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Mosconi e Serra |
Justiça
condena "Máfia do Tráfico de Órgãos de Poços de Caldas". Deputado
Mosconi escapa ao não ser denunciado, mas é mencionado em sentença
O que muitos julgaram ser uma teoria da conspiração quando o então
deputado federal Célio de Castro, ex-prefeito de Belo Horizonte
denunciou existir no Brasil uma Máfia dos Transplantes de Órgãos acaba
de ser chancelada como tétrica verdade. Novojornal
levou a sério a continuidade das denúncias que tiveram prosseguimento no
tempo. Agora o juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da cidade mineira de
Poços de Caldas, no sul do Estado, doutor Narciso Alvarenga Monteiro de
Castro com base nos autos do processo 0518.10.018719-5 acaba de
condenar um grupo de envolvidos na ação criminosa. É o primeiro
julgamento e haverá ainda um júri popular.
Em depoimento judicial o delegado da Polícia Federal Célio Jacinto
confirmou a existência de “uma carta escrita pelo deputado estadual
Carlos Mosconi (PSDB/MG)”, apontado como líder do esquema, “pedindo um rim para o prefeito da cidade mineira de Campanha”, Sul do Estado. O mesmo depoente informou a autoridade judicial que esta peça “desapareceu”.
O processo teve origem a partir do “Caso Pavesi” que resultou na
morte do menino Paulo Veronesi Pavesi cujo pai, um analista de sistemas,
em função das perseguições sofridas por convalidar a denúncia
apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais, relativa ao esquema
desumano vive hoje exilado na Itália. São réus do processo Félix Herman
Gamarra Alcântara; Alexandre Crispino Zincone; Gérsio Zincone; Cláudio
Rogério Carneiro Fernandes; Celso Roberto Frasson Scafii e João Alberto
Goes Brandão.
A leitura dos autos possibilita ver que mesmo não tendo sido citado, o
que impossibilitou uma condenação, o deputado estadual Carlos Mosconi
(PSDB/MG) está envolvido com a máfia que tem como base de atuação a
Irmandade da Santa Casa de Poços de Caldas. Quando Célio de Castro
formulou a denúncia ele explicou que a Máfia dos Transplantes de Órgãos
vitimava pessoas de baixa renda e informação.
Na conclusão da sentença o juiz da 1ª Vara Criminal de Poços de
Caldas, Narciso Alvarenga Monteiro de Castro relata que de fato pessoas
mais humildes são vítimas das ações criminosas, tendo a ganância mafiosa
os impelido a cometer, certos da impunidade, o erro de se envolver com o
Caso Pavesi. O pai do garoto transformado em “doador” é um homem
esclarecido e disposto a lutar pelos seus direitos. Todos os acusados
têm direito a recorrer das penas recebidas determinando reclusão em
regime fechado. Eles poderão aguardar da decisão final em liberdade mas
estão proibidos de deixar o Brasil e impedidos, em qualquer
circunstancia, de atender aos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS.
Razões jurídica
O PM atuou através do promotor de Justiça Joaquim José Miranda Júnior, promovendo ação penal tendo em vista “Félix
Herman Gamarra, brasileiro naturalizado, médico, incurso nas sanções do
artigo 121, parágrafo segundo, I do Código Penal (CP) e artigo 15,
parágrafo único da Lei n. 9434/97; Alexandre Crispino Zincone,
brasileiro, médico, incurso nos artigos 15 e 16 da Lei n. 9434/97;
Gérsio Zincone, brasileiro, médico, incurso no artigo 14, parágrafo
primeiro, da Lei n. 9434/97; Cláudio Rogério Carneiro Fernandes,
brasileiro, médico, incurso no artigo 14, parágrafo primeiro, da Lei n.
9434/97; Celso Roberto Frasson Scafi, brasileiro, médico, incurso no
artigo 14, parágrafo primeiro, da Lei n. 9434/97 e João Alberto Goes
Brandão, brasileiro, médico, incurso nas sanções do artigo 15, parágrafo
único, da Lei n. 9434/97, todos c/c artigo 29 do CP, já que nos dias 17
e 18.4.2001, neste município e sede de comarca, o denunciado Félix
Gamarra teria praticado homicídio doloso contra a vítima José Domingos
Carvalho. Impelido por motivo torpe, facilitou e intermediou a compra e
venda de órgãos humanos; os denunciados Cláudio Rogério, Celso Roberto e
Gérsio Zincone removeram órgãos humanos de cadáver, em desacordo com
disposição legal, mediante paga ou promessa de recompensa; o denunciado
Alexandre Crispino realizou transplantes em desacordo com as disposições
da lei e vendeu órgãos humanos; e o denunciado João Alberto facilitou e
intermediou a venda de órgãos humanos”.
