava, por exemplo, o combate "à mentira política" ou "melhorias na saúde da população".
Em suma, um apanhado de reivindicações populistas, apresentadas na época diante de 2 mil pessoas, na famosa cervejaria Hofbräuhaus de Munique. Hitler aproveitou para mudar o nome da facção para Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (Nazionalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei – NSDAP). Da abreviatura "Nazi", pela qual passou a ser identificado, vem o termo "nazista".
O pequeno grupo nazista começou a arregimentar elementos das mais variadas tendências e classes sociais. O próprio partido se via como "movimento", que representava os anseios da população. Um movimento em que Hitler foi tomando as rédeas, até assumir a presidência, em 1921.
Dois anos depois, fracassou na tentativa de golpe que ficou conhecida como "o putsch da cervejaria de Munique", para derrubar a República de Weimar. Hitler foi condenado a cinco anos de prisão, mas só cumpriu nove meses.
Resolveu então chegar ao poder através de eleições, e começou a reorganizar seu pequeno partido. Na grave crise econômica de 1929, a classe média e os industriais, temerosos do avanço do comunismo, viram a salvação nos nazistas. Em 1930, o partido foi o segundo mais votado no país, com 6 milhões de eleitores.
Heinz Dylong (rw) de: DW