sábado, 28 de maio de 2011

Veja e Época: cada vez mais parecidas no desrespeito às pessoas



Época não merece desmentido. Merece processo

Os médicos Antônio Carlos Onofre de Lira, diretor técnico, e Paulo Ayroza Galvão, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês, por solicitação da Presidenta Dilma Roussef, emitiram agora à tarde um longo e detalhado relatório sobre os atendimentos prestados a ela.
Tratam em detalhes e com absoluta transparência todo os diagnósticos e terapêuticas relativos a eles.
O assunto de interesse público – a saúde da Presidenta – foi tratado com uma transparência ímpar. Aliás, sempre foi, mesmo quando ainda candidata.
Mas não foi transparência o que fez a Época. Foi violação de documentos médicos privados - e cuja divulgação só pode ser feita por autorização do paciente, segundo resolução nº1605/2000, do Conselho Federal de Medicina.
A revista teria todo o direito de formular perguntas sobre a saúde da presidente a ele ou a seus médicos. Mas está confesso nas próprias páginas da revista que “Época teve acesso a exames, a relatos médicos e à lista de medicamentos usados pela presidente da República”. Não foi, repito, informação sobre assuntos ou políticas públicas. Nem mesmo um diagnóstico ou prognóstico que, por sério, pudesse ter interesse para a sociedade. Foram detalhes personalíssimos, que a ninguém dizem respeito.
Reporcagem
Isso é crime, previsto no Art. 154 do Código Penal. Tanto quanto é crime a violação de um extrato bancário, de qualquer pessoa. Crime para quem viola o que está sob sua guarda, seja um profissional hospitalar ou um gerente de banco, quanto para quem o divulga, sabendo que foi obtido de forma ilícita.
Não havia um crime a denunciar, um perigo a prevenir, algum direito de pessoa ou da sociedade a proteger, com a divulgação.
A intenção, prevista na lei de “produzir dano a outrem” está marcada pela fotografia “fúnebre” da capa e pela reunião maliciosa entre o uso de remédios para uma infecção – a pneumonia – com outras situações que nada têm a ver com ela – o hipotireoidismo, por exemplo – e até substâncias de uso tópico para aftas, como o bicarbonato de sódio e o Oncilon.
Isso nada tem a ver com o dever de dar informações sobre a saúde de uma pessoa pública. Tanto que elas são e foram dadas sempre, nos boletins médicos.
A motivação foi política: gerar medo, intranquilidade e dúvida sobre sua capacidade de governar. O que se praticou foi um crime – e não apenas um violação ética, o que já é grave – e crimes devem merecer responsabilização.
Mas, aqui, no país onde o inimigo político é culpado até que prove sua inocência (e olhe lá), pretender que a imprensa aja dentro da lei é “perseguição”.
PS. Senti falta da nossa blogosfera progressista para falar deste absurdo e do assanhamento tucano em demolir o governo que o povo elegeu. Será o frio que está fazendo hoje? (Em tempo, o Azenha deu divulgação a esta maracutaia farmacêutica da Época)
De:Tijolaço

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ex-agente do Dops perde ação contra jornalista

