sábado, 31 de agosto de 2013

Raul Pont: “Estou saindo do parlamento, não da política. Sistema eleitoral está podre”

Raul Pont anunciou que não pretende concorrer nas eleições de 2014 (Charge: Maringoni)
Raul Pont anunciou que não pretende concorrer nas eleições de 2014 (Charge: Maringoni)
O deputado estadual Raul Pont (PT) anunciou, em entrevista publicada segunda-feira (26) no Jornal do Comércio, que não pretende concorrer nas eleições do ano que vem. A decisão de Pont, atual presidente do PT do Rio Grande do Sul, não significa um abandono da política. Pelo contrário, é um gesto carregado de significados, entre eles a inconformidade com a crescente influência do poder econômico na vida política brasileira, inclusive dentro do partido que ajudou a fundar e a construir. Em uma conversa, na tarde desta quarta-feira, em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Raul Pont explicou ao Sul21 os seus motivos:
“É uma decisão pessoal que, evidentemente, pode estar subordinada a um debate político no partido ou na minha corrente (a Democracia Socialista). Mas a minha disposição pessoal é de não concorrer. Não há uma única razão. A primeira delas tem a ver com o sistema eleitoral que nós temos. Não estou descobrindo agora que esse sistema não é bom ou que o acho antidemocrático. Eu luto e brigo contra isso há décadas. Quando fui eleito para a Câmara Federal a primeira coisa que fiz foi tentar levar adiante uma emenda constitucional que buscava estabelecer um mínimo de identidade na representação proporcional dos estados. Não consegui apoio nem nas bancadas dos partidos de centro e de direita de São Paulo, o maior prejudicado nesse modelo. Ninguém quis discutir a proposta e o projeto acabou arquivado”.
Esse era apenas um aspecto de um sistema eleitoral que passou a ser cada vez mais questionado, chegando ao ponto hoje, como se viu nas manifestações de junho, de sofrer um grave processo de deslegitimação junto à população. E isso que, naquela época, observa Raul Pont, o poder econômico não havia penetrado tanto a esfera política como hoje. Aqui, ele aponta uma razão que expressa um grande descontentamento com o estado de coisas dentro do PT:
“Naquele momento, as nossas campanhas no PT ainda não estavam dominadas por essa lógica dos demais partidos e as nossas candidaturas ainda eram muito coletivas. De lá para cá, e principalmente a partir das eleições de 1998 e 2002, com a eleição de Lula quando batemos no teto da nossa representação parlamentar, nós só patinamos. Mesmo com o partido elegendo mais deputados estaduais, e construindo mais diretórios estaduais, municipais e militantes, e ganhando a presidência, a nossa bancada federal parou de crescer. E hoje está diminuindo, ainda que tenhamos eleito o presidente da República três vezes seguida. Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara Federal mostra que, na eleição de 2010, 370 deputados foram eleitos combinando a condição de candidaturas mais caras (entre as 513 candidaturas mais caras do país)”.
O mais grave desse cenário, diz Pont, é que ele tende a continuar e a se aprofundar, inclusive dentro do PT. O valor das contribuições empresariais para as campanhas, exemplifica, dobra ou mais que dobra a cada eleição, chegando a quase 5 bilhões de reais na última campanha. E ele faz uma ressalva: “Isso do que foi declarado. Houve muita triangulação dentro dos partidos e o que corre sem declaração é incalculável”. Assim, trabalhando só com os dados do Tribunal Superior Eleitoral, temos, na última eleição, quase 5 de bilhões de reais doados por pessoas jurídicas para candidatos. “E são doações para candidatos, não para os partidos. Os candidatos são escolhidos a dedo por essas empresas, em todos os partidos, inclusive o nosso. O número de empresas dispostas a financiar candidaturas dentro do PT cresce de maneira assustadora”.
Essa é uma das razões que levou Pont a decidir não concorrer em 2014. “É um protesto mínimo e uma espécie de denúncia de que esse sistema está podre e dominado pelo poder econômico, e o será cada vez mais”. Mas esse não é o único motivo. Ele explica:
“Para mim, a militância parlamentar é uma militância como qualquer outra. Não faço carreira disso. A maior parte da minha vida política ocorreu fora do parlamento. Comecei a militar 50 anos atrás e não tinha a mínima ideia ou pretensão de ter algum cargo. Militava no movimento estudantil, no Sindicato dos Bancários. Em 1964, eu era bancário e comecei a estudar História na UFRGS. A minha militância começou efetivamente na resistência ao golpe militar em março de 64. De lá para cá eu não parei e na maior parte da minha militância não precisei de mandato, atuando até em condições muito mais adversas que a atual. Então, para mim o parlamento não é o único espaço de atuação. Há o partido, sindicatos, entidades sociais, o trabalho que posso fazer como professor universitário na área de ciência política. Posso contribuir também com a formação política dentro do partido”.
E uma terceira razão tem um caráter mais pessoal:
“Tenho 50 anos de militância. Vou completar 70 anos de idade no ano que vem. É claro que isso cansa e a minha vitalidade não é a mesma dos meus tempos de estudante e de jogador de basquete. Acho que o partido precisa se renovar e abrir espaço para novos quadros. Votei a favor do limite de mandatos no último Congresso do PT (que aprovou um limite de três mandatos). Acho que é um bom exemplo sinalizar para a juventude, para outros companheiros e companheiras que estão com mais vitalidade, mais pique, e que respondem também a uma nova conjuntura. Depois de 30, 40 anos, a vida de um partido político, principalmente num caso como o do PT que teve um crescimento muito rápido, tende a uma certa burocratização, à consolidação de funções e cargos de direção e representação parlamentar, que vai acomodando as pessoas. Temos que ter regras e práticas como o limite de mandatos ou a quota de 50% de gênero nas direções partidárias (também adotada pelo PT no seu último Congresso) para evitar que isso ocorra”.
Ao explicar suas razões, Raul Pont deixa claro que sua decisão de não concorrer em 2014 não significa uma aposentadoria política. Pelo contrário, ele aponta com determinação suas novas trincheiras de luta:
“Eu só não vou mais lutar aqui dentro, vou lutar lá fora, Vou continuar escrevendo sobre isso, denunciando essas práticas, ajudando a organizar as pessoas em favor de outro modelo de política. Acho uma tarefa importante que pretendo continuar cumprindo por toda a vida. Não estou saindo da política, estou saindo do parlamento, de uma representação parlamentar”.
Para não deixar dúvidas sobre isso ele critica duramente a aprovação da PEC do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a pagar todas as emendas individuais dos parlamentares ao orçamento da União, até o valor de R$ 10 milhões por deputado e senador:
“Há algumas coincidências que são impressionantes. O mesmo Congresso que não consegue votar o fim da guerra fiscal, um mínimo de reforma tributária para o país, a reforma política e eleitoral, um imposto sobre as grandes fortunas, coisas que todos dizem serem justas e necessárias, no meio dessa crise toda, 376 deputados, com toda a facilidade e rapidez, aprovam uma proposta de clientelismo impositivo. As emendas parlamentares, por si só, já são uma excrescência da política, um clientelismo escancarado, a antessala da corrupção. Todo mundo que já passou por uma prefeitura sabe disso. De certa forma, é a legalização da corrupção e do clientelismo. Com exceção do PT que, para meu desgosto e contrariedade, liberou o voto, todos os demais partidos, inclusive os ditos esquerdistas do PSOL, votaram favoravelmente. Esses partidos orientaram o voto ‘sim’ nos dois turnos. Como o PT não fechou questão, ao menos os deputados que integram a Mensagem ao Partido e alguns outros votaram contra (40 deputados do PT votaram a favor).
Neste ponto, Raul critica a postura da atual direção do PT:

