Primeira língua indígena a
dividir com o espanhol o título de idioma oficial em um país da América
Latina, o guarani chegou à internet, mas é cada vez menos falado pelas
crianças nos lares paraguaios. Analistas dizem acreditar que o idioma
pode desaparecer em "duas gerações".
Segundo o professor de linguística e de
antropologia David Galeano, da Universidade de Assunção, o guarani era o
idioma original dos países da América do Sul "antes da chegada dos
conquistadores", nos séculos passados.
A língua chegou a ser utilizada em boa parte do centro-sul do Brasil, mas é no território paraguaio que resiste atualmente.
O professor Ramón Silva, que fez um doutorado na
língua, diz que o país foi o primeiro a reconhecê-lo e incluí-lo em sua
Constituição.
Alguns países chegam a reconhecer idiomas
indígenas por meio de resoluções ou de forma circunscrita a determinadas
regiões de seu território. Na Bolívia, por exemplo, a Constituição de
2009 estabelece como idiomas oficiais do Estado o castelhano e "todos os
idiomas das nações e povos indígenas originários camponeses" - entre
eles o guarani.
A sobrevivência do guarani no Paraguai foi
abordada em um seminário internacional sobre o "bilinguismo" no país,
realizado essa semana em Assunção. O evento foi organizado pelo governo
local e pela Organização de Estados Ibero-americanos (OIE), e teve
também a participação de americanos e europeus.
Os especialistas divergem sobre até quando a língua resistirá "em tempos de tecnologia e de globalização".
"O guarani sempre foi o idioma nas nossas casas.
Agora as crianças aprendem, na escola, a ler e a escrever, mas não a
falar guarani. Para sobreviver, a língua deve ser falada. Por isso, acho
que a tendência é que ela acabe em duas gerações”, disse Ramón Silva à
BBC Brasil.
A diretora de promoção de línguas da Secretaria
Nacional de Cultura do Paraguai, Susy Delgado, discorda. "Se o guarani
sobreviveu até aqui por que não sobreviveria em novos séculos?",
afirmou.
Sobrevivência
Filho de pai brasileiro e mãe paraguaia, Ramón
Silva, de 50 anos, é apresentador do programa de televisãoem guarani
"Káy'uhape" (em espanhol "Tomando Mate").
No programa, que vai ao ar às 4h30 (hora local),
quando a maioria dos paraguaios acordam, são apresentadas notícias
nacionais e internacionais, além de entrevistas com autoridades locais
em guarani.
Silva trabalha ainda na aplicação da lei que
obriga escolas a incluírem a língua no currículo, já que hoje não são
todas que o ensinam.
A lei prevê também que aeroportos locais passem a
informar, a partir do ano que vem, sobre chegadas e partidas dos voos
não só em espanhol, como ocorre hoje, mas também em guarani.
A lei foi aprovada no governo do ex-presidente
Fernando Lugo com objetivo de manter vivo o idioma falado por cerca de
90% da população, segundo dados oficiais.
Futebol
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Ramón Silva elaborou dicionário de guarani com termos militares, religiosos, médicos e jurídicos
|
No Paraguai, é comum ouvir de políticos e
analistas econômicos a taxistas e jovens engraxates falando em guarani.
Nos campos de futebol, dentro e fora do país, os jogadores também
costumam se comunicar na "língua mãe", como é chamado o idioma.
"(Os jogadores falam guarani) Especialmente
quando querem evitar que o adversário entenda o que estão dizendo",
afirmou Delgado. Ela tem livros de poesias em guarani e em espanhol, mas
reconhece que o filho de 27 anos conhece apenas algumas palavras do
idioma "original".
Na região da fronteira com o Brasil, os
paraguaios costumam falar guarani e português. Muitas vezes o espanhol
não faz parte das conversas, inclusive de crianças – que às vezes não
sabem a diferença entre português e espanhol.
"Na fronteira, os paraguaios falam
principalmente portunhol (mistura do português e do espanhol), guarani e
espanhol. Mas eles não são trilíngues. Eles mesclam os três idiomas e
assim se entendem", afirmou Silva.
Galeano diz que na fronteira, impera o "guaratuguês" (mistura do guarani com português).
Proteção
Um guia de turismo que costuma fazer a viagem
entre Assunção e a igreja franciscana de San Buenaventura de Yaguarón, a
48 quilômetros da capital paraguaia, explica aos turistas estrangeiros
que a história "trágica" do país acabou "protegendo o guarani da
globalização".
"A desgraça da história do Paraguai foi positiva
para a sobrevivência do guarani", explica Ramón Silva. De acordo com
ele, no período da colonização os espanhóis iam embora e as mulheres que
permaneciam falavam guarani com as crianças.
"Na Guerra Grande (Guerra do Paraguai) e na
Guerra do Chaco, os homens foram à luta e as mulheres ficaram sozinhas
ou com as crianças. O guarani foi sendo passado, em casa, de geração
para geração", diz Susy Delgado.
Ela reconheceu que o "isolamento" político do
país, ao longo da história, ajudou nesta sobrevivência. "Agora tem gente
aqui no país que planeja fazer até teclado de computador em guarani."













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