Por Seth Rosenfeld, do Center for Investigative Reporting, em Agência Pública
Conheça a história de um nipo-americano que foi infiltrado pela polícia dos EUA para espionar o movimento negro dos anos 60
Richard Masato Aoki, um descendente de japoneses que foi notório colaborador do movimento revolucionário Panteras Negras na década de 60, era um informante do FBI disfarçado de acordo com um ex-agente da organização e um relatório do próprio FBI analisado pelo Center for Investigative Reporting, parceiro da Pública.
Um dos ativistas radicais de mais destaque da época, Aoki se orgulhava de suas habilidades de luta de rua. Foi membro de vários grupos radicais antes de se juntar aos Panteras Negras. Depois de seu suicídio em 2009, tornou-se reverenciado como um destemido radical.
Mas sem o conhecimento de seus colegas ativistas, o nipo-americano servia ao governo do EUA como informante da inteligência do FBI, secretamente arquivando relatórios sobre uma ampla gama de grupos políticos dos arredores de São Francisco, no norte da Califórnia.
O agente que o recrutou, Burney Threadgill Jr, diz ter se aproximado de Aoki no final dos anos 1950, quando este estava se formando no colegial da Berkeley High School. Perguntou então se Aoki gostaria de se juntar a grupos de esquerda e relatar suas atividades ao FBI. “Era meu informante. Eu o treinei,” diz Threadgill. “Era uma das nossas melhores fontes.”
Antes disso, o policial diz ter perguntado o que Aoki achava da União Soviética, e ouviu que o jovem não tinha interesse no comunismo. “Eu disse, ‘bem, por que você não vai a algumas das reuniões e me diz quem estava lá e sobre o que eles falaram?’ Um sujeitinho muito agradável”, relembra Threadgill.
O trabalho de Aoki para o FBI, nunca antes relatado, foi revelado durante a pesquisa para o livro “Subversivos: A guerra do FBI contra estudantes radicais e a ascensão de Reagan”, publicado nos Estados Unidos no último dia 21 de agosto.
Em uma entrevista para o livro em 2007 este repórter perguntou se Aoki fora informante do FBI. Após um longo silêncio, ele respondeu: “ ’Oh’ é tudo o que eu posso dizer.” Perguntado se o repórter estava enganado, o nipo-americano respondeu: “Eu acho que você está (…) As pessoas mudam. É complexo. Camada sobre camada.”
Mais tarde, informações liberadas pelo FBI em resposta a um pedido feito pela lei de Acesso à Informação dos EUA reveleram que um relatório de inteligência sobre os Panteras Negras, datado de 16 de novembro de 1967, lista Aoki como “informante”, sob o código “T-2”.
Em Berkeley, no final dos anos 60, Aoki usava o cabelo para trás, exibia óculos de sol mesmo à noite e falava com gírias do gueto. Seu comportamento destemido intimidava até seus companheiros radicais. “Ele era arrogante até a lua,” lembrou a ex-ativista Victoria Wong.
Das gangues de rua para o Exército
Aoki nasceu em San Leandro, Califórnia, em 1938. Era o primeiro de dois filhos. Quando tinha quatro anos, durante a Segunda Guerra Mundial, sua família foi enviada para Topaz, no estado de Utah, com milhares de outros nipo-americanos. A mudança acabou com a família. Seu pai se tornou criminoso e os abandonou. E a mãe mudou-se de volta com os filhos para Berkeley, na região de São Francisco, em uma área que conhecida como Little Yokohama antes de se tornar um bairro negro.
Ali Aoki entrou para uma gangue, onde se tornaria excelente lutador de rua. Roubava lojas, assaltava casas e roubava peças de carros. Foi preso diversas vezes por “coisas pequenas”, como definiu em uma entrevista de 2007. Ainda assim, se saiu bem na escola e no ensino médio na Berkeley High School. Alistou-se no Exército americano co o sonho de se tornar o primeiro general nipo-americano, mas serviu apenas por um ano em serviço ativo, além de sete anos como reservista.
Nesta época, porém, tornou-se especialista em armas de fogo. “Eu pude brincar com todos os brinquedos que eu queria,” disse em uma entrevista. “Pistolas, rifles, metralhadoras, morteiros, lança-foguetes.”
Estar na reserva deu a ele bastante tempo livre. Foi assim que ele se tornou profundamente envolvido com organizações políticas de esquerda a mando do FBI, segundo o agente aposentado Threadgill: “Ele só se envolveu nessas atividades porque o usamos como informante”.
Segundo ele, primeiro Aoki reuniu informações sobre o Partido Comunista e depois se focou no Partido dos Trabalhadores Socialistas e na juventude afiliada ao partido, alvo de uma intensiva investigação do FBI nos anos 60. Aoki participava em todos. Foi eleito para o conselho executivo da Aliança Socialista Jovem de Berkeley, tornou-se membro do Partido dos Trabalhadores Socialistas, chegou à direção do Comitê para Defender o Direito de Viajar. Em 1965, se juntou ao Comitê do Dia do Vietnã, um influente grupo contra a guerra, atuando no seu comitê internacional.