“Eu sou parte da direção, mas sou minoria dentro do Diretório desde a fundação do partido. Como é que essa direção coordenada pelo Rui Falcão, que é o presidente do partido, sequer estabelece uma orientação para a bancada. Pode até perder. Mas se você não orienta, não diz que determinada política está errada, fica difícil. Ninguém defende que essa PEC é uma política correta e republicana. Se todos os partidos orientam o voto ‘sim’ e o nosso libera o voto, nem o nosso partido se distingue. Como é que você quer que o eleitor, olhando para isso, vá confiar nos partidos políticos. Nós estamos afundando um processo de representação democrática duramente alcançado, que não é nenhum paraíso, mas que é superior às ditaduras e a muitas democracias já completamente dominadas pelo poder econômico como é o caso dos Estados Unidos. Essa lógica é mortal para o sistema democrático e só favorece o autoritarismo e saídas fascistas”.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Luna Rossa. Uma música para se entender com o coração

Teste produtos eróticos e ganhe dinheiro

Sexônico convida leitores a testar e resenhar produtos eróticos próprios; autor de texto publicado recebe R$ 50

Divulgação
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Mariana Blac testa produtos e publica críticas no site Sexônico.
Trabalhar com prazer, literalmente. Essa é uma das propostas do Sexônico, buscador online de produtos eróticos. Nele, Mariana Blac publica críticas dos produtos que testa e dá dicas sobre a melhor forma de usá-los.
Quem se identifica com o trabalho de Mariana pode integrar a equipe de testadores do site e também ser remunerado por isso. Basta escolher um produto, testá-lo em todas as suas possibilidades e enviar uma crítica para a blogueira. Os textos são analisados e, os melhores, publicados no site – seus autores recebem R$50,00 por resenha.
Um aviso importante está destacado na página de cadastro da resenha: “O Sexônico não envia o produto. Para participar, você deve avaliar um produto de seu uso pessoal.”