Vitória da liberdade da imprensa na ação do policial contra o jornalista


“Nem parecia um policial. Tinha a cara e o focinho de um burocrata medíocre e exótico de algum escritório infecto de contabilidade da periferia”.
Estas linhas, pinçadas num livro de 450 páginas, foram algumas das motivações que levaram o ex-agente do DOPS gaúcho João Augusto da Rosa (conhecido nos porões policiais pelo apelido de "Irno") a ingressar com uma ação por danos morais contra o jornalista Luiz Cláudio Cunha, que durante muitos anos foi chefe da sucursal da revista Veja em Porto Alegre.
Cunha é autor do livro “O Sequestro dos Uruguaios”, que reconstruiu um dos episódios tristes dos regimes militares que assolaram o continente sulamericano, na segunda metade do século passado. O seqüestro foi uma operação conjunta e clandestina de policiais brasileiros e uruguaios, perpetrada em novembro de 1978. As vítimas foram Universindo Díaz e Lílian Celiberti, militantes de uma organização de esquerda que combatia a ditadura no Uruguai e que estavam refugiados no Brasil.
O sequestro expôs as vísceras da sinistra Operação Condor à opinião pública brasileira e internacional. Fundada em 1975 no Chile de Pinochet, a Condor era uma vasta ação terrorista de Estado que atropelava fronteiras nacionais e afrontava direitos humanos, forçando o desaparecimento de quem ousasse contestar os regimes de força de muitos generais. Dissidentes políticos eram caçados por comandos clandestinos militares e policiais.
Ontem (25), a 9ª Câmara Cível do TJRS negou provimento ao recurso de apelação do policial e manteve na íntegra a sentença, proferida em 6 de julho do ano passado, pela juíza Claudia Maria Hardt, da 18ª Vara Cível de Porto Alegre. Na ação o autor alegou que, no livro, foi acusado de ter participado, em novembro de 1978, do evento conhecido como sequestro da Rua Botafogo, "reabrindo injusta revolta popular".
A editora L&PM - também ré da ação - invocou o direito de livre expressão, destacando que "a obra aborda episódio público e notório, ocorrido durante o regime militar".
O jornalista Luiz Claudio Cunha lembrou que os fatos e as fotografias presentes no livro já foram amplamente divulgados nos meios de comunicação, sem que esses tivessem sido processados. Mencionou também que na época do julgamento criminal os uruguaios sequestrados estavam presos no Uruguai, impossibilitando que fossem ouvidos.
A juíza enfatizou que "não se pode se esquecer dos abusos cometidos pelas autoridades durante o regime militar brasileiro, retratados em inúmeras compilações históricas e em relatos". Ressaltou ainda que "uma ação cível, como a presente, não pode invadir a esfera criminal julgando positiva ou negativamente quem teriam sido os participantes efetivos do episódio relatado na publicação, até porque tal pronunciamento judicial, como é sabido, já veio a ocorrer".
Na parte nuclear, a magistrada sustentou que "a absolvição criminal de João Augusto da Rosa, por insuficiência de provas, não impede o reexame da culpa e sua demonstração para fins de responsabilidade civil".
Afirma ainda o julgado que "só se mostram toleráveis as restrições à liberdade de imprensa quando comprovado o abuso de direito, o que não ocorre no presente caso".
A juíza reconhece que "o texto foi produzido a partir de relato das vítimas, de testemunhas oculares, de fotografias e de investigação, com o objetivo de desvendar os acontecimentos, e não de ofender a reputação do autor da ação".
Apesar de o livro escrito por Cunha não fazer alusão expressa ao julgamento do TJRS que absolveu o policial por falta de provas, acrescentou a juíza de primeiro grau que não encontrou dolo do repórter em atingir a imagem ou honra do policial. "Não se mostra razoável que o policial tenha se sentido ofendido de maneira especial com a obra aqui examinada, eis que o incidente abordado proporcionou grande repercussão nacional e internacional, com ampla difusão de informações em momentos múltiplos e por meio de variados veículos de informação" - refere a sentença.
A respeito da publicação de fotografias, afirmou que "as que integram o livro estão publicadas em diversas revistas, periódicos e outros veículos, caindo no que se pode denominar domínio público".
A relatora da apelação foi a desembargadora Marilene Bernardi. Ao manter a sentença, ela referiu que "não é possível limitar a criatividade e liberdade de escritores que abordam tema delicado como esse, pois se corre o risco de constranger o espírito investigativo dos repórteres e de encobrir informações necessárias para a fundamentação de nossa consciência crítica".
O voto também ressaltou "estar presente, neste caso, o interesse da sociedade e da própria história ao conhecimento, ainda que parcial, dos fatos ocorridos em recente período político, conhecido pelo lado negro da intolerância, da prepotência e da ausência de liberdade". (Proc. nº 70040534505).

