Por Antonio Martins em Outras Palavras
Um governo à esquerda rejeita as políticas de “austeridade”, amplia seu apoio popular e atrai a atenção dos Partidos “Socialistas” da França e Alemanha. Por quê?
Um governo à esquerda rejeita as políticas de “austeridade”, amplia seu apoio popular e atrai a atenção dos Partidos “Socialistas” da França e Alemanha. Por quê?
Dois pesos pesados da família europeia de partidos “socialistas” prestaram, nos últimos dias, homenagens ao PS português a ao primeiro ministro do país, Antonio Costa. Primeiro, foi a vez do francês Benoit Hamon, que disputará em abril a presidência de seu país. “Fazer minha primeira viagem política a Lisboa foi uma decisão política”, disse ele: “é um país governado pela esquerda, apoiado por uma frente de esquerda, e que abandonou as políticas de ‘austeridade'”. Dias depois, Hamon foi seguido pelo alemão Martin Schulz, que liderará o Partido Social Democrata (SPD) nas eleições parlamentares para formar novo governo, em setembro. Costa é “um excelente amigo”, afirmou, sugerindo que considera a experiência portuguesa uma eventual alternativa à “grande coalizão” que o SPD forma hoje com os conservadores de Angela Merkel. É instrutivo examinar as causas do charme português.
Em novembro de 2015, quando toda a Europa parecia olhar para a direita, Antonio Costa enxergou uma oportunidade em rumo oposto. Nas eleições parlamentares de outubro, a coalizão conservadora Portugal à Frente, que impunha por cinco anos as políticas de cortes de direitos sociais, sofreu forte baque (caiu de 50,4% para 38,6% dos votos) e perdeu a maioria das cadeiras no Parlamento, embora conservando a maior bancada. No PS, Costa ensaiou um giro surpreendente. Aceitou uma aliança com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e Os Verdes. Capaz de lhe assegurar maioria, a frente foi, ainda assim, maldita por um setor dos “socialistas”, a quem uma união à esquerda parece sempre um anátema.
Costa manteve-se firme. Seu governo não pratica grandes ousadias, mas interrompeu a espiral rumo ao fundo do poço. O salário mínimo teve discreto aumento, acima da inflação. Anulou-se um aumento de impostos regressivo, que pesava sobre os consumo dos mais pobres. O primeiro ministro defendeu a ideia de que a crise financeira, da qual Portugal padece desde 2008, precisa ser combatida recuperando o emprego e a renda — e não transferindo mais riquezas aos banqueiros.
Os resultados apareceram rapidamente. O índice de desemprego, que chegou a 17% em 2013, deve cair este ano para menos de 10%. O próprio déficit público recuou para 2,1% (contra 11,7% em 2011, auge das políticas de “austeridade”) — uma economia reativada amplia a arrecadação de tributos. A últimas pesquisas registram que Costa tem 66,1% de aprovação entre os eleitores.
A romaria de políticos “socialistas” a Lisboa poderia significar o início de uma virada na Europa? Desde o início da crise de 2008 a esquerda permanece paralisada. O cenário é dominado ou pelos conservadores tradicionais (que aplicam uma “austeridade” sem fim, sempre favorável aos mais ricos), ou pela direita xenófoba e quase-fascista (que denuncia a “austeridade”, mas transforma os imigrantes em bodes expiatórios). Oxalá o giro português de Hamon e Schulz signifique mais que retórica.