Médica trabalha 128h/semanais e ainda é demitida. Mais uma injustiça!


Redes sociais desmontam denúncia da Folha sobre o Mais Médicos. Jornal estampou que a médica Junice estaria sendo demitida para dar lugar a “um cubano” mas não mencionou que ela acumula três empregos que totalizam 128 horas semanais de serviço
A análise dos jornais diários é sempre uma caixinha de surpresas quando se tem tanta informação rolando nas redes sociais. A Folha de hoje estampa denúncia de que os prefeitos de 11 cidades demitirão médicos locais para que cheguem os profissionais do Programa Mais Médicos. A denúncia é grave.
Uma leitura apurada da matéria leva por entendimentos diversos. Título de capa aponta para a certeza de que haverá demissões “de médicos locais para receber os de Dilma”, o subtítulo coloca que 11 cidades “decidem trocar profissionais para ficar com os do programa Mais Médicos, pagos pela União”. Pois bem. A denúncia chama a atenção. O texto da chamada afirma que prefeituras do Norte e Nordeste começaram a trocar médicos contratados pelo Mais Médicos. Ponto. E que prefeitos e secretários de saúde “dizem que a mudança é vantajosa”, pois os profissionais são custeados pelo governo federal enquanto os médicos locais são pagos pelas prefeituras, com salários que chegam a R$ 35 mil. Outro atrativo é a certeza de que o novo profissional irá trabalhar por três anos, pelo menos.
A personagem que dá corpo à denúncia, a médica Junice Moreira, diz que foi comunicada da demissão, afirmando que “disseram que eu tinha que dar lugar a um cubano”. O prefeito em questão, da cidade de Sapeaçu (BA), Jonival Lucas (PTB), afirmou que ela está saindo por não cumprir a carga horária e não por conta da adesão ao programa.
Na reportagem que abre o caderno Cotidiano, a Folha afirma que identificou 11 cidades de quatro estados diferentes que pretendem fazer demissões para receber os profissionais do Mais Médicos. Prefeitos reclamam da alta rotatividade e de altos salários que precisam pagar para conseguir segurar profissionais. Além disso, aponta para a falta de infraestrutura como um fator que desanima os médicos locais. O impacto dos salários em pequenas prefeituras fica evidenciado na matéria.
Na segunda página do mesmo caderno, vem a reportagem-denúncia de que a médica Junice estaria sendo demitida para dar lugar a “um cubano”. Essa é a manchete da página, e o subtítulo reafirma o título. Começa com a triste notícia de que hoje, em Murici, povoado de Sapeaçu, será o último dia de trabalho da médica mineira, e sua demissão teria sido anunciada pela Coofsaúde, cooperativa que faz o pagamento dos médicos que ali trabalham por meio de contrato com a prefeitura. A cooperativa confirmou a saída da médica e que, em seu lugar, entrará um médico do programa. A brasileira se disse surpreendida pela notícia “pois não tinha feito nada errado”. E vai discorrendo sobre o caso, dizendo que é “adorada” pela população local.
Ouvido, o prefeito afirmou que a demissão não tem nada a ver com o programa, que já estavam procurando outro profissional para colocar no lugar da doutora Junice e o problema alegado para que a troca ocorresse era de que ela não estaria cumprindo a carga horário estabelecida, sendo que o substituto será um profissional brasileiro que já atuou naquela região. E sim, ele afirma que o programa traz benefícios aos municípios, pois desonera a folha de pagamento.
Em texto com uma coluna, a Folha fala dos outros municípios que irão trocar médicos locais por estrangeiros. Fala de Barbalha, no Ceará, que substituirá dois contratados por outros do Mais Médicos. De Camaragibe (CE), a informação de que o município tem direito a quatro médicos pelo programa, então demitirá dois para receber outros profissionais, e os dois restantes deixarão de receber pelo município para receber pelo governo federal. Não deixa claro se esses médicos locais, que receberão pelo governo, terão salário rebaixado. Isso é uma imposição? O jornal não explica esse ponto, e fica uma denúncia comprometida, já que o Programa Mais Médicos tem profissionais inscritos, por interesse próprio, e somente os que passaram pelo crivo da inscrição poderão ser indicados aos municípios. Assim fica a pergunta: como os médicos receberão do governo ,sem participação no programa via inscrição e escolha de município?
E mais, neste pequeno texto, outra informação importante: a de que, além da economia, aponta-se a obrigação de cumprir horários como outro benefício, já que os médicos serão acompanhados pelo governo federal.
E o outro lado, com Padilha afirmando que os quadros das prefeituras são monitorados para evitar que esse tipo de problema, apontado na matéria, ocorra. “Esse programa é Mais Médicos, não troca de médicos”, afirmou o ministro em audiência no dia 14, na Câmara.
Um infográfico, em todo o centro da página, cujo título é “Substituição de Mão de Obra”, coloca os 11 municípios no mapa. Mas também traz outras informações: nos quatro estados o número total de médicos, o número de médicos por mil habitantes e os médicos previstos na primeira etapa do programa. E mais: traz uma relação médico/mil habitantes em outros países, o que acaba por endossar a necessidade do programa para essas regiões.