Em vista de tais razões foi instaurado o IPL n. 073 pela Polícia
Federal, de acordo com a Portaria às fls. 02/04 do vol. 1 dos autos, no
bojo do qual foi juntado o Procedimento Administrativo Criminal do MPF.
No Relatório de Auditoria n. 03/2002 às folhas 07/39 observa-se foram
constatadas diversas irregularidades e ilegalidades na Irmandade da
Santa Casa de Poços de Caldas, inclusive 8 (oito) casos suspeitos
envolvendo transplantes de órgãos e tecidos humanos, sendo a presente
ação penal referente ao Caso 1.
Características comuns
O doutor Narciso Alvarenga Monteiro de Castro em seu arrazoado
informa que tão logo chegou à Comarca, em agosto de 2011, travou contato
com processos e inquéritos policiais envolvendo acusados médicos,
sobretudo dos quadros da Irmandade da Santa Casa de Poços de Caldas.
Todos com características comuns. “Tanto em relação às pessoas quanto nos modos de atuação”. Envolvendo “gente bem relacionada”. Outra característica “era
a morosidade reinante, visto que as tramitações dos inquéritos
policiais eram (e em alguns casos ainda são) extremamente lentas”.
Segundo ele as investigações, de início a cargo da Polícia Federal,
principiaram bem e depois perderam ímpeto. O fatiamento das apurações
também contribuiu para a dificuldade em se acompanhar os feitos,
apresentação das denúncias ou não e os julgamentos, que na maioria dos
casos ainda não aconteceram.
Conforme o representante do órgão ministerial em 2002 eclodiu um
escândalo de repercussão nacional e internacional de denúncia de tráfico
de órgãos e homicídios em Poços a partir do “Caso Pavesi”, que poderia
também ser denominado Caso Zero - (autos de proc. 08.148802-6). A partir
desse caso está bem esclarecido e relatado no apenso relativo ao
Relatório da CPI do Tráfico de Órgãos anexado aos autos. Foram feitas
auditorias pelo Denasus, VISA, Anvisa, no Hospital Pedro Sanches e no
Hospital da Irmandade da Santa Casa. “Em um dos relatórios do
Dsenasus, constantes dos autos, foram identificadas diversas
irregularidades, além de mais 08 casos suspeitos envolvendo os réus e
outros médicos, ligados aos transplantes de órgãos e tecidos no Hospital
da Irmandade da Santa Casa”. Tais casos deram origem a diversos
inquéritos e processos, em diferentes estágios, citando-se, a título de
exemplo, o relatório da autoridade policial no IPL 039/2001 (Caso
Pavesi), datado de 5.4.2002, que resultou nos indiciamentos de Scafi,
Carneiro Fernandes, Ianhez e Trefiglio Neto. O esmiuçamento da questão
conduz ainda a diversas irregularidades de ordem econômica com prejuízos
para o erário em função de procedimentos médicos hospitalares.
Não se sabe o resultado de tais inquéritos, exceto o IPL 030/2002
(central clandestina), que virou o processo 2002.38.00.012299-9, que
mesmo arquivado a pedido da Procuradora Federal, teve um laudo pericial
importante no computador apreendido na instituição, pertencente à
Ianhez, periciado, às fls. 627/679, vol. III, dos autos.
O atual feito é relativo ao chamado “Caso 1”, onde foram apuradas as
circunstâncias da morte da vítima José Domingos de Carvalho, que
internado naquele hospital acabou como “doador cadáver”. Para registro o
menino Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, sofreu uma
queda e foi imediatamente socorrido. Deu entrada no dia 19 de abril de
2000 no Hospital Pedro Sanches com suspeita de traumatismo crânio
encefálico após queda de menos de 10 metros de um brinquedo do prédio
onde morava. Segundo o documento “identificação e dados do doador,”
inserido no IP, estaria em Glasgow 10 (a escala, usada por
neurologistas, varia de 3 a 15, quanto maior a numeração, menor a
gravidade do estado clínico do paciente) e avaliado pelo anestesista
como ASA II, doença sistêmica leve, sem limitação funcional (escala da
Associação Americana de Anestesia, que vai de I (paciente saudável) a VI
(paciente com morte cerebral). Depois foi levado para o Hospital da
Irmandade da Santa Casa e recebeu atendimento de Inhaes, que coordenava
os transplantes, “o que é proibido por lei”.