A obscura ação policial no RS

Apanhados em Porto Alegre, Lílian, Universindo e as duas crianças (filhas dela) seriam entregues na fronteira aos agentes da repressão uruguaia. Um detalhe impediu que a operação fosse um êxito completo, como foram muitas outras ações da repressão.
Um telefonema anônimo para a redação da revista Veja, em Porto Alegre, numa tarde de novembro de 1978, levou Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo João Batista Scalco a um apartamento na Rua Botafogo, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, onde os dois uruguaios estavam morando.
Quando os dois jornalistas chegaram ao apartamento, Lílian e Universindo já estavam nas mãos dos agentes da repressão, que aguardavam para apanhar outro militante – Hugo Cores, o chefe do grupo, cuja visita era aguardada.
Lílian abriu a porta, mas não conseguiu falar nada. Dois homens que estavam no interior do apartamento apareceram, de armas na mão. Um colocou a pistola na cabeça de Cunha e o outro fez o mesmo com Scalco.
Os jornalistas se identificaram e depois de breve interrogatório foram liberados, com a recomendação da nada falarem, pois se tratava de uma operação para apanhar uruguaios ilegais no país.
Um detalhe foi decisivo para desvendar a história: Scalco, experiente fotógrafo de futebol, reconheceu o homem que apontara a arma para sua cabeça. Era Orandi Portassi Lucas, ex-atacante do Inter, conhecido como Didi Pedalada, que - depois de parar com o futebol - se tornara agente do Dops.
A partir desta pista, os jornalistas desvendaram a operação. O segundo homem seria identificado quase dois anos depois – era João Augusto da Rosa. A identificação de Didi Pedalada foi cabal e ele chegou a ser condenado. Mas a identificação de Irno, por meio de fotografias, foi insuficiente. Embora denunciado pelo promotor, após ter sido condenado em primeiro grau, ele foi absolvido, em recurso, por falta de provas.
As provas que poderiam ser decisivas contra João Augusto Rosa – o testemunho dos sequestrados – não puderam ser usadas. Quando ele foi absolvido, Lílian Celiberti e Universindo Dias, estavam incomunicáveis no cárcere da ditadura uruguaia.
Leia mais em: Espaço Vital

Os Direitos Humanos de Pimenta Neves

Decorridos onze anos da prática de um homicídio e cinco da condenação, Pimenta Neves foi preso. O mandato de prisão foi emitido à noite, portanto, a Polícia teria que ficar aguardando o amanhecer para prendê-lo, pois, segundo o inciso XI, do art. 5º da Constituição "XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;". Por acordo, Pimenta Neves saiu da casa ainda à noite, sem algemas, pois não resistiu à prisão, nem representava um risco iminente. Agora, Pimenta está preso.
E daí? Daí que eu nunca vi um pobre, principalmente se for negro, ficar tanto tempo esperando para ser preso. Aliás é comum que sejam presos mesmo antes de condenados. Esperar o amanhecer para levar o indivíduo preso? Nem pensar! Dispensar algemas, memso que o sujeito não resista à prisão? Bem capaz!
Pimenta Neves é um assassino frio e covarde. Teve bons advogados e pôde gozar das prerrogativas que a Constituição lhe garante. Afora o fato da demora absurda de onze anos entre o assassinato e a prisão, os demais procedimentos foram corretos. Quando a população pobre do Brasil poderá receber das autoridades o mesmo grau de respeito que teve o senhor Pimenta Neves?

A fantasia (presumida) de DSK - Contardo Calligaris


DSK terá direito à visita íntima?