E as redes sociais com isso?

Nem bem a Folha trazia sua manchete com a denúncia, começou a circular no Facebook a denúncia de que a denúncia do jornal seria vazia. Segundo Vania Grossi, usuária da rede social, a Dra Junice teria três empregos, o que daria uma jornada semanal de 128 horas. A usuária afirma, também, que esse tipo de problema, de médico burlar o atendimento com vários empregos concomitantes, está acontecendo em sua cidade, e que eles estão sendo acionados para devolver o dinheiro recebido ao município.
As redes sociais dirão se a Folha tem ou não razão. Basta dar um tempinho para que as denúncias sobre essa denúncia sejam confirmadas ou refutadas. Em tempos de facilidade de informação, a Folha deveria ter se escudado com o contracheque da denunciante, para não dar espaço ao clamor das redes sociais.
Acompanhemos, pois!
Veja a denúncia da usuária do Facebook abaixo.
denúncia médicos folha
(Imagem – CNESNet – Ministério da Saúde)
denúncia médicos folha
(Imagem – CNESNet – Ministério da Saúde. Com imagem de arquivo pessoal da Dra. Junice – Reprodução/Facebook)
Lourdes Nassif, Jornal CGN

Demos um passo contra a tortura nos presídios, diz ministra

Ministra Maria do Rosário Com a nova lei, diretores de instituições fechadas serão obrigados a abrir as portas para investigações de abusos, diz Maria do Rosário
por Paloma Rodrigues publicado 30/08/2013 08:49
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, acredita no potencial da perícia técnica

Acúmulo de lixo, rede de esgoto precária, fiações elétricas inadequadas, suspensão de refeições, intimidação por arma de fogo, superlotação. O primeiro relatório anual do Comitê de Combate à Tortura no Rio de Janeiro, feito em 2012 , é apenas uma amostra da situação de 50 presídios do estado. Em um país onde mais de meio milhão de pessoas estão encarceradas - 40% delas ainda à espera de julgamento – a dimensão exata da prática de tortura, seja ela física, coercitiva ou verbal, é ainda uma incógnita aos grupos de direitos humanos. Uma das razões é o fato de que, em boa parte dos estados, os presídios são lugares inacessíveis à atuação das entidades de direitos humanos, apesar das séries de denúncias de violações contra o Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) em razão da situação precária do sistema prisional.
“Ao longo dos últimos 20 anos nós ultrapassamos todos os limites em termos de encarceramento no Brasil", diz a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, em entrevista a CartaCapital.
A ministra está prestes a assumir a presidência do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão criado a partir de uma lei sancionada em agosto que prevê a fiscalização permanente dos presídios no País. O comitê será composto por 23 integrantes, escolhidos pela presidenta Dilma Rousseff entre representantes do Executivo e da sociedade civil.
O grupo orientará o trabalho de 11 peritos que, a partir de agora, terão livre acesso, sem necessidade de aviso prévio, a centros de detenção, estabelecimentos penais, hospitais psiquiátricos, instituições de longa permanência para idosos, instituições socioeducativas para adolescentes e centros militares de detenção disciplinar. A instalação do sistema faz parte de um compromisso assumido em 2006 pelo País com a ONU.
Rosário aposta que, com as visitas dos peritos, os casos de tortura, que hoje só ganham visibilidade tempos depois de denunciados, seriam coibidos. Ela cita o caso recente de agressão praticada contra internos da Fundação Casa, em São Paulo, que só foi apurada após reportagem do Fantástico.
"Muitas pessoas fazem denúncias, mas elas não sabem como coletar uma prova. Os técnicos peritos fazem todo o procedimento para que as provas tenham um valor jurídico", afirma.
O desafio, a longo prazo, é mensurar os casos de tortura e obter punição “exemplar” aos agentes públicos. O sistema, afirma a ministra, permitirá a constituição de uma base de dados com informações detalhadas a respeito dessas instituições hoje fechadas.
Apesar de ser considerado um avanço, o projeto é visto com ressalvas por grupos de direitos humanos ouvidos pela reportagem. Segundo Carlos Gilberto Pereira, conselheiro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, a nova lei será inócua enquanto não houver pressão da opinião pública para obrigar as instituições a abrirem as portas para a fiscalização. “Primeiro, é preciso tirar a tortura da clandestinidade”, diz Pereira. Segundo ele, a sociedade brasileira ainda não assumiu que a tortura existe e é prática institucionalizada em algumas instâncias. "A Justiça faz relatórios, a Anistia sempre faz relatórios. Só fazer relatório é constatar o óbvio."
O estudante de Direito Felipe Napolitano Marotta e membro do Portal do Cárcere Cidadão, faz campanha pelo cárcere humanizado, pede atenção sobre o trabalho dos comitês estaduais, que, segundo a lei, devem atuar em parceria com a secretaria. “Os diretores de presídio tem relação com o poder estadual. Então, se o conselho também tiver a mesma relação ao mesmo poder, talvez se crie um contexto onde é mais difícil impedir a atuação dos peritos”. Ele critica também o número de peritos que serão responsáveis pelos trabalhos. “O número de peritos que temos atualmente é muito reduzido. É um entrave. Primeiro, pelo número de presos. Nomear 11 pessoas é muito pouco.”
A regra de atuação dos órgãos estaduais será definida em um decreto que será exposto à presidenta Dilma Rousseff até o final deste ano. Os comitês devem começar a atuar em seguida. Segundo Maria do Rosário, o objetivo é que, a longo prazo, o país consiga mudar a mentalidade de que a segregação, a partir do cárcere, é o único caminho para a responsabilização do crime. "O Sistema Nacional de Combate à Tortura é um passo nessa direção”, finaliza.

