quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

FHC pode, Dilma não

Violência para todos: o novo mapa dos homicídios no Brasil

Entre 2004 e 2007 morreram mais pessoas assassinadas no Brasil do que nos conflitos envolvendo israelenses e palestinos e mesmo na guerra do Iraque. Foram 538.324 homicídios em dez anos (2000 a 2010). Só no ano passado, foram 50 mil pessoas assassinadas em nosso país, mais de 130 por dia.
Estes números foram apresentados, em dezembro do ano passado, no Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil. Utilizando a taxa de homicídios por 100 mil habitantes como parâmetro para medir a violência e com base nas estatísticas de mortalidade registradas pela rede de saúde no país, o estudo mostra a evolução do número de assassinatos na última década.
De acordo com o mapa, a taxa média brasileira — 26 homicídios por 100 mil habitantes — permaneceu estável nos últimos dez anos. Mas esta “estabilidade” oculta transformações profundas que ocorreram na distribuição das mortes violentas pelo país neste período. De forma geral, houve um movimento de forte diminuição nas taxas de homicídio nas regiões metropolitanas — principalmente São Paulo e Rio de Janeiro — e grande aumento no interior e nas regiões Norte e Nordeste.
Dos noticiários ao cinema, das políticas públicas às ações de ONGs, a década foi marcada pela imagem da violência. O tema em si e o debate em torno do seu enfrentamento tornaram-se uma espécie de obsessão na cultura e política brasileiras. Entretanto, enquanto o debate público sobre a violência no país identificava as periferias e favelas metropolitanas como lócus do crime, a violência foi se disseminando pelo país.
A queda das taxas de homicídio em São Paulo e no Rio de Janeiro merece ser celebrada, mas sua interiorização e disseminação pelo país são preocupantes. Hoje, Alagoas, Pará, Bahia, Maranhão e Paraíba são os Estados que apresentam maiores índices de homicídios per capita, com crescimento superior a 300%.
Quem mora em Salvador ou São Luis com certeza sentiu na pele essa mudança. O fato é que o crescimento econômico nestas cidades foi acompanhado pela emergência de um fenômeno antes marginal ou desconhecido: uma cultura da violência muito semelhante àquela repetida obssessivamente na última década nos filmes, noticiários e debates públicos. A disseminação do crack, a homogeneização dos padrões de consumo e o desmantelamento das redes tradicionais de contenção social como famílias extensas, sem dúvida, contribuíram para intensificar o fenômeno.
Marabá, no Pará, terceira cidade com maior índice de homicídios, combina os novos fenômenos da década com o já velho e persistente fenômeno da pistolagem, dos conflitos armados nas regiões que fazem parte  frente de expansão mineradora e agroindustrial do país. Questões fundiárias — principalmente — que há décadas matam centenas de pessoas na região, agora aparecem nas estatísticas nacionais.
Cidades de fronteira (como Guaira no Paraná, quarta no ranking) ou de grande explosão do turismo (como Porto Seguro, quinta pior cidade em termos de homicídios) compõem o quadro das situações mais agudas. Entretanto estas são situações extremas, de um quadro que de forma geral revela um novo fenômeno — a disseminação da violência pelo interior do país – para o qual não temos ainda  um novo retrato e  muito menos formulamos instrumentos para enfrentá-lo.