"Li no "Times" de Londres desse domingo que Dominique Strauss-Kahn (DSK, na imprensa francesa), no dia de sua prisão, sentou-se numa poltrona de primeira classe do Air France 23 para Paris e fez um comentário sobre a aeromoça da cabine: "Bonita bunda". Isso, num tom suficientemente alto para que outros passageiros (e, presumivelmente, a própria aeromoça) ouvissem.
A seguir, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional e candidato socialista à Presidência da França foi retirado de seu assento e preso, acusado do estupro de uma mulher que entrara na sua suíte de hotel para fazer a limpeza.
Desde então, outras mulheres vieram a público para revelar que elas foram, no passado, vítimas de assédio sexual ou estupro por Strauss-Kahn. Todas declaram que calaram-se, convencidas de que a palavra delas pesaria menos do que a do poderoso DSK.
A quantidade e qualidade das acusações excluem a hipótese de armação da extrema direita francesa, que se beneficiaria com a saída de cena do candidato socialista.
Pois bem, DSK não foi julgado ainda. Mas apareceram numerosos comentários de leitores e colunistas da imprensa internacional, dos quais discordo -e talvez seja interessante explicar por quê.
Imaginemos que as acusações contra Dominique Strauss-Kahn se confirmem. Muitos perguntam: como é possível que um homem prestes a realizar seu sonho político não saiba se controlar e se deixe levar por compulsões "animalescas"?
Para Minette Marrin (do "Times"), "quando ele é possuído pelo espírito do "chaud lapin" (coelho excitado), DSK perde qualquer interesse pelos sentimentos de uma mulher. Ele os ignora e se impõe à mulher, agarrando-a e amassando-a como um dono (...) que não vê nada de errado na ideia de que a mulher não goste; talvez ele nem seja capaz de entender se ela gosta ou não".
Ora, o padrão presumido de DSK não é "animalesco" e é totalmente consistente com seu projeto de vida. Ou seja, o que acontece não é que Strauss-Kahn não controlaria um impulso secreto, que não teria nada a ver com sua vida pública. Ele não pula em qualquer mulher, aconteça o que acontecer. Ao contrário, aparentemente, sua fantasia dominante é a expressão coerente de uma ambição política, de domínio.
Ou você acha que é por acaso que ele teria escolhido mulheres que ele conseguiu manter no silêncio pela simples força de seu status?
A fantasia em jogo no caso (presumido) de Strauss-Kahn é mais complexa (e mais grave) do que o "simples" estupro; ela diz: "Eu te agarro, te uso, E VOCÊ NÃO VAI OUSAR NEM PIAR SOBRE ISSO".
Diferente do que diz Marrin, o Strauss-Kahn das denúncias se importa muito com o que pensam as mulheres, pois ele preza (acima de tudo, talvez) a frustração e a impotência exasperada de suas vítimas, incapazes de denunciá-lo.
Ou seja, à vista das acusações, DSK goza de uma fantasia de poder (mais do que propriamente sexual): seu prazer está em criar uma situação em que a vítima será e se sentirá derrotada, no silêncio. O caso relatado pelos passageiros da Air France é emblemático: a aeromoça não falaria, exatamente como as outras.
De repente, em Nova York, uma camareira imigrante africana teve a coragem de falar.
A ideia de que o senhor feudal teria o direito de deflorar as noivas de suas terras (dito "direito da primeira noite") é provavelmente um mito -ao menos, enquanto instituição jurídica.
Mas o tal "droit de cuissage" (direito de encoxar), embora não instituído, devia ser uma fantasia exercida sem dificuldade e sem risco: quem ousaria se queixar de ser agarrada pelo senhor das terras, e qual noivo ousaria pedir satisfação?
A família de meu pai é originária de uma cidade perto de Ivrea, no Piemonte, onde se celebra o carnaval com a Batalha das Laranjas.
É assim: uma jovem da cidade é escolhida "filha do dono do moinho" e simboliza uma mulher do povo, que cortou a cabeça de um duque que exigiu passar com ela a famosa primeira noite.
Milhares de cidadãos, vestidos a caráter, do domingo à terça de Carnaval, metralham com laranjas os guardas do duque que desfilam pela cidade de charrete. Alguns dizem que é um despropósito: são toneladas de laranjas desperdiçadas, a cada ano. Mas eu sempre achei que valia a pena".

Publicado na Folha de São Paulo e copiado, por mim, daqui.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Oposição no RS é contra reajuste do magistério

O Governo Estadual cavou até o limite para oferecer 10,91% de reajuste aos trabalhadores em educação. Decidido o aumento, a oposição retira quorum para votar o projeto de lei. Não sei onde quer chegar uma oposição desse tipo. A base da ex-governadora, além de apoiar a ação de inconstitucionalidade do piso nacional para o magistério é contra o reajuste da categoria.
Porém...., considerando que o governo tem maioria na Assembleia, cabe perguntar onde estava a base de apoio quando foi preciso?

Morre Abdias do Nascimento, guerreiro do povo negro


Foi-se o guerreiro

Faleceu nesta manhã de terça, 24, no Rio de Janeiro, o escritor Abdias do Nascimento. Poeta, político, artista plástico, jornalista, ator e diretor teatral, Abdias foi um corajoso ativista na denúncia do racismo e na defesa da cidadania dos descendentes da África espalhados pelo mundo. O Brasil e a Diáspora perdem hoje um dos seus maiores líderes. A família ainda não sabe informar quando será o enterro. Aos 97 anos, o paulista de Franca, passava por complicações que o levaram ao internamento no último mês. Deixa a esposa Elisa Larkin, filhos e uma legião de seguidores, inspirados na sua trajetória de coragem e dedicação aos direitos humanos.