Para outros detalhes do caso vale consultar o Relatório da CPI, diz o meritíssimo, em apenso. “Na
mesma época, diversas outras irregularidades foram encontradas na
Irmandade da Santa Casa, como empréstimos suspeitos, superfaturamento de
AIHs, etc. Em 24.4.2002 houve a morte, no mínimo suspeita, do
administrador da Santa Casa, Carlos Henrique Marcondes, o “Carlão”, (IP
n. 02.20992-1) no dia em que teria uma reunião onde denunciaria as
irregularidades, (é sabido que fazia gravações clandestinas no hospital e
as fitas desapareceram, a chamada “queima de arquivo”.
Arquivamento suspeito
“O inquérito policial (autos n. 02.20992-1) que apurava a morte
de Carlos resultou em arquivamento quase sumário pelo então delegado
Juarez Vinhas (ex-PM), com a conclusão de “suicídio”, mesmo com as
constatações de que: foram disparados três tiros, mas só um atingiu a
vítima; a arma sumiu do Fórum, não foi feita perícia e não foi
encaminhada para a PMMG para posterior encaminhamento ao Exército; a mão
da vítima foi raspada e enfaixada; o advogado da Santa Casa Sérgio
Roberto Lopes (ex-PM) mandou lavar o carro da vítima onde o fato
ocorreu, sem autorização; o primeiro atendimento à vítima foi feito pelo
atual réu João Alberto e Félix Gamarra e testemunhas viram pessoas no
carro da vítima, com ela, antes de ser morta.
A pedido do MP (promotora de justiça de fora de Poços de Caldas),
o IP foi desarquivado. Uma juíza federal já havia se manifestado pelo
reexame do caso da morte suspeita do administrador (autos
n.2002.38.00.033566-4, 4ª Vara), que ora faço anexar”.
O “caso Pavesi” resultou na pronúncia pelo juiz realizada (e
confirmada pelo E. TJMG, cópia em anexo, RSE 1.0518.08.148802-6/001) dos
médicos Ianhez, José Luiz Gomes da Silva, José Luiz Bonfitto e Marco
Alexandre Pacheco da Fonseca, no indiciamento dos médicos e ora réus,
Celso Scafi e Cláudio Rogério, que também removeram órgãos da criança
Paulo Veronesi Pavesi, conforme declararam nos seus interrogatórios
nestes autos, além do anestesista Poli Gaspar. Os presentes autos têm,
em tese, muito em comum com o “Caso Pavesi”, ainda pendente de
julgamento. A criança teria recebido altas doses do medicamento Dormonid
(Midazolan), além do barbitúrico Thinembutal e Hidantal, que a teria
mantido todo o tempo sedada, mas ainda assim iniciou-se o protocolo de
morte encefálica, conforme consta do Relatório da CPI, apensada (nestes
autos a vítima JDC também foi mantida sedada e mesmo assim não houve a
interrupção do protocolo).
Pobres na mira
“Nos casos que já estudei sob minha responsabilidade e conexos a
este, ressaltam outras características em comum, geralmente os
“candidatos” a doadores de órgãos eram pessoas de baixa instrução e
pouca condição financeira, o que facilitava a sensação de impunidade.
Foi fatal para a descoberta da possível organização criminosa que agia
no interior e nas proximidades da Irmandade da Santa Casa - ainda
investigada pelos órgãos competentes - que uma das vítimas, no caso a
criança Pavesi, fosse de uma família de melhor instrução (o pai era
analista de sistemas e hoje se encontra asilado na Itália), a ganância
pode ter sido grande (pois, ao que parece, cobraram até pelo
transplante, que teria que ser feito pelo SUS. No corpo do processo
2002.38.00.012299-9, já citado, foi lavrado o laudo pericial n.
1020/2003-Secrim/SR/DPF/MG, o qual vale à pena citar algumas partes
(anexei as cópias, juntadas também nos autos 11.014135-6- caso 3 e
11.014134-9, caso 6), pois esclarecedoras da possível trama criminosa”.