Chacina de Vigário Geral: vinte anos de impunidade

Em 29 de agosto de 2013 completam-se 20 anos do assassinato de 21 pessoas por um grupo de extermínio na favela de Vigário Geral, Rio de Janeiro. Policiais militares foram acusados de ter executado os crimes. Dentre as vítimas estavam oito membros de uma mesma família, assassinados dentro de casa.
A chacina de Vigário Geral ocorreu cerca de um mês após a da Candelária, na qual foram mortos oito jovens. Ambas, assim como Acari (1990 – 11 desaparecidos), Baixada Fluminense (2005 – 29 mortos) e tantas outras, revelam um histórico de violência letal da polícia no Estado do Rio de Janeiro. Em todos os casos, policiais militares foram acusados de ter participado, inclusive por meio de grupos de extermínio. As vítimas foram jovens, moradores/as de comunidades marginalizadas e, em grande maioria, negros/as.
A impunidade e a falta de reparação – incluindo o direito de saber a verdade sobre as circunstâncias das execuções extrajudiciais - aos familiares das vítimas é uma constante. Cinquenta e dois policiais militares foram acusados de envolvimento na chacina de Vigário Geral. Sete foram condenados. Quatro dos absolvidos são réus no assassinato de Ediméia da Silva Euzébio, uma das mães de Acari, morta em 1993, cujo processo continua em andamento. Há razões para acreditar que os policiais militares envolvidos nas chacinas de Vigário Geral e Acari estejam vinculados a um grupo de extermínio chamado “Cavalos Corredores”.
Ao longo desses anos, a Anistia Internacional tem acompanhado o caso de Vigário Geral e denuncia que nem todos os envolvidos nas execuções extrajudiciais foram responsabilizados. Cinco acusados morreram antes do julgamento e dois permanecem foragidos. A impunidade persiste devido, especialmente, à morosidade e deficiência do sistema de justiça criminal, as ameaças sofridas pelas testemunhas e a ausência de um mecanismo externo de controle da atividade policial.
Além da lentidão em julgar os crimes, o poder judiciário negou provimento para ações civis de indenização promovidas por algumas famílias. Depois de 20 anos, o sentimento de injustiça e impunidade permanece entre os familiares, sendo que a viúva de uma das vítimas faleceu nesse período. 
A Anistia Internacional insta o Estado brasileiro a acabar com a impunidade conduzindo investigações imediatas, completas, independentes e imparciais sobre todos os casos de violações de direitos humanos nos quais policiais e forças de segurança estejam envolvidos. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

“Mais Médicos”: uma vereda para os nossos grandes sertões

“Mais Médicos”: uma vereda para os nossos grandes sertões
Reinaldo Guimarães*
O programa “Mais Médicos” está focado na necessidade de colocar médicos onde não há médicos e onde médicos não querem ir. O “Mais Médicos” não está interessado em atender as expectativas da corporação e, principalmente, de seus representantes sindicais.

