CPI sobre órgão que deveria distribuir direitos autorais encerra
trabalhos, constata série de irregularidades e pede criação de órgão
público para proteger criadores
Foi apresentado na terça-feira (24/3) o relatório final da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investigava desde junho do ano passado a
atuação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad),
entidade responsável por gerenciar os rendimentos provenientes de
execuções públicas de composições nacionais e estrangeiras no Brasil.
No texto, relatado pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ, na foto ao
microfone), foram legitimadas as suspeitas que já haviam sido levantadas
em público anteriormente pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP),
presidente da comissão de inquérito. Além de sugerir a criação de um
órgão público que fiscalize o Ecad, a CPI determina que a cúpula da
instituição e os dirigentes das associações que a compõem sejam alvos de
21 indiciamentos.
Acusações: O foco das denúncias gira em torno de
crimes de apropriação indébita de valores, fraude na realização de
auditoria, falsidade ideológica, agiotagem, formação de cartel, e
enriquecimento ilícito. O órgão também foi acusado de dificultar a
integração de novas associações.
De acordo com os senadores, os documentos e
depoimentos colhidos pela CPI “revelam, à exaustão, que a Assembleia
Geral do Ecad transformou-se em uma confraria de lesa cultura, cujas
decisões, tomadas sem critérios e sem transparência, eliminam o elemento
negocial na fixação de preços pela utilização dos direitos autorais”.
José Antônio Perdomo Corrêa é o primeiro da lista de indiciados. Ele é
superintendente da União Brasileira de Compositores (UBC), a maior
associação vinculada ao Ecad. Junto com Roberto Corrêa Mello – o segundo
da lista de denúncias e presidente da Abramus, outra associação
vinculada ao Ecad -, forma o carro-chefe da entidade.
Além deles, o relatório de Lindbergh pede o indiciamento da
superintendente do Ecad, Glória Braga, dos presidentes da Amar
(Associação de Músicos, Arranjadores e regentes), Marco Venício Mororó
de Andrade, Sbacem (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e
Escritores de Música), Denis Lobo, Assim (Associação de Intérpretes e
Músicos), Marcel Camargo de Godoy, e Sicam (Sociedade Independente de
Compositores e Autores Musicais), Chrysóstomo Pinheiro de Faria, e do
diretor administrativo e financeiro da Socinpro (Sociedade Brasileira de
Administração e Proteção de Direitos Intelectuais), Jorge de Souza
Costa.
Órgão controlador: O relatório deixa claro que o
Ecad é um órgão importante para preservar os direitos dos artistas
brasileiros. Contudo, a principal questão a ser enfrentada a respeito de
sua atual administração é a necessidade de que seja fiscalizado e que
adote uma postura de maior transparência. Os membros da comissão
defendem a criação de uma Secretaria do Direito Autoral e de um Conselho
Nacional dos Direitos Autorais dentro do Ministério da Justiça.
O projeto de lei propõe que todas as questões relacionadas à gestão
dos direitos autorais no Brasil deixem de fazer parte do Ministério da
Cultura e passem a integrar o Ministério da Justiça. De acordo com o
relatório da CPI, a mudança é ideal porque a entidade controladora não
deve ser economicamente menos expressiva do que o setor a ser
fiscalizado – em 2011, o orçamento do Ecad foi aproximadamente 40
milhões de reais superior ao do MinC. Também acrescenta que é na Justiça
que estão a Defesa do Consumidor, o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) e o combate à pirataria – portanto, julgam que a pasta
apresenta a melhor estrutura para fiscalizar a arrecadação e
distribuição.
Ainda, relata que a nova estrutura seria gerida de forma tripartida
por representantes do poder público, titulares de direitos autorais e
membros da sociedade civil, mediando conflitos e fiscalizando as
entidades de gestão coletiva de direitos autorais.
Por fim, os senadores também propõem a criação de um portal de
transparência, no qual seriam reunidas todas as informações referentes a
receitas e despesas das entidades de direito autoral.
Posição do Ecad: No início de abril, Márcio do Val, gerente de Relações Institucionais do Ecad, procurou CartaCapital para
dar esclarecimentos sobre as acusações que o órgão vinha sofrendo. Na
ocasião, do Val afirmou que a entidade busca a maior transparência
possível, mas suas atividades acabam se mostrando um tanto obscuras por
conta da complexidade dos processos que as envolve. “As pessoas não
entendem a estrutura do Ecad, por isso tendem a achar que não somos
suficientemente claros”, afirmou.
O gerente disse que o Escritório de Arrecadação não dificulta a
integração de novas associações, apenas cria requisitos que são
essenciais para a unidade dos grupos. “Antigamente pequenas agências
por todo o Brasil faziam parte do Ecad, mas isso mais dificultava nosso
trabalho do que ajudava. Isso porque essas pessoas que queriam nos
representar nem sempre tinham estrutura para fiscalizar a determinada
região do País proposta. Eles não conseguiam nos representar
adequadamente e era nossa imagem a afetada”.
Quanto à formação de cartel, disse que é impossível permitir que as
associações cobrem preços diferentes de direito autoral porque nem
sempre a música é composta apenas por uma pessoa. “O compositor, o
letrista, o arranjador e quem mais participou do processo de criação
deve receber o mesmo valor por execução de determinada canção. Como nem
sempre os envolvidos são filiados de uma mesma associação, as entidades
precisam cobrar preços iguais”, argumentou.
Minc e Ecad: Márcio do Val também
falou a respeito do suposto favorecimento do Ministério da Cultura ao
Escritório de Arrecadação. Ele comentou a relação da Diretora de
Direitos Intelectuais do Minc, Márcia Regina Barbosa, com o Ecad – ela
foi indicada para o cargo por Hidelbrando Pontes, advogado da
instituição. “O Ecad tem centenas de advogados, nós não temos contato
direto com eles. Essa relação não é verdadeira.”
O relatório da CPI não trata do suposto favorecimento ao Ecad durante
a gestão de Ana de Hollanda no Ministério da Cultura. “Quando as
acusações foram feitas, a CPI já estava em sua fase final, por isso não
investigamos as relações das entidades a fundo”, esclarece Randolfe
Rodrigues em entrevista àCartaCapital.
Apesar disso, Ana de Hollanda já havia sido convidada pelo senador
para prestar esclarecimentos quanto às acusações feitas à sua
administração. Na manhã da terça-feira 24 a ministra falou à Comissão de
Educação do Senado. Durante seu discurso, ela defendeu Márcia Regina.
“Não há nada que se possa levantar de concreto contra suas atitudes,
seus procedimentos. Ela trabalhou no Conselho Nacional do Direito
Autoral, assim como o doutor Hildebrando. Se ele defende o Ecad é outra
questão”, disse.
A ministra também fez uma apaixonada defesa dos direitos autorais.
“Acompanhei as lutas dos anos 60 e 70 de toda a vanguarda cultural a
favor do direito à dignidade do artista como profissional e ser humano.
Fico assustada quando vejo essa campanha pelo retrocesso. O autor não
vive de vento, vive de seu trabalho. Me acusam de ser uma pessoa presa
ao passado. Não sou presa ao passado, sou presa aos direitos
conquistados com muita dificuldade.”
Por fim, Ana de Hollanda rebateu as acusações feitas pelo blog
Farofafá, de que teria favorecido o Ecad através de um parecer técnico
enviado ao Ministério Público, depois de pedido do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica. O novo documento seria antagônico ao
emitido por Gilberto Gil durante o governo Lula. “Nós simplesmente
respondemos a uma obrigação perante o Ministério Público, que pediu nova
manifestação ao MinC. Nosso texto está muito parecido com o anterior,
da época do ministro Gil”, defendeu-se.
Para Randolfe Rodrigues, o depoimento da ministra não esclareceu as
relações entre as duas organizações. “Ao invés de responder ao argumento
e favorecimento ao Ecad, ela preferiu atacar o argumentador.”
O senador acrescentou que se o Minc continuar agindo com atividades
opostas às recomendações dadas pela CPI será submetido a investigações.
“Por enquanto, julgo que o relatório do senador Lindbergh já um grande
avanço para os direitos autorais brasileiros”, concluiu.