Reuniões
Explicita o autor do documento que “Primeiro, houve uma reunião
em Poços de Caldas no dia 19.11.1999 onde Alvaro, Scafi e Balducci
(cunhado do segundo) expuseram a representantes de várias DRS (Delegacia
Regional de Saúde) da região o plano da organização “MG – Sul
Transplantes” (que não tinha nem CNPJ), notando-se que não compareceu e
foi contra a reunião o representante da DRS Pouso Alegre/MG. Os maiores
expositores foram Ianhez e Scafi (fls. 636/637 dos autos citados); em
uma carta endereçada a um deputado, datada de 4.12.2000 (f. 638/641)
Ianhez resume as “vantagens” do MG-Sul: “pessoal treinado e preparado
com experiência na área de transplantes; presença de pessoal com grande
experiência na área de Captação de Órgãos; presença de um laboratório
montado e capacitado a realizar exames de imunologia dos transplantes
(Laborpoços, CGC 02.525.748/0001-33, de propriedade de um ex-prefeito
cassado de Alfenas, cidade vizinha, José Wurtemberg Manso RT, Angélica
de Lima, funcionando desde 1997, ainda sem autorização pela SAS/MS, que
recebia pagamentos diretamente da Santa Casa, dados da Auditoria 33/00
do MS; apoio da prefeitura local por intermédio da secretaria de Saúde;
apoio das Associações aos Renais Crônicos (denominada PRO RIM, criada em
1998, sob os auspícios de Mosconi, pelo advogado da Santa Casa, Sérgio
Roberto Lopes e cujo presidente é Lourival da Silva Batista, primeiro
transplantado de Poços, operado por Mosconi, associação ainda atuante) e
apoio de grandes serviços de transplantes como a Universidade de São
Paulo e Universidade de Campinas”.
A sentença enfatiza ainda que Lourival era quem controlava a lista de
espera, excluía quem não estivesse em dia com as mensalidades e ainda
tinha acesso aos prontuários médicos dos doadores, “o que é proibido por
lei”. Também consta que Ianheze seus colegas faziam propaganda de
transplantes, “o que é conduta vedada. Além de vários outros
documentos, vê-se às fls. 661/669 do processo que tramitou na Justiça
Federal a tão famosa (e sempre negada) Lista Única de Poços de Caldas,
com nomes, cidade de origem (vê-se que era interestadual), idade, tipo
sanguíneo e início da diálise.
A ação civil movida pelo MP contra o então prefeito e os gestores
da saúde do município de Poços de Caldas foi sumariamente arquivada na
Justiça local (infelizmente o recurso não foi provido). É necessário
citar um texto da lavra de um Procurador Federal de Minas Gerais,
citando uma Ação Civil, onde abusos são descritos.
Inquérito civil
“Foi instaurado o anexo Inquérito Civil com o objetivo de se
verificar o funcionamento do sistema de transplante de órgãos ou
enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano (em vida ou post
mortem) neste Estado (Minas Gerais). A instauração se deu a partir de
denúncia encaminhada ao Ministério da Saúde relativa a eventual
irregularidade que teria ocorrido no procedimento de doação de órgãos do
menor PVP, na cidade de Poços de Caldas-MG, seguindo-se a descrição
minuciosa do caso.
“Diversas irregularidades foram apuradas, podendo-se citar dentre
outras: a ausência de registros e claras anotações médicas no
prontuário do menor quando esteve internado no Hospital Pedro Sanches, o
desaparecimento do exame de tomografia computadorizada, a inexistência
de registro claro acerca do detalhamento da neurocirurgia realizada, a
contradição entre as anotações das enfermeiras e médicos no prontuário, a
existência irregular da entidade MG-Sul Transplantes, a irregularidade
das listas de receptores de órgãos (listas não oficiais e
interestaduais), o comprovado envio de córneas do menor PVP para o
Estado de São Paulo (revelando com isso, a transferência ilícita de
órgãos e o desatendimento à lista oficial), as vultosas quantias doadas à
entidade MG-Sul Transplantes (v. fls. 1378/1382 e 1560/1561 do IC), as
inadequadas condições sanitárias detectadas tanto no Hospital Pedro
Sanchez quanto na Santa Casa, as inexplicáveis e desconcertantes
omissões dos gestores do SUS e do Sistema de Transplantes nos âmbitos
estadual e municipal na efetiva fiscalização e controle das respectivas
atividades sob suas responsabilidades, omissões essas reveladas,
sobretudo na não adoção de medidas corretivas das distorções que
deveriam saber ocorrentes.
Constatou-se que a entidade MG-Sul Transplantes era irregular.