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Bob Dylan setentão

Bob Dylan
No dia em que Bob Dylan se torna septuagenário, Obvious faz um pedido: cada leitor com seu disco predileto na playlist. Esta é a melhor homenagem que podemos fazer ao autor de "Blowin’ in the Wind."
É muito recomendável duvidar, uma vez ou outra, da relevância artística de mais um disco ou mais uma turnê mundial dos Stones, de Paul McCartney, de Bob Dylan e de outros dinossauros da música pop. Em geral, não é isso que acontece. Quando esses grandes nomes da história da música lançam algo novo, a crítica e o público costumam reagir sob formas extremadas: ou são tomados por um fanatismo extraordinário - e não conseguem, por isso, vislumbrar possíveis qualidades e defeitos nas obras em questão - ou relegam tais obras ao limbo do anacrônico, do superado, do mero artefato de museu.
Crítica e público não conseguem, pelo mito que permeia tais nomes, ouvir os discos ou apreciar os shows como uma continuidade da trajetória musical destes artistas. É sempre um acontecimento de exceção, como se estes artistas saíssem do seu estado fantasmagórico, do sagrado olimpo dos anos 60 e 70, apenas para avivar a memória dos esquecidos: “Olhem, estamos vivos, continuamos respirando. Vejam, falta pouco, mas ainda somos de carne e osso”.
A indústria do pop, sabe-se lá por que caminhos, tratou de desumanizar o seu astro, a sua estrela. Extirpou-lhe a angústia, a falta de inspiração, os descaminhos e, sobretudo, as rugas - em certos casos, extirpou a sanidade mental e até o nariz e a cor da pele, como, por exemplo, em Michael Jackson. Por ser uma indústria exigente e sedenta, está sempre clamando pelo mais novo. O velho não tem vez, a não ser que seja mito – e aí se instaura o caso descrito no começo deste texto.
Percebam que até hoje, quando Bob Dylan estampa uma capa de revista (reparem, aqui no Brasil, na “Bravo!” e na “Cult”), na maioria das vezes a sua foto é da época dos seus vinte, trinta anos, porque este é o Dylan que a indústria pop quis/quer cristalizar: o cara que fugiu de casa aos 17 (16,15,14, 13 - fique com sua versão dos fatos), começou compondo folk tradicional, eletrificou este gênero e mudou para sempre a maneira de escrever letras para a canção – até então, artigo de segunda grandeza na oficina do pop. O cara que escreveu Like a Rolling Stone, o hit mais improvável da história, uma canção de seis minutos que fala do universo sombrio e desregrado da boêmia Greenwich Village.
A indústria pop esquece, ou não se interessa, infelizmente, pelo Dylan maduro dos anos setenta, dos grandes discos Blood on the Tracks (meu predileto desde sempre) e Disere desta década; esquece sua curiosa e inesperada conversão ao cristianismo, as lindas canções gospel que escreveu na sua trilogia cristã (Slow Train Comming/Saved/Shot of Love); esquece a mega banda que ele criou com os amigos George Harrison, Tom Petty e Roy Orbison, os Traveling Wilburys; esquece o bom disco Oh Mercy, de 89, e os bons discos que gravou no final dos anos noventa e durante a primeira década do novo milênio.
Na altura do lançamento de Modern Times, disco de 2006, li em algum lugar um artigo que indagava porque Bob Dylan precisava gravar mais um disco, o que ele tinha mais que provar com isso. Ora, ora, Dylan não precisa provar nada pra ninguém, a não ser pra ele mesmo, e o fato de continuar escrevendo e gravando canções não implica necessariamente ele ter quer provar algo a alguém. Creio que ele quer apenas continuar fazendo o que sempre fez, que foi compor e cantar suas músicas, pelo simples fato de ainda continuar vivo. Se ele ainda não deu sua obra artística por acabada, não seremos nós, público e crítica (a indústria do pop), desprovidos da sensibilidade do gênio, que iremos fazê-lo.
Hoje, 24 de maio, se comemora o aniversário de Robert Allen Zimmerman, seus 70 anos. Vamos comemorar a vida. Coloque cada um o seu disco predileto (o meu Blood on the Tracks já está furando, de tanto tocar) e o escute em homenagem ao grande Dylan.
Esqueçam do mito, por que este não chora e não sente alegrias, é desumanizado, é frio e estático como uma estátua de gesso, como uma capa de revista. Lembrem-se do homem que revolucionou a história da música popular mundial e que, ainda hoje, continua compondo, gravando e influenciando as melhores cabeças do planeta Terra. Vida ainda mais longa a Robert Allen Zimmerman!
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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Índia, Cascatinha e Inhana



Uma grande dupla da música brasileira.



Acima, a interpretação da letra original

Avós da Praça de Maio: um exemplo

Paula Logares e sua avó
Paula Logares tem uma recordação antiga das praias de Mar del Plata, de ter estado uma ou duas vezes ali. Nestas praias aparece uma cena, a imagem de pessoas batendo palmas. Acredita que, certa vez, perguntou a quem supunha serem seus pais o que essas pessoas estavam fazendo. E que, neste momento, lhe explicaram que os aplausos eram porque um menino tinha se perdido e a família estava tentando localizá-lo. “Não me lembro bem – diz Paula agora, milhares de anos depois -, mas acredito que neste momento, eu mesma forjei uma pequena perda, creio que foi assim”.

Houve outras duas vezes nas quais tentou perder-se como se intuísse algo de sua história e de um pai que era subcomissário da brigada de San Justo e, ainda sob a ditadura, aparecia com automóveis da Mercedes Benz porque estava contratado pela empresa. Uma vez ocorreu no pátio, quando ficou olhando para uma porta pequena convencida de que ela poderia levá-la a algum lugar. A outra vez aconteceu perto do Obelisco.
Quem fazia o papel de sua mãe entrou em um hotel, ela ficou atrás e imaginou o que aconteceria se não a seguisse. E fez isso. Não a seguiu. Caminhou alguns metros na direção contrária até que, de repente, sentiu que sua apropriadora a agarrava nos braços.

“Parece-me interessante marcar o fato de que eu não estava tão cômoda ali, desde a perspectiva de uma criança”, diz Paula. “Eu os chamava de papai e mamãe, mas era como se isso não fosse natural, como se eu estivesse de alguma maneira alienada, vivendo uma situação sem vivê-la e, mesmo sim, podia ver os papeis de cada um, algo que não é habitual para uma criança”.

Paula foi sequestrada aos 23 meses de idade, no dia 18 de maio de 1978, no Uruguai, quando um bando a levou com sua mãe, Monica Grinspon, e seu pai, Claudio Logares. Era um feriado e eles estavam descendo de um ônibus e subindo em outro a caminho do parque Rodó. Paula passou os seis anos seguintes com seus apropriadores: Raquel Teresa Mendiondo e Rubén Lavallén, subcomissário de San Justo. Sua avó, Elsa Pavón, percorreu uma longa jornada todos esses anos para encontra-la. Ela a viu uma vez, quando Paula completou seis anos, mas quando quis voltar a vê-la os Lavallén tinham deixado a casa.

As duas contaram a história nas audiências sobre o plano sistemático de roubo de bebês. Elsa falou durante três horas. A sala inteira chorou, os advogados e três dos quatro juízes do Tribunal Oral Federal 6, mal conseguiam disfarçar a emoção. A mulher falou dessa lógica sinistra do “está aqui” e “não está aqui” que reproduzem as voltas de um carrossel. E enquanto o fazia e revivia cada aparição e desaparição, disse o que respondeu quando estava a ponto de encontrá-la: “E se me disserem finalmente que não é ela, não importa: no outro dia, coloco meus sapatos e começo outra vez”.

A reconstrução de Paula
Paula está convencida de que Lavallén conheceu seus pais porque eles passaram pelo centro clandestino da Brigada de San Justo. Os Lavallén a registraram como filha biológica com dois anos menos de idade, como se tivesse nascido mais tarde.

Uma vez, contou, escutou na televisão uma espécie de jogo no qual diziam: socorro e ajuda. “Lembro que fomos (com os Lavallén) brincar na rua, íamos caminhando e quando ele me agarrava eu começava a gritar socorro e ajuda. Era uma brincadeira, mas hoje olho para ela de modo distinto: creio que há brincadeiras e brincadeiras e ninguém sai brincando assim, pedindo socorro e ajuda na rua, sem mais nem menos”.

Dizem que os Lavallén não puderam mudar-lhe o nome, pois quando Paula chegou à casa deles, Paula o repetia constantemente. “Do nome eu não me lembro tanto”, diz Paula, “mas lembro de um jogo que se repetia. Uma dia ela, Raquel, estava com uma vizinha no apartamento e me disseram: “Hoje vamos brincar de te chamar por outro nome”. Nestes momentos, eu me recostava na cama, dava voltas e quando queriam repetir o jogo eu me cansava e ia brincar em outra parte”.

Anos mais tarde, já na casa de sua avó, Paula perguntou se ela tinha ainda sua roupa de bebê. Tinham se passado poucos dias desde a sua recuperação e Paula estava testando-a. Diante de uma imagem das Madres (Mães da Praça de Maio) na televisão, havia dito a sua avó que essas mulheres eram loucas e os filhos terroristas. Agora pedia a roupa. Elsa deu a roupa a ela. Paula disse que, certa vez, fez o mesmo pedido a sua apropriadora. Na primeira vez, a mulher disse que não tinha a roupa porque tinha a doado para crianças pobres. Na segunda vez, disse o mesmo, mas perguntou se ela era egoísta. Na terceira, a chamou de egoísta e lhe deu uma bofetada.

Paula não se lembra. “Lembro que ele batia nela, em geral no banheiro, algumas vezes na minha frente. E lembro também que ela me bateu uma vez. Eu sempre pensei que fosse a única; eu atire um prato de porcelana no chão, tinha cerca de oito anos; só lembro que a olhei e ela não voltou a me bater”.