Tarso Genro sugere a Zero Hora que siga o Código de Ética da RBS

Foto: Caroline Bicocchi/Palácio Piratini
O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), contestou nesta quarta-feira (1º) o texto intitulado “Quem te viu, quem te vê”, publicado na coluna Página 10, assinada pela jornalista Rosane de Oliveira, em Zero Hora. O texto critica o governo do Estado por “não divulgar os nomes dos 17 servidores (ou ex-servidores) que figuram no relatório da comissão processante como possíveis envolvidos em irregularidades” [no Daer – Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem].
Em nota enviada ao jornal, Tarso Genro manifesta “inconformidade com as acusações, que imputam ao governo o encobrimento de nomes”. “O próprio governo do Estado, através da Procuradoria Geral do Estado, é quem fez a investigação, por determinação direta do governador”, afirma o chefe do Executivo gaúcho. Segundo ele, “o governo não é contrário à divulgação dos nomes das pessoas eventualmente implicadas, mas entende que o órgão apropriado para fazer esta divulgação é o Ministério Público, que tem a responsabilidade da Ação Penal e o dever de aferir os resultados da investigação”.
O governador também critica o texto por “misturar posições do PT com posições do governo do Estado, como se outorgar ao MP a decisão de divulgar os nomes, fosse uma posição contrária do Governo contrária ao resultado da investigação”. O texto em questão, prossegue Tarso Genro, “nega ao Estado um dever ético que é determinado pelo próprio Guia de Ética da RBS, que é uma instituição privada, e que está assim redigido:
“O mero registro policial ou a proposta de ação judicial não são elementos suficiente para a divulgação de nomes de suspeitos ou acusados, a menos que haja a devida contextualização para se compreender um fato de interesse público”.
Tarso Genro classifica ainda como “curiosa” a comparação com a comissão de sindicância que apurou responsabilidades no escândalo do Detran, durante o governo Yeda Crusius, e a comissão processante atual:
“A situação é diametralmente oposta. Os apontamentos da PGE à época (2008) e a “divulgação dos nomes” se deram sete meses após a deflagração da chamada Operação Rodin, quatro meses após a conclusão de inquérito por parte da Polícia Federal e e em pleno curso de uma CPI que tratou sobre o tema. Os nomes dos supostos envolvidos já estavam amplamente publicizados, com o aval do Ministério Público Federal. No caso atual, o Governo atuou na vanguarda das investigações, propiciando o ambiente institucional adequado para a realização do trabalho da comissão processante, bem diferente do que ocorreu em períodos anteriores”.
As acusações feitas ao governador no referido texto, conclui Tarso Genro, “partem do pressuposto que uma instituição privada tem o direito de não informar, quando entende que este é o seu dever ético, e que o Estado não deve obedecer aos mesmos pressupostos”.
Segundo ele, o governo, não fará nenhuma objeção caso o Ministério Público decida divulgar os nomes. “Pelo contrário, se a instituição verificar que há fundamento na investigação conduzida pelo Executivo, saudaremos a publicização de tudo o que foi apurado, inclusive os nomes”.

Tua religião te faz sentir menos humano?

A memória como direito e tarefa civilizatória


No debate "Direitos Humanos, Justiça, Lutas e Memórias", promovido pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), em Porto Alegre, Boaventura Sousa Santos defendeu que "o grande desafio do direito à memória é que é o direito ao futuro, mas também ao passado e ao presente". E Leonardo Boff definiu a memória como uma prática subversiva que aponta os que fizeram as atrocidades e restitui a dignidade das vítimas.

Porto Alegre - "Se não tiver vaias e aplausos no Fórum Social Mundial, não será Fórum Social Mundial". Com a frase, a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, acabou acenando a bandeira branca à multidão que lotou o auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no início da noite de sexta-feira (27), no evento "Direitos Humanos, Justiça, Lutas e Memórias", promovido pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso). Maria do Rosário foi a terceira a tomar a palavra, depois que o auditório lotado consagrou, com palmas, o cientista político Emir Sader e o teólogo Leonardo Boff. Depois dela, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos veio em seu socorro, lembrando que o governo brasileiro era cheio de contradições internas e que o público que a vaiava deveria fortalecê-la para que cumprisse os compromissos assumidos em seu discurso, de luta pelos direitos humanos. "Eu confio 100% no que ela disse", afirmou Boaventura.
O conflito com a plateia, que até então a aplaudia, começou quando a ministra citou os povos indígenas dentro das políticas de direitos humanos do governo. "Belo Monte, Belo Monte", gritaram alguns presentes. Antes dessa menção, quando começava a descorrer sobre as populações vulneráveis que precisavam da atenção do Estado para garantia de direitos, algumas pessoas lembraram: "Haiti". Na segunda provocação, a ministra reagiu.
"Não me provoca Haiti ou Belo Monte. Irei daqui a dois dias ao Haiti para reiterar que não faremos com os haitianos o que outros países fazem com
brasileiros imigrantes. O que ofende a sensibilidade humana é quando os imigrantes são tratados como escória, e não como parte da humanidade", disse a ministra. Afirmou, ainda, que estava sob responsabilidade de sua pasta a transição da missão de caráter militar que o Brasil hoje mantém naquele país em missão humanitária. Nesse momento, ganhou mais aplausos que vaias.
O placar virou no momento seguinte, quando ela falou de Belo Monte. "Belo Monte tem que ser pensado a a partir do entendimento global de uma agenda de desenvolvimento para o país", disse, incluindo nesse pacote as reformas urbana e agrária. E, enfim, lembrou os episódios da reintegração de posse do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos. "Pinheirinho é a marca da intolerância", afirmou, assinalando, enfim, um compromisso com a plateia:
"Diante de vocês, eu digo que unós faremos tudo para que cada projeto da agenda de desenvolvimento seja constituído com autonomia tecnológica, soberania e respeito aos povos originários", concluiu, para ouvintes ainda divididos.
Pinheirinho também esteve presente nas intervenções de outros convidados, como uma herança trágica e cultural de um passado autoritário, do qual a memória foi subtraída. "Pinheirinho é o passado, o presente e n ão queremos que seja o futuro", afirmou Sader. "Nós todos somos Pinheirinho", reiterou o presidente da União Nacional dos Estudantes, Daniel Iliescu.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos afirmou que "o grande desafio do direito à memória é que é o direito ao futuro, mas também ao passado e ao presente". Diferenciou o direito à memória do direito à história. "O direito à história é o direito às histórias silenciadas pelo saber e pelo poder oficial. São aquelas histórias que aprendemos nas escolas e que vigoram como sendo a verdade dos tempos. A isso chamo de sociologia dos ausentes", disse. É o silêncio em relação aos oprimidos, discriminados e ao sofrimento humano.
"O direito à memória é outra coisa. É o direito a vivências e experiências pessoais que constituíram a subjetividade [de indivíduos], e que eles têm que lembrar e serem respeitados por isso", explicou. Segundo Boaventura, a verdade histórica existe para essas pessoas, mas a subjetividade dessa memória permite apenas o seu conhecimento, jamais sua transmissão. "A verdade para eles está inscrita nos seus corpos, no seu sofrimento. Essa memória é intransmissiva porque as dimensões do sofrimento nunca se pode transmitir, mas pode ser reconhecida." O silenciamento, neste caso, também "torna impronunciável a revolta".
Propondo-se a ampliar o tema do direito à memória para o plano mundial, Boaventura inscreveu a escravatura como o episódio até hoje submerso pelo esquecimento. "Esta é uma história muito complexa, porque não é apenas dos financiadores europeus, mas a história dos africanos que escravizaram suas populações para vendê-las aos europeus". O peso dessa ausência de memória, segundo ele, até hoje resulta em revoluções, na África e na Ásia, e o colonialismo, todavia, é uma história que só começa a ser contada.
O colonialismo degradou colonizados e colonizadores, afirmou Santos. "Vejam a desgraça na Europa, que ficou cinco séculos a dizer às pessoas as virtudes da democracia e do desenvolvimento, e agora, numa crise econômica e financeira, não tem uma solução para os seus problemas e não sustenta a democracia". A Europa, que impôs o colonialismo ao mundo, agora está colonizada, mas por outros reis, disse Boaventura. Segundo ele, os primeiros ministros da Grécia e da Itália e presidente do Banco Central Europeu são, todos eles, ex-funcionários da Goldman Sachs.
Leonardo Boff afirmou que "a memória é subversiva porque aponta os que fizeram as atrocidades e restitui a dignidade das vítimas". E é uma "tarefa civilizatória". "Famílias tem direito não apenas à memória resgatada, mas dos restos que sobraram de sua dignidade, ossos e corpos. Para que nunca mais se esqueça e nunca mais aconteça", concluiu o teólogo.