Apesar disso, o aluguel do local onde funcionava era custeado pela Santa
Casa (f. 17 do IC) e realizava as mesmas funções atribuídas à Cncdo”. Do relatório da auditoria realizada pelo Denasus extrai-se o seguinte:
“Não apresentou à equipe documentos comprobatórios da autorização
da SES/MG para o funcionamento da Central, funcionando sem autorização
formal e sem os devidos credenciamentos junto à Coordenação Estadual de
Transplante e junto ao Sistema Nacional de Transplantes- Nível Central
(SAS/MS), contrariando o estabelecido na PT/SAS/MS 294/99 quanto ao
cadastramento (f. 16 do IC). Ademais, no documento de fls. 1529,
expedido pela Secretaria de Assistência à Saúde - SAS, órgão do
Ministério da Saúde, lê-se o seguinte:
A dita CNCDO-MG Sul Transplantes está funcionando de forma ilegal
na medida em que não existe nenhum ato formal da Secretaria Estadual da
Saúde que a constitua, fato este inclusive relatado pelo Dr. Álvaro em
sua citada correspondência(...) Essa entidade era controlada e dirigida
pelo mencionado nefrologista Dr. Álvaro Ianhez, o qual era também o
responsável técnico pela equipe médico - especializada de transplante na
Santa Casa. Ora, essa acumulação de tarefas afigura-se-nos como pouco
ética, pois, obviamente, quem controla a entidade de captação e
distribuição de órgãos humanos para fins de transplantes não deveria
presidir a equipe médica que realiza as cirurgias! Às fls. 2307 há o
seguinte registro no relatório de auditoria produzido pelo Denasus:
A equipe de auditores considerou a data de 21 de setembro de 1998
como início do período em que o Dr. Álvaro Ianhez se fazia passar pelo
representante da Central de Transplantes de MG,(...) Relativamente à
Santa Casa de Misericórdia deve-se dizer, primeiramente, que mantinha
relações com uma Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos Regional irregular, chegando mesmo a financiar o aluguel da área
física em que tal entidade funcionava (v.fl.17). E com isso mantinha um
negócio lucrativo, pois detinha autorização para realizar cirurgias de
transplantes de rins, sendo, por esse serviço e pelos serviços conexos a
esse, altamente remunerada pelo SUS. Os valores, é bem de se ver, são
vultosos. Convém frisar que as Cncdos (sejam elas regionais ou não) são
órgãos públicos, da administração direta do Estado, vinculados
diretamente à Secretaria Estadual de Saúde e integrantes do Sistema
Nacional de Transplantes-SNT. (...)
Outro ponto que merece consideração é o fato de a Santa Casa e a
respectiva equipe médica terem realizado transplantes até o dia
16.11.2.001, nada obstante suas autorizações estivessem vencidas desde
23.7.01 (...)
Também foi firmado pelo MP de Poços um TAC com o provedor à época
da Irmandade da Santa Casa (Sr. Martinho da Luz), cuja cópia anexo
nesta oportunidade, e um valor ínfimo foi devolvido (cerca de
quatrocentos mil reais, quando os desfalques foram aos milhões de
reais), ainda assim em imóveis e não se sabe quem firmou um recibo de
depósito, ajuste este confirmado pela Procuradoria, deixando de lado o
aspecto penal. O cancelamento dos transplantes, por conta das
irregularidades que foram constatadas, resultou na perda de receita de
mais de 200 mil reais por mês (fato confirmado por testemunhos nestes
autos”. Existem ainda outros casos em investigação todos envolvendo
altas irregularidades nos procedimentos, inclusive a retirada de órgãos
de cadáveres por pessoas não habilitadas.
Carta comprometedora
Em um dos interrogatórios segundo o meritíssimo juiz foi indagado ao delegado da Polícia Federal Célio Jacinto: “Queria
que o senhor apenas confirmasse: é verdade que existe uma carta do
deputado Mosconi solicitando a Alvaro Inhaez o fornecimento de um rim
para um amigo do prefeito de Campanha/MG? Delegado: Existe. Foi
apreendida uma carta, eu não sei precisar se no escritório do Dr.
Alvaro, em sua casa ou na central. (...) Delegado: (...) Nessa carta, o
prefeito de Campanha narra a situação de um munícipe daquela cidade e
pede a intervenção do deputado. E o deputado, através de um médico da
equipe de transplantes, fez uma resposta para o prefeito. (...) Deputado
Neucimar: Quem era o paciente? Delegado Célio: (...) Era a esposa de um
policial militar.”. Registre-se ainda que em um interrogatório de Celso
Scafi, em 9.4.2001, o delegado Célio Jacinto lhe perguntou: “Por qual
razão solicitou aproximadamente oito mil reais para realização de
transplante duplo de um paciente de Campanha/MG, intermediado pelo
prefeito daquela cidade?” Celso Scafi preferiu usar do seu direito ao
silêncio. Ao que parece, tal carta depois desapareceu do IP e não foi
investigada pela Polícia, mesmo havendo indícios de crime”.
Irresponsabilidade total
Na redação da sentença é dito que tudo no Hospital da Irmandade da Santa Casa de Poços de Caldas “era
feito numa irresponsabilidade total e ainda por cima com verba pública
(seria necessária nova auditoria ali para saber se ainda não persistem
todas aquelas mazelas). Mas a morte não era à toa, tinha uma finalidade.