O “Mais Médicos” não está fazendo competição com o mercado de trabalho dos médicos brasileiros. Antes de importar médicos, houve uma chamada para médicos brasileiros que, lamentavelmente, não prosperou. Em parte, devido a uma feroz campanha contra o programa liderada pelos líderes corporativos sindicais e de vários Conselhos Regionais de Medicina. 

Após a frustração da chamada de médicos brasileiros, o programa abriu uma chamada internacional que, apesar de ter atraído médicos de vários países, não logrou ainda atingir as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Foi então que, com a interveniência da Organização Panamericana da Saúde, foi assinado o convênio com Cuba. 

Se a campanha contra o programa já era feroz, a partir daí os sindicalistas médicos entraram numa escalada de insanidades que atingiu o seu ápice com as declarações do presidente do CRM de Minas Gerais. Disse ele que, caso tenha notícia de algum médico em exercício com diploma obtido no exterior e sem revalidação, acionará o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal para impedi-lo. Fora de si (imagino eu), disse que orientará os médicos mineiros a não cooperarem com os “sem Revalida” cubanos, caso haja algum pedido de ajuda técnica por parte desses. No meu ponto de vista, caso essa afirmativa de seu presidente seja confirmada, o CRM de Minas está sob suspeição para julgar quaisquer transgressões éticas vindouras, posto que o seu presidente está a instruir os médicos mineiros a discriminar colegas, infringindo o Código de Ética Médica. Este,em seu capítulo I (princípios fundamentais), reza que “A Medicina  é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza” (grifo meu).

Os representantes corporativos esbravejam: sem o Revalida, não dá! Digo eu: se a banca examinadora não quiser, o Dr. Pitanguyou ou Dr. Jatene não serão aprovados num exame para revalidação de diploma. Não é a toa que apenas 10% dos que tentaram revalidar seus diplomas obtidos no exterior, desde a instituição do teste, conseguiram a revalidação. Com o estado de espírito que a maioria dos meus colegas têm apresentado com relação ao “Mais Médicos”, seria uma carnificina.

No dia 23 de agosto, um artigo na Folha de São Paulo dizia que médicos são produzidos em série em Cuba, para exportação. O tom era discretamente derrisório. É verdade, médicos são produzidos em série e esta é,há décadas, a principal ferramenta para a projeção internacional de Cuba. Qual o problema? Há quem exporte soldados e armas e guerras, há quem exporte cocaína e por aí vai. Cuba exporta médicos. Nesse caso, trata-se do que, em diplomacia, se chama soft power. Tão legítimo quanto, por exemplo, a exportação de programas de ajuda realizada há décadas pela agência estatal de cooperação norte-americana USAID. 

Cuba produz médicos “em série”, também porque, graças ao bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos e, mais tarde, com o colapso soviéticonecessita, para subsistir, de divisas. O exercício do soft power médico contribui também para que entrem divisas em Cuba. Pessoalmente, não me sinto confortável em apoiar que a remuneração de um profissional seja, em parte, apropriada pelo Estado. Mas o meu desconforto diminui quando me dou conta de quase 40% dos meus rendimentos são religiosamente apropriados pelo Estado brasileiro na forma de impostos variados. Parte desses, na fonte, como é o caso dos médicos cubanos que um colunista hidrófobo da revista Veja denominou de “escravos do Partido Comunista cubano”. 

Outro comentário lido sobre os médicos cubanos, “produzidos em série”, é que eles não prestam. Sua formação é precária e eivada de ideologia. Não é o que a opinião internacional informada sustenta ; ; (tomei como tal, o American Journal of Public Health, o Lancet e uma carta publicada em Science).A conclusão do artigo de Cooper et. al. sobre a prevenção e controle das doenças cardiovasculares em Cuba vale a pena ser transcrita: “Where as the social and political structure of societies can under go rapid and dramatic change, such cultural norms as food, music, and religion are sometimes more resilient. The goal of socialist revolutions in poor undeveloped countries has been first and foremost to catch up with the industrial economies of the world. In public health, this has meant almost exclusively the elimination of infectious diseases and the assurance of low death rates in childhood. Cuba stands as the prime example of the unequaled success of the socialist project in achieving that goal. Within that tradition, however, the need to aggressively intervene against engrained cultural patterns, particularly those related to consumption, was something of a foreign idea. A fundamental rethinking of this strategy will be required to take full advantage of the new knowledge in prevention science that could now make an important contribution to the future health of the Cuban people. The improvements in quality and duration of life in Cuba over the last 50 years have been astounding and set the standard for poor countries around the world. These achievements—for example, eliminating polio in 1962, two decades ahead of the United States—are evidence of the remarkable goals Cuba is capable of achieving. Similar leadership in CVD prevention could make enormously valuable contributions to the worldwide campaign to control what has already become the most severe epidemic ever faced by humanity. The Cuban experience thus demonstrates that control of CVD in non industrialized countries is by no means impossible, and it highlights the critical importance of population-based prevention strategies”.