“Eu ligava pra ele e dizia ‘quando você quer me encontrar?’”, relembrou Threadgill. “Eu dizia ‘eu encontro você na esquina das ruas tal e tal.’ Estacionava umas duas quadras longe do ponto de encontro, e ia conversar com ele.”
Depois de 1965, Threadgill mudou-se de escritório do FBI, mas segundo ele Aoki continuou sendo informante. Foi nesta época que o nipo-americano conheceu Huey Newton, um estudante de direito, e Bobby Seale, estudante de engenharia, atuantes no grupo político chamado Conselho Consultivo Alma de Estudantes. Tornaram-se tão próximos que, em outubro de 1966, Seale e Newton escreveram no apartamento de Aoki em Berkeley, entre bebidas e discussões acaloradas, um rascunho do programa do que se tornaria o Partido dos Panteras Negras para Defesa Pessoal. O programa exigia habitação, educação e emprego, um freio ao “roubo de nossa comunidade negra pelos capitalistas” e o “fim imediato à brutalidade da polícia”.
Fornecendo as primeiras armas aos Panteras Negras
Logo depois Aoki forneceu aos Panteras as suas primeiras armas. “No final de novembro de 1966, fomos encontrar um irmão do terceiro mundo que conhecíamos, um japonês radical. Ele tinha armas (…) Magnum .357, .22, 9mm (…). Dissemos a ele que se fosse um revolucionário de verdade era melhor que nos desse as armas porque precisávamos delas para começar a educação das pessoas e travar uma luta revolucionária. Então ele nos deu uma Magnum e uma 9mm”, registrou Bobby Seale em seu livro de memórias.
No início de 1967, Aoki se juntou aos Panteras Negras e trouxe consigo mais armas, além de treinamento sobre como manejá-las. “Eu tinha uma pequena coleção, e Bobby e Huey sabiam disso, então quando o partido se formou, eu decidi entregá-las para o grupo,” disse Aoki em entrevista em 2007. “Quando você vê os caras lá marchando e tudo, eu fui de algum modo responsável pela inclinação militar da imagem pública da organização.”
No início de 1967, os Panteras mostraram armas durante suas “patrulhas comunitárias”, que pretendiam defender a comunidade da violência polícia na cidade de Oakland; e também em um protesto diante da Assembleia Legislativa naquele ano. Ficaram conhecidos pelos confrontos com a polícia na cidade de Oakland naquele ano.
Mas, enquanto dava armas aos Panteras, Aoki também estava informando o FBI.
M. Wesley Swearingen, um agente do FBI aposentado, confirmou sob juramento que Aoki tinha sido um informante. Swearingen serviu no FBI de 1951 a 1977 e trabalhou em um esquadrão que investigava os Panteras. “Alguém como Aoki é perfeito para estar no Partido dos Panteras Negras, porque, como você vê, ele é japonês. Ninguém que ele é um informante”, disse.
Swearingen também afirmou que o FBI deve ter mais arquivos sobre o trabalho de Aoki como informante especial – mas estes arquivos permanecem secretos. “Para isso, Aoki nem precisava ser membro do partido. Se ele simplesmente conhecesse Huey Newton e Bobby Seale e fosse almoçar com eles todos os dias, o FBI já teria uma ficha completa dele.”
No fim dos anos 60 e início dos 70, o FBI buscou romper e “neutralizar” os Panteras Negras sob um programa secreto de contrainteligência chamado o COINTELPRO, de acordo com relatórios de um comitê do senado americano. O FBI usou informantes que levaram a diversas apreensões de armamentos dos Panteras em Chicago, Detroit, San Diego e Washington. No final de 1969, pelo menos 28 Panteras haviam sido mortos em confrontos armados com a polícia, e muito mais haviam sido presos por porte de armas.
No final de 1968, o presidente Hoover declarou que os Panteras representavam “a maior ameaça à segurança interna do país.”
Suicídio
Aoki se suicidou em 2009 com um tiro em sua casa, na cidade de Berkeley, depois de conviver durante anos com uma doença. Depois da sua morte, foi tema de um documentário e uma biografia intitulada “Um Samurai entre os Panteras”. No seu velório, Bobby Seale, junto com outros ativistas, saudaram Aoki como um “líder destemido e servo do povo.”
Não houve nenhuma menção sobre seu trabalho com o FBI. “Isso é algo muito chocante de ouvir,” disse seu companheiro de ativismo e amigo próximo, Harvey Dong, propcurado pela reportagem. “Quer dizer, é uma grande surpresa para mim.”
Antes de se matar, conta Dong, Aoki estendera em seu apartamento dois uniformes bem passados. Um deles era a jaqueta de couro, boina e calças escuras dos Panteras Negras. O outro era seu uniforme do Exército dos Estados Unidos.
Reportagem baseda em texto em inglês do Center for Investigative Reporting. Clique aqui para ler o original em inglês.