Serviria aos propósitos de manter Poços de Caldas como o maior centro
transplantador do Estado, atrás apenas da Capital, fato confirmado pela
testemunha José Tasca. Não ser esquecido que dentro da tabela do SUS os
procedimentos com maiores percentuais de ganhos são os relativos aos
transplantes “e o próprio deputado Carlos Mosconi confirmou isso em
juízo, apesar de negar quase todas as outras questões, até mesmo se já
ouvira falar em entidade PRO RIM ou MG Sul Transplantes que ele próprio
inspirou segundo consta, ao participar dos primeiros transplantes na
cidade. Consta ainda que todos eram vizinhos de sala”.
Outra observação importante do juiz: “A Defesa não vai querer se
recordar que quando apareciam pacientes com TCE ou AVC, jovens, pobres,
“aptos”, portanto, para se candidatarem (mesmo sem saber) a “doadores”,
ficavam dias sem nenhum tratamento ou com tratamento inadequado, nas
enfermarias, sedados (para que os familiares, também na maior parte dos
casos, semi-analfabetos não desconfiassem de nada) e se isso não é
“promessa de recompensa” não sei mais o que é. A engrenagem da “Máfia”
teria funcionado por muito tempo e sem levantar qualquer suspeita, ainda
parecendo que estava prestando um relevante serviço à Sociedade.
Ora, o que há de mal usar algumas vidas (ou órgãos) para salvar
outras? Aqueles outros pobres pacientes portadores de doença renal
crônica, submetidos às longas sessões de diálise ou hemodiálise poderiam
encontrar salvação (nem que fosse por apenas alguns meses ou anos, à
custa de grande dosagem de medicamentos para evitar rejeição dos
enxertos) e o que teria de mais se estes nobres médicos recebessem uma
justa remuneração por tão relevantes serviços? Existe lista particular,
interestadual burlando o sistema de lista única, o que tem de mais?
Seria um mero detalhe! Esqueceram que tal fato é crime. Ora, se alguns
órgãos e tecidos fossem contrabandeados para outro Estado, para pessoas
que pudessem pagar altos preços, o que teria de mais?
Não iriam se perder mesmo? Alguns rezam pelo credo de Maquiavel,
aquele mesmo que dizia que os fins justificam os meios, ainda que tais
fins não sejam, no final, nada nobres e simplesmente a mais pura
ganância, a vontade de enriquecimento rápido, sem se preocupar com o
sofrimento dos demais seres humanos.
Ora, será que consideravam pacientes do Sistema Único de Saúde
menos humanos que os outros? Ainda a se pensar se as altas verbas (mais
de 400 milhões de reais por ano, segundo a CPI), não seriam mais bem
empregadas fazendo-se a prevenção de doenças crônicas como a hipertensão
e o diabetes que podem levar caso não tratadas, a problemas de
insuficiência renal crônica. A forma como os prontuários médicos eram
desorganizados indicam, isso sim, que agiam de forma premeditada, para
futuramente prejudicar qualquer tentativa de investigação. Não foram
apenas delegados de polícia e promotores de justiça que chegaram a tais
conclusões, mas os próprios médicos auditores que ficaram horrorizados
com a “fábrica de horrores” que era o Hospital da Irmandade.
A forma como, ao que parece, falsificaram os prontuários,
inseriram documentos, é mais que um libelo de culpa, muitos fatos ainda
pendentes de julgamento. O grupo agiria nos moldes das organizações
mafiosas do tipo siciliano. E também infundem medo, causam terror, podem
matar pessoas. Em seus quadros secundários haveria pessoas com tal
capacidade e nos quadros superiores outras com poder político e
econômico”.
Pacientes pobres e desinformados que davam entrada no hospital eram
deixados à míngua de acordo com as investigações até serem transformados
em doadores cadáveres. O mesmo juiz Acrescenta que “Neste momento
já é possível dizer, com base em tudo já visto, dos documentos
citados”, que a desorganização da Santa Casa de Poços de Caldas “era
patente; que a Santa Casa (de Poços de Caldas), por seus dirigentes
formais ou ocultos, necessitava das verbas oriundas dos transplantes; os
médicos dispensavam tratamento inadequado aos seus pacientes (incluindo
José Domingos de Carvalho, vítima nesses autos); ficou comprovada a
participação de médico que cuida do paciente e diagnostica sua morte
encefálica, na equipe de transplantes; o flagrante desrespeito ao
sistema de lista única de receptores; da ilegalidade do organismo MG Sul
Transplantes e da prática do comércio de órgãos humanos (comprovada
também pela CPI, em mais de um caso, como o depoimento prestado por
Sebastião Raimundo Coutinho, marido de uma receptora de rim, transcrito
pelo MP à f. 1432 e o caso Pavesi ali relatado, cujas córneas da vítima
Paulo Veronesi custaram R$ 500 e R 600 aos receptores), bem como
estabelecidas as condutas de cada réu, conforme fundamentou o Órgão
Acusador em sua derradeira manifestação às fls. 1408/1439”.