Acredito que os médicos cubanos talvez não sejam peritos em “procedimentos” de última geração - nem os realmente úteis, nem os inúteis ou francamente prejudiciais. Entretanto, desconfio que a maior parte dos médicos brasileiros também não seja, embora atualmente talvez almejem sê-lo. Mas os médicos cubanos não estão entre nós como “procedimentólogos”, mas como profissionais no campo da atenção primária (promoção, prevenção e cuidados básicos de saúde). E, nesse terreno, creio que eles têm muito a nos ensinar. Aliás, de acordo com o presidente Barack Obama, têm a ensinar também aos médicos norte-americanos -“U.S. President Barack Obama hasacknowledgedthatthe United Statescouldlearn from Cuba's medical foreign aidprogram” .

A fonte de uma das maiores frustrações (e de aprendizado) dos especialistas brasileiros no terreno da educação e do trabalho em saúde foi a evidência de que reformas curriculares não mudam o mercado de trabalho e que o caminho de ajustar a formação médica às necessidades de saúde é o inverso. É a mudança do mercado que será capaz de ajustar os currículos. Se tomarmos a atual conformação do mercado médico brasileiro, com a deterioração paulatina e consentida do SUS e a expansão selvagem do sistema suplementar, concluiremos que a formação médica entre nós decididamente não vai ao encontro das necessidades de saúde, muito pelo contrário. Não foi por outra razão que os médicos brasileiros não atenderam ao chamado do “Mais Médicos”. A campanha dos líderes corporativos contra o programa, nesse sentido, interpreta corretamente os desejos da maioria dos nossos médicos, em particular os mais jovens. 

Esta é a razão da convocação dos médicos estrangeiros e, em particular, dos cubanos que, pelas razões que expressei no início desse texto, parecem estar dispostos a enfrentar os desafios médico-sanitários do Brasil profundo. Pode vir a ser um bom exemplo ao mercado.

Em 1997, uma equipe liderada por Maria Helena Machado concluiu e publicou uma pesquisa sobre os médicos brasileiros. O panorama que nela se vislumbra permanece atual, a despeito de terem se passado 16 anos. A rigor, as tintas com que Machado e sua equipe descrevem a categoria médica brasileira de então devem ser hoje bastante mais carregadas. Uma cópia do livro pode ser encontrada em http://static.scielo.org/scielobooks/bm9qp/pdf/machado-9788575412695.pdf. A leitura desse clássico me parece indispensável para compreender os dilemas dos médicos e seus representantes corporativos frente ao “Mais Médicos”.

Julie Feinsilver é uma socióloga atualmente na American University. Esteve no Brasil como consultora da presidência da Fiocruz em 1996. Nos últimos 20 anos vem estudando a diplomacia médica cubana. Em 2010, publicou um artigo na revista CubanStudies  que fornece uma visão abrangente sobre a ação de Cuba nesse terreno durante os primeiros 50 anos da revolução cubana. O centro de sua argumentação se localiza no balanço entre a solidariedade e o pragmatismo como vetores da atuação internacional de Cuba no campo da saúde. Creio ser uma leitura essencial para compreender esse tema e uma cópia de seu trabalho pode ser encontrada em: http://www.academia.edu/1139326/Fifty_Years_of_Cubas_Medical_Diplomacy_From_Idealism_to_Pragmatism .

* - Médico Sanitarista

Notas

(1) Manuel Franco, Richard Cooper, Pedro Orduñez - Making Sure Public Health Policies Work. SCIENCE, Vol 311 www.sciencemag.org.  24 February 2006, p. 1098 (letters).
(2)R. S. Cooper, P. Orduñez, M. D. I. Ferrer, J. L. B. Munoz, A., Espinosa-Brito - Cardiovascular Disease and Associated Risk Factors in Cuba: Prospects for Prevention and Control
 http://ajph.aphapublications.org/doi/abs/10.2105/AJPH.2004.051417, Am. J. Public Health 96, 94 (2006). 
(3)Wakai S. - Mobilization of Cuban doctors in developing countries. Lancet 2002: 360;92
(4)http://www.worldpoliticsreview.com/articles/12840/the-danger-of-dependence-cubas-foreign-policy-after-chavez
(5)Julie M. Feinsilver -Fifty Years of Cuba's Medical Diplomacy: From Idealism to Pragmatism. 
Cuban Studies, Volume 41, 2010, pp. 85-104

domingo, 25 de agosto de 2013

Ministério Público do Trabalho obrigou o SIMERS tratar funcionários de modo decente

