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Chávez faz tratamento contra o câncer. Um ano antes das eleições, polarização cresce na Venezuela | Foto: Prensa Miraflores |
1º de agosto, Palácio Miraflores, Caracas, Venezuela. Hugo Chávez entra na sala para anunciar mudanças em ministérios. Está mais magro e com menos cabelo, efeito do tratamento contra o câncer. Na mesma cadeia de TV em que juramenta os novos ministros, o presidente diz o que todos já puderam ver: “essa é a minha nova imagem”. Chávez explica o tratamento e completa: “está funcionando. Qualquer célula de rápido crescimento detectada no meu corpo é atacada, de maneira inclemente, pelo atacante benéfico que é a quimioterapia”. O presidente puxa aplausos, e os presentes o seguem.
1º de agosto, Praça Bolívar, Caracas, Venezuela. A poucas quadras da sede do governo está a principal praça da capital venezuelana. Em um de seus cantos há uma tenda vermelha, montada ali todas as manhãs por um coletivo cuja sede fica ao lado. Embaixo da tenda, uma televisão transmite o rápido discurso do presidente. As cerca de 30 cadeiras dispostas ao redor estão ocupadas por pessoas de roupas simples, de todas as idades. Em torno da tenda, mais gente se aglomera para ouvir as palavras e ver o “new look” do líder da Revolução Bolivariana. Quando se ouvem palmas na televisão, vindas de Miraflores, o povo também aplaude, aliviado: Chávez disse que está bem.
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Há dez anos eu nem sabia o que era petróleo", diz Arnoldo (e) |
Foto: Alexandre Haubrich/Sul21 |
Pouco se sabe sobre o que realmente está acontecendo com o presidente da Venezuela. Oposição e situação jogam para a torcida, e a torcida é grande de lado a lado. O governo já mentiu uma vez, ao dizer que não havia doença quando já sabia de sua existência. A oposição mente o tempo todo, quase sempre através dos meios de comunicação privados. “Os programas de televisão apenas insultam ao presidente Chávez. Tu fazes isso contra Obama e vais preso, porque é o presidente da República. Aqui há libertinagem”, diz Nieves Valdez, coordenadora geral da Rádio del Sur, um dos principais veículos estatais.
Todos os indivíduos e organizações estão “com o processo” ou “contra Chávez”. Não há indiferença ao que vem acontecendo na Venezuela desde que Chávez chegou à presidência. A movimentação política é constante, em ambos os lados. Enquanto chavistas e organizações de esquerda trabalham para construir o processo revolucionário, a oposição de direita tenta freá-lo. Nos bancos das praças os debates sobre política não param. Nos muros, mais política em forma de grafite. Um senhor fala sobre a forma como o petróleo era roubado da Venezuela, como isso mudou e como passou a entender tudo isso a partir do estímulo de Chávez ao estudo e à prática política: “Há dez anos eu nem sabia o que era petróleo”, resume.
Há muita gente nas ruas querendo falar. Diz outro senhor: “O povo entende que é a política que move a sociedade. Essa consciência aumentou com Chávez, pois ele estimula o povo a participar, nos ensina a importância de atuar politicamente para mover a sociedade”.
As classes baixas estão com Chávez, as elites estão contra ele. Há um muro ideológico e programático entre as duas grandes camadas sociais da Venezuela. Alguns bairros do lado leste de Caracas são ilhas de dinheiro e de antichavismo em uma cidade onde a pobreza está tão presente quanto a politização. E, com pobreza, sempre vem uma boa dose de violência.
Caracas vista de El Calvário.
Há um muro ideológico e programático entre as duas grandes camadas sociais da Venezuela |
Foto: Alexandre Haubrich/Sul21
Segurança pública marcará debate eleitoral
A insegurança das ruas é um problema histórico de Caracas, e vem desde os tempos em que a oposição era situação e Chávez era um militar tentando dar um golpe de Estado, como aconteceu em 1992. Com Chávez, houve mudanças sociais, mas não se conseguiu acabar com a violência. É um problema reconhecido inclusive pela esquerda, que acredita na mudança através da continuidade do “processo”. A coordenadora da Rádio del Sur vai por esse caminho: “Fala-se muito da insegurança, mas isso é parte do que há de injusto no sistema. Porque não somos socialistas, isso é mentira, temos que construir (o socialismo)”, afirma. Para a direita, o problema está na falta de oportunidade aos jovens. Além disso, há a tentativa de promover uma campanha de desarmamento.
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A revolução bolivariana é tema de intensos debates nas ruas de Caracas | Foto: Alexandre Haubrich/Sul21 |
É de conhecimento geral que existem grupos armados em alguns morros de Caracas. Mas a motivação não é o narcotráfico, como nas favelas brasileiras. São organizações prontas para saírem às ruas caso aconteçam novas tentativas de tirar Chávez do poder pela força, como em 2002. Recentemente o presidente declarou que a oposição prepara, com forças da direita internacional, o cenário para uma intervenção após uma possível vitória chavista nas próximas eleições.
A violência será um dos grandes temas do processo eleitoral marcado para dezembro de 2012. Será mais um processo plebiscitário pelo qual passarão Chávez e sua revolução bolivariana. A oposição irá realizar, em fevereiro, suas primárias, para escolher um candidato único para enfrentar Hugo Chávez. Isso graças à formação da chamada Mesa de Unidade Democrática, que reunirá os conflituosos partidos oposicionistas. Até agora, são sete os pré-candidatos.
Se a direita tem dificuldades para alcançar a almejada unidade, a esquerda também não é tão coesa quanto parece. As críticas ao presidente, se não vêm diretamente do povo, vêm de algumas lideranças. O caso da extradição do jornalista colombiano Joaquim Perez Bezerra foi um dos que mais suscitou críticas a Chávez e a alguns de seus ministros.
Bem organizada, a ala mais à esquerda não abandona o processo, mas está cada vez mais distante do chavismo. Votarão em Chávez e farão campanha pela reeleição, mas de forma crítica. A luta é pela manutenção do processo revolucionário e pela diluição de retrocessos, como o caso Bezerra ou os problemas trabalhistas que enfrentam algumas empresas estatais. A principal crítica é quanto à burocratização do governo. “Entre Chávez e o povo há um abismo, uma burocracia. E hoje Chávez a escuta mais do que ao povo. Quando Chávez escutava o povo não se equivocava. As melhores decisões que tomava era quando escutava o povo, mas ultimamente está escutando muito a burocracia”, diz Zuleika Matamoro, uma das lideranças da Marea Socialista, corrente do partido da revolução, o PSUV.
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Zuleika Matamoro: “Entre Chávez e o povo há um abismo, uma burocracia" | Foto: Arquivo Pessoal |
É justamente nesse equilíbrio entre as ações de Chávez e as vontades do povo e as ações do povo e as vontades de Chávez que vai caminhando a Revolução Bolivariana. A percepção geral do povo que por séculos sofreu com o roubo de seu petróleo pelas elites internacionais e com a opressão econômica ou policial pelas elites nacionais é de que Chávez é um herói. “Com Chávez, tudo. Sem Chávez, nada”, diz um senhor de 70 anos na Praça Bolívar, e parece refletir o sentimento das multidões que cruzam a praça todos os dias. O entendimento das lideranças da esquerda sobre o momento político é um pouco diferente, mas comunga do mesmo objetivo final. Zuleika explica: “O processo bolivariano vai se salvar na medida em que haja mobilização e crítica nas ruas, organização e articulação das lutas”.