Depoimento de Mosconi
No exercício do amplo direito de defesa e estabelecimento do
contraditório que validam o transitado em julgado inúmeros depoimentos
foram tomados registrando-se diversas incoerências. Merece destaque o
depoimento do deputado estadual Carlos Mosconi, do PSDB de Minas Gerais.
“O médico e deputado Carlos Mosconi foi ouvido em juízo às
fls.1259/1262 e confirmou seu empenho pela atividade de transplante, que
segundo ele, seguia padrão “técnico e ético”, o que não se confirmou na
prática. Disse conhecer Ianhez desde os anos setenta, além do irmão
deste, Luiz Estevão Ianhez. Negou que existisse uma central de captação
de órgãos no consultório de Ianhez, e que a captação seria de
responsabilidade de centro cirúrgico (que por acaso funcionava na Santa
Casa; foi desmentido ainda pela testemunha José Tasca, fls. 1245/1288).
Confirmou que a Santa Casa foi descredenciada pelo Ministério da Saúde
para realizar transplantes (e os critérios ou padrões éticos e técnicos
mencionados?). Como todos os demais médicos da Santa Casa, disse “não se
recordar” da existência de uma lista de receptores de órgãos da Santa
Casa de Poços. Disse que Ianhez está atualmente na cidade mineira de
Unaí. Confirmou que Celso Scafi trabalhava no consultório do depoente.
Confirmou ter trabalhado tanto no Hospital Pedro Sanchez quanto no da
Irmandade da Santa Casa. Disse que por causa do endividamento da Santa
Casa foi indicado presidente de seu Conselho Curador por um período.
Confirmou um convênio celebrado com a autarquia municipal DME no qual
foi equacionada uma dívida de quatorze milhões de reais da Santa Casa.
Disse que Antônio Bento Gonçalves já fez parte da Imandade. Disse que
fez os primeiros transplantes de Poços de Caldas nos anos de 1991 ou
1992. Disse já “ter ouvido falar” da entidade MG Sul Transplantes, não
sabendo se atuava em Poços ou região. Afirmou desconhecer a existência
de Cncdo estadual e regional (fato muito difícil de acreditar, para um
parlamentar especializado na área). Disse não saber se o MG-Sul” era uma
entidade irregular ou clandestina. Afirmou não saber quem doou o imóvel
para o MG-Sul funcionar (é sabido que ao aluguel era pago pela Santa
Casa, sendo que antes funcionava no interior desta, como já visto).
Declarou desconhecer a entidade denominada PRO-RIM (fato inverossímil,
dadas as atividades do médico e depoente na área, sua proximidade com
Ianhez e sua ligação com a Irmandade. Disse não saber quem conduziu
Sérgio Lopes para trabalhar na Irmandade. Tomou conhecimento da CPI do
Tráfico de órgãos da Câmara dos Deputados. Disse que a situação da
vítima nos presentes autos era “grave”. Não soube dizer se Gérsio e
Alexandre tinham autorização para fazer captação e transplante de
córneas”.
Culpa do governo de Minas Gerais
O mesmo juiz em sua sentença deixa claro o acobertamento da Fhemig. “A
questão ficou bem esclarecida no relatório do Delegado Federal à f. 716
citada pelo MP à f. 1428. A “lista única” da Santa Casa já foi
demonstrada pelos documentos e provas dos autos no item primeiro desta
sentença (pressupostos fáticos/históricos). As contradições e tentativas
de esclarecimentos (infrutíferos) por parte da Coordenação Estadual
(não se pode esquecer que o MG Transplantes, estadual, é subordinado a
Fhemig, órgão já presidido por Mosconi, bastando a remessa para leitura
dos ofícios constantes às fls. 353/406, 585/586 e 601, todos do ano de
2005. Tais contradições foram apontadas pelo Órgão Acusador às fls.
1427/1428, cotejadas ainda com a prova testemunhal produzida em juízo.
Portanto, não é de se estranhar o conteúdo do ofício às fls.
803/805, datado já do ano de 2009, mencionado pela douta Defesa às fls.