Ministério Público do Trabalho obrigou o SIMERS de Paulo Argolo Mendes 

a tratar de maneira decente os seus funcionários


O clima de sucessão acirrada no Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul tem permitido se tornar público situações que eram desconhecidas da categoria e da sociedade gaúcha. Uma delas é dramática: o Sindicato foi obrigado a assinar um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho, nos autos do inqúerito civil nº 001074.2011.04.000/2, que são degradantes para profissionais como os médicos. Diz o termo de ajuste de conduta assinado pelo presidente, médico Paulo Argolo Mendes: “DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS - O signatário, a partir da data da assinatura deste, em todas as suas atividades, atuais ou futuras, assume as seguintes obrigações:
CLÁUSULA 1.ª – Não submeter, não permitir ou tolerar que seus (suas) empregados (as) sejam submetidos (as) a qualquer constrangimento moral, humilhação, ofensa ou agressividade no trato pessoal, caracterizadores de assédio moral, assegurando tratamento compatível com a dignidade da pessoa humana no ambiente de trabalho.
CLÁUSULA 2.ª – Realizar cursos/palestras de capacitação e combate à prática de assédio moral no ambiente de trabalho, em duas oportunidades distintas no período de um ano, dos quais participem todos os trabalhadores em atividade, bem como os gestores do sindicato.
2.1. Os cursos devem ser ministrados por pessoas ou entidades qualificadas para tanto e especializadas na matéria, com carga horária mínima de quatro horas;
2.2. A qualificação dos palestrantes e o conteúdo a ser abordado nos cursos, com uma descrição sumária, devem ser aprovados previamente pelo Ministério Público do Trabalho;
2.3. Os cursos devem ser realizados durante o horário de trabalho, sem qualquer desconto nos salários ou compensação de horário;
2.4. Deverá ser comprovada ao Ministério Público do Trabalho, até 15 dias após cada evento, a efetiva participação dos trabalhadores, mediante a apresentação de listas de presença, devidamente assinadas pelos trabalhadores, com indicação da respectiva função de cada um;
2.5 A primeira palestra/curso deverá ser realizada até dezembro de 2012, e a segunda até julho/2013.
CLÁUSULA 3.ª – Abster-se de determinar aos seus empregados o comparecimento em manifestações/atos/eventos, promovidos ou não pelo sindicato, salvo quando necessário ao exercício da atividade laboral.
DAS MULTAS
CLÁUSULA 4.ª – O descumprimento do disposto em cada uma das Cláusulas deste Ajuste ensejará a aplicação de multa (astreinte) no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a cada verificação de situação irregular.
CLÁUSULA 5.ª – O valor correspondente à multa eventualmente incidente será atualizado, a partir desta data, pelos mesmos critérios utilizados para correção dos créditos trabalhistas perante a Justiça do Trabalho.
CLÁUSULA 6.ª – As multas serão reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT – ou, a critério do Ministério Público do Trabalho, a outro Fundo gerido por Conselho Federal ou Estadual, em conformidade com os artigos 5o, parágrafo 6o, e 13 da Lei n.° 7.347/85 e artigos 876 e 877 da Consolidação das Leis do Trabalho, não sendo substitutiva das obrigações, que remanescem à aplicação da mesma.
CONDIÇÕES GERAIS
CLÁUSULA 7.ª – Este Termo de Compromisso consubstancia título executivo extrajudicial, na forma da legislação, valendo por tempo indeterminado e, em caso de descumprimento, será executado perante a Justiça do Trabalho, consoante artigo 5o, §6o da Lei no 7.347/85 e artigo 876 da Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo da possibilidade de cominação judicial de outras multas ou medidas coercitivas para cumprimento das obrigações fixadas".
Em dezembro ocorreu a primeira das palestras de que trata a Cláusula 2.ª do TAC. Procurando melhorar sua imagem perante os funcionários, o próprio presidente Paulo Argollo Mendes esteve presente. Com idêntico propósito, também “prestigiou” a festa anual de confraternização dos funcionários, o que fez pela primeira vez em 14 anos de sua dinastia à frente do sindicato médico. A chapa de oposição recebeu informação de que dois ex-funcionários do sindicato estão promovendo ação de assédio moral contra Paulo Argollo Mendes e o Sindicato dos Médicos.
Em: Videversus, fevereiro de 2013