A busca
Elsa procurou e procurou. Seu sogro disse para ela uma vez: “Já se olhou no espelho, Elsa?”. Ou: “Já viu em que estado está?”. Ele sugeriu que ela abandonasse a busca, que sua neta já estava com outra família. “O que você vai fazer? Vai tirá-la mais uma vez de seus pais?”. Elsa respondeu dizendo o que dizia sempre: que ia continuar e que aqueles não eram seus pais.

Com o tempo, as Avós conseguiram fotos dos Lavallén por meio de uma vizinha que escutou uma discussão. Elsa viu Paula na porta da casa, mas quando tentou voltar encontrou uma placa de “aluga-se” com o apartamento vazio. Dois anos depois, com a abertura democrática e os murais das Avós nas ruas, alguém apresentou outra informação. Paula estava agora a quatro quadras de Chacarita. Elsa viajou todos os dias, desde Banfield, para comprar verduras na frente da casa. Na primeira vez que a viu, teve um choque porque sua neta tinha um uniforme de pré-escola quando já deveria ter um de aluna do ensino primário. Elsa não sabia da mudança de data de nascimento nem do que os psicólogos definiram mais tarde como stress de guerra: desde o sequestro, Paula tinha começado a apresentar atrasos de crescimento.

Um dia a seguiu e descobriu a escola onde estava estudando. Num outro dia pediu a seu marido que se aproximasse da menina para perguntar-lhe nome e sobrenome para a denúncia. Quando seu marido ficou na frente da menina teve a impressão de que ela esteve a ponto de chama-lo de avô. “Minha vó me contou isso depois, mas eu tenho presente outra cena”, disse Paula, “tenho a lembrança de gente que me olhava e que um dia houve alguém que me chamou a atenção e então me lembro que mantive o olhar, era a hora de saída da escola e eu caminhava para o micro-ônibus. Eu olho, sustento o olhar, mas não de forma desafiadora, e sim para ver o que estava acontecendo”.

Paula soube depois que esse era o seu avô. E que neste dia ele ficou preocupado porque não sabia se ela havia percebido algum detalhe de forma instintiva, sobre o qual pudesse contar algo em casa.

Logo após as buscas, chegou a vez a denúncia. Houve juízes que fizeram todo o possível para retardar o encontro. Não ordenaram investigações, não permitiram exames por meio dos quais, apesar da diferença de idade entre as duas Paulas, poderia se saber sua real identidade. Quando o dado finalmente apareceu, houve quem não quisesse entregar a menina até que se resolvesse a questão de fundo da causa. Paula finalmente conheceu sua avó em dezembro de 1987. Ela foi a primeira neta restituída via exame de DNA.

O juiz Andrés D’Alessio, da Câmara de Cassação, apresentou-as: “O lugar era como um castelo com poltronas enormes e uma mesa. Lembro que me apresentaram a minha avó e eu dava voltas ao redor da mesa porque não queria entrar em contato com ela. Ela sentou-se em me mostrou algumas fotos de quando eu era pequena, uma no colo de meus pais e outra eu bebê. O que aconteceu neste momento foi que eu me reconheci em uma destas fotos, dei-me conta de que era eu, porque era uma foto igual às primeiras que fizeram de mim na outra casa. Eu olhei e neste momento não disse nada. E não disse nada por muito tempo”.

Paula tinha oito anos. “Isso explica o meu ceticismo, eu estava lidando com tudo isso um pouco assim, desconfiada. Logo, não sei muito bem como, passei a chorar e a ter sono, e isso não era natural. Queria dormir, como se precisasse descansar, mas não me animava porque não estava seguro onde fazê-lo. Havia uma assistente social, Lembro que me deu um anel e me disse para dormir tranquila: “Durma com o anel e quando acordar você me devolve”. Eu lhe disse que não e pedi o outro anel, que ela tinha na mão, porque imaginava que se ela não tinha me oferecido aquele anel era porque tinha mais valor”.
De: Carta Maior