1507/1508, contendo diversas inverdades, posto que colidem com a farta
suma probatória constante destes autos de processo. A simples realização
do exame de histocompatibilidade no suspeito laboratório denominado
Laborpoços (de propriedade de político cassado por improbidade
administrativa), que funcionava dentro da Santa Casa, não legitimiza a
Lista da Santa Casa, que sequer é mencionada no ofício citado, da mesma
forma que o ilegal MG-Sul Transplantes (o ofício cita a Cncdo regional
sul transplante de Pouso Alegre; é de se notar que os nomes das centrais
são parecidos para esconder as fraudes). Os nomes de pessoas constantes
da cópia de produção unilateral à f. 382 do vol. 2 (produzida pelo
Lanborpoços) não se encontram em nenhuma lista estadual ou nacional,
sendo mais crível que fosse da Lista da Santa Casa , fartamente
comprovada nos autos.
Assim, nada reflete que o resultado dos exames fosse “negativo”,
pois não seria de se esperar que recebessem transplantes receptores da
Lista da Santa Casa “positivos”. As referências feitas pela douta
Defesa ao livro de ocorrências do MG Transplantes em Belo Horizonte
também pouco esclarecem (apenas que o réu João Alberto era o coordenador
da captação dos órgãos e que Celso Scafi estava no plantão do CTI pois
não se referem à lista única, senão àquela clandestina, como bem
asseverou o RMP à f. 1426, 3º parágrafo. Quanto as córneas não há
referência a lista alguma”.
Medidas cautelares
Por conta da medida cautelar determinada pelo juiz da Primeira Vara
Criminal de Poços de Caldas todos os réus estão proibidos de se
ausentarem do País e devem apresentar os seus passaportes. Tanto João
Alberto quanto Alexandre Zincone já estiverqam na África do Sul, nação
com diversos casos e conhecido no submundo do Tráfico de Órgãos, muitos
relatados na CPI do Tráfico de Órgãos, além de terem estado na Namíbia,
país que tem divisas com Angola, ambos recentemente envolvidos em
guerras civis no continente africano. O meritíssimo recomenda à Polícia
Federal e à Polinter que investiguem tais procedimentos dos réus citados
ao viajar a tais países com notórias denúncias de tráfico de órgãos.
Outra recomendação é a de que todos os acusados fiquem a partir deste
momento proibidos de atender em qualquer lugar e ambiente pacientes dos
Sistema Único de Saúde – SUS. E pediu o descredenciamento imediato dos
nome deles junto ao Ministério da Saúde, porém sem impedimento de suas
atuações em consultórios particulares até que ocorra o transitado em
julgado. Cópias da sentença serão enviadas igualmente ao Conselho
Nacional de Medicina – CNM - e ao Conselho Regional de Medina – CRM –
para possibilitar a instauração de sanções disciplinares.
Dosimetria das penas em regime fechado
O julgador considerou elevados os graus de culpabilidade dos rés.
Alexandre Crispino Zincone com juízo negativo mais gravoso teve fixada a
pena base em 11 anos e 6 meses em regime fechado e 500 dias de multa.
Quanto a João Alberto Goes Brandão a pena é de 8 anos e 365 dias multa,
igualmente em regime fechado. Em relação a Celso Roberto Frasson Scafi a
penalidade abrange igualmente 8 anos em regime fechado e multa de 150
dias. Cláudio Rogério Carneiro Fernandes também foi condenado a 8 anos
em regime fechado e multa elevada.
O julgador deixou de “aplicar qualquer substituição de pena, dada
a gravidade dos crimes, por suas circunstâncias, suas conseqüências,
pelas penas e por ser tal medida não recomendável para a repressão e
prevenção dos delitos, condenando os réus ao pagamento das custas
processuais, em partes iguais”.
E permite que os mesmos réus permaneçam soltos, inclusive durante a tramitação de eventuais recursos, “a
menos que se alterem quaisquer das condições atualmente existentes e
que se mostre necessária a substituição de quaisquer das medidas
cautelares aplicadas ou que recomendem a decretação de suas prisões
preventivas, de ofício ou a requerimento do MP, o que será analisado
caso a caso”.
Quando “transitada em julgado a presente decisão ou v. acórdão da
Superior Instância, determino, ainda: procedam-se as anotações e
comunicações apropriadas; proceda-se o lançamento dos nomes dos réus no
rol do culpados;comunique-se o Instituto de Identificação do Estado;
comunique-se o TRE. Expeçam-se os mandados de prisão. Expeça-se guia de
execução. Publique-se. Registre-se. Intime-se”.
Novojornal tentou ouvir explicações do deputado estadual Carlos Mosconi e não obteve resposta.
Documentos que fundamentaram a matéria: