terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Lava Jato: as brechas para a interferência dos EUA

 13 DE JANEIRO DE 2017

Interesse norte-americano na destruição da Petrobras e das empresas de engenharia é claro. Atos ilegais do Procurador Rodrigo Janot abriram portas à intromissão
Por Bruno Lima Rocha, no IHU
Existe uma diferença gritante entre “teoria da conspiração” e prática conspiratória. Bastam algumas observações pontuais para fazer a lógica da obviedade.
O texto que segue tem as devidas ponderações legais, por isso a cautela necessária. Vale observar que ao reconhecer que houve participação do Império no golpe no Brasil, não me alinho ao lulismo, tampouco a condenáveis práticas empresariais, menos ainda ao “batismo nos contratos” como prática regular brasileira e nem nego a condição de que agentes nacionais (domésticos) possam aplicar golpes e também contra-golpes. A conspiração que vem de cima encontra eco ou não, é bem sucedida ou não, de acordo com cada sociedade e seus agentes coletivos nacionais. Infelizmente, no Brasil, o golpe aplicado pelo BraZil deu certo (para eles). Vamos aos pontos.
1) Existem pessoas com certo prestígio cibernético alegando que há uma teoria da conspiração na internet brasileira em relação a participação dos EUA no golpe parlamentar que derrubou o governo reeleito de Dilma Rousseff. Os Estados Unidos, embora correspondam a 12% de nossa balança comercial — perdendo em quase o dobro para os 21% de volume de trocas com a China — tem plenas condições de exercer hegemonia e projeção de poder em termos ideológico-culturais, institucionais, militares e financeiros sobre toda a América Latina, o Brasil incluído.
2) A modalidade de participação dos EUA no golpe do Brasil – ou a suposta participação uma vez que os elementos cabais e probatórios estão em documentação sigilosa no Departamento de Estado do Império – seria a de lawfare. Esta é uma modalidade onde o emprego de acordos de cooperação e convênios entre órgãos jurídico-policiais-investigativos implicam em uma facilidade de investigação e punição para os alvos domésticos, mas cujas informações centrais são devidamente selecionadas através da vantagem estratégica que os EUA detêm através de sistemas de monitoramento e espionagem como o Prism. Negar isso é praticamente negar a vigilância sobre a internet e o novo Complexo Industrial-Militar, balizado pela Lei Patriótica assinado por Bush Jr e em nada modificado pelo governo Obama.
3) Tivemos — temos — evidências de efeitos dos acordos de cooperação tendo o conglomerado da Odebrecht como alvo de investigação e punição em escala mundo. Assim, perdem-se contratos e espaços no Sistema Internacional (SI), setores de difícil acesso e penetração, cuja entrada de capitais brasileiros só pode ser viabilizada através da aliança entre as campeãs nacionais (incluindo a super campeã Odebrecht), o banco de fomento (BNDES) e um governo de centro mas minimamente nacionalista (os do lulismo). Um país da semi-periferia como o Brasil não pode ser visto como candidato a potência média sem imediatamente gerar hostilidade aos EUA — por tabela, não importa o quão “bem comportado” fora o período de Lula e também o de Dilma no Planalto, à exceção do acertado protesto após o escândalo das denúncias de Snowden.
4) A guarda baixa e a vigilância ausente — por parte das autoridades de Estado brasileiras — teve seu momento de porteira aberta quando do Projeto Pontes, em mega conferência realizada de 4 a 9 de outubro no Rio de Janeiro. Esta Conferência teve amplo alcance dentro do aparelho de Estado brasileiro, em especial na criação da Força Tarefa da Lava Jato aliás, conforme recomendado no próprio link difundido pela própria correspondência diplomática difundida peloWikileaks. Detalhe: o Projeto Pontes teve início em fevereiro de 2009 segundo o Departamento de Estado dos EUA. Ou seja, seu desenvolvimento se deu quando o titular da pasta da Justiça era Tarso Genro; revelando que para além das abundantes críticas ao então ministro, a inteligência brasileira e a defesa do Estado eram incapazes para suas atividades-fim.
Desmontando os conglomerados econômicos relevantes no Brasil
Vamos entender as obviedades. As maiores empresas de construção pesada, a indústria naval e os conglomerados econômicos complexos do Brasil estão parados. Poderíamos pensar que interromper as obras e suspender os contratos é um ato de Justiça, em função da corrupção endêmica nos contratos “batizados” através de diretores técnicos de carreira e suas indicações políticas. Mas a evidência é oposta. A União poderia decretar a intervenção nas empresas, poderíamos haver tentado aprovar leis que favorecessem o controle – ou maior controle – dos trabalhadores das grandes empresas em suas rotinas produtivas e assegurar a manutenção dos empregos através da sequência das obras e encomendas. Deu-se exatamente o oposto conforme explicado no bom texto de Emanuel Cancella, enviado aos mais poderosos veículos de mídia brasileira e jamais publicado.
Acordos de delação de testemunhas-chave brasileiras nos EUA supostamente estariam acontecendo com intermediação informal da Lava Jato
O tema é recorrente, mas através das gravações das audiências presididas pelo juiz de 1ª instância federal Sérgio Moro, é possível se dar conta da profundidade do problema. Em bom artigo publicado em O Cafezinho a sequência de fatos inequívocos é recordada. Ao mesmo tempo, constata-se que O Estado de São Paulo admite a possibilidade da existência de cooperação informal de membros da Força Tarefa, e em assim sendo, totalmente ilegal. Como já vimos tanto neste site como com este analista que escreve, os acordos de cooperação judicial com outros países precisam ser rigidamente coordenados por uma Autoridade Central. Esta, pela lei brasileira, seria o Ministério da Justiça (MJ) e não a Procuradoria Geral da República (PGR) através de sua Secretaria de Cooperação Internacional (SCI). Acontece uma situação ainda mais drástica, pois nem o decreto presidencial 3810/2001 foi formalmente alterado como tampouco procuradores, magistrados, delegados e auditores federais têm autorização formal para coordenar esforços com seus pares e colegas de outro país. Menos ainda se tais colegas pertencerem aos quadros da superpotência do planeta, com vantagem estratégica sobre todas as demais, e projeção de poder absoluta na América Latina, cujo pivô geopolítico é o Brasil. Tal cooperação informal seria a evidência de um Estado Paralelo no Brasil?
Estado Paralelo? Qual o tamanho da internalização de interesses?
A segurança nacional estaria sendo ameaçada pelo Estado Paralelo, algo evidenciado pela ida do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em fevereiro de 2015, aos EUA. Na ocasião, Janot foi entregar pessoalmente documentação sigilosa e sensível para os interesses do Brasil. Segundo o portal da Exame Janot visitara ainda sob o governo Dilma no segundo mandato, o Banco Mundial, a OEA e com Leslie Caldwell, o titular da Divisão Criminal do Departamento de Justiça (DoJ, equivalente ao MJ dos EUA). Ainda segundo a publicação do Grupo Abril, o então titular da PGR viajou aos EUA acompanhado de procuradores e peritos que investigaram as possibilidades de propinas em contratos com a Petrobrás ou obras brasileiras financiadas por nosso banco de fomento por mais de uma década.
A agenda de colaboração do “Estado paralelo” já estava a pleno vapor em 2015, quando o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, encontrou-se com Leslie Caldwell, procuradora-adjunta da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA. Até ser indicada ao cargo pelo presidente Obama, em 2014, Leslie Caldwell havia sido sócia do escritório Morgan Lewis deNova York, especializado em contenciosos no setor de energia, especialmente nuclear.
Na sequência do encontro nos Estados Unidos, a Operação Lava Jato desviou do alvo central, a Petrobras, e apontou para a Eletronuclear, deflagrando a “Operação Radioatividade”, com objetivo de investigar suspeitas na área nuclear. Em 2 de abril de 2015, dois meses após a visita de Janot aos EUA, o almirante Othon Luiz Pereira da Silva foi denunciado, preso e condenado a 43 anos de prisão – na prática, prisão perpétua, considerando a idade avançada do militar.
Os EUA contra a engenharia brasileira
Uma das tarefas permanentes de uma potência hegemônica é de preservar, assegurar e ampliar sua condição de exercício de hegemonia. Para tal, o hegemon, ou a Superpotência – já que a única realmente existente são os Estados Unidos – trabalha com uma lógica de antecipação, usando suas vantagens competitivas em relação a supostos rivais. Tal rivalidade não está diretamente relacionada a um discurso anti-imperialista no Brasil (sendo sincero, quem dera que este existisse) ou ao “bom comportamento” do Estado brasileiro como operador diplomático de primeira grandeza e central na solução de controvérsias em organismos internacionais. O que entra no cálculo permanente são as capacidades exercidas e já instaladas, e as potencialidades que podem vir a existir. Como ativo na competição mundializada, está a complexa engenharia pesada brasileira, cujos conglomerados econômicos têm uma relação umbilical com o aparelho de Estado (como ocorre em escala mundo com todos os países poderosos) e podem avançar seus empreendimentos para cadeias de valor sensíveis, como o beneficiamento de urânio.
O rigor advindo das punições para a Odebrecht ocorridos nas Justiças de EUA e Suíça, não encontram eco nas penas executadas contra os maiores conglomerados de capital estadunidense em qualquer setor da economia. Como diz o ditado gringo: “too big to fail, too big to jail!”. Se algum leitor ou leitora considerar exagero sugiro uma breve leitura nestes dois portais – corporatewtach.org e corporatecrimereporter.com. Se me permitem o neologismo macabro, “compliance” é lenga lenga para os mais fracos”. Para reforçar o argumento, trago este trecho do excelente texto de Mauro Santayana “Nota de falecimento: a engenharia brasileira está morta”.
Lenientes com suas próprias companhias, que não pagam mais do que algumas dezenas de milhões de dólares em multa, os Estados Unidos costumam ser muito mais duros com as empresas estrangeiras.
Tanto é que da lista de maiores punições de empresas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos por corrupção em terceiros países – incluídos alguns como Rússia, que os Estados Unidos não querem que avancem com apoio de grupos europeus como a Siemens – não consta nenhuma grande empresa norte-americana de caráter estratégico.
A Lockheed Martin e a Halliburton, por exemplo, pagaram apenas uma fração do que está sendo imposto como punição, agora, à Odebrecht brasileira, responsável pela construção do nosso submarino atômico e do míssil ar-ar da Aeronáutica, entre outros projetos, que deverá desembolsar, junto com a sua subsidiária Braskem, uma multa de mais de R$ 7 bilhões, a mais alta já estabelecida pelo órgão regulador norte-americano contra uma empresa norte-americana ou estrangeira.”
Síntese conclusiva teórico-analítica
Entendo que a exposição de argumentos e motivos já está mais que suficiente, demonstrando mesmo a uma hipotética audiência leitora não treinada, as possibilidades concretas do acionar dos EUA tendo como alvo os conglomerados econômicos cuja cadeia de valor central foca na engenharia pesada. Não por acaso, este oligopólio nacional – controlado por famílias e acionistas majoritários, além de financiados pelos megacontratos com a Petrobrás ou através do BNDES – é um ativo central na criação e projeção de excedentes de poder do Brasil para o Sistema Internacional. Tal posição estratégica no ambiente externo e interno não modifica a natureza destes conglomerados e tampouco dos intermediários políticos profissionais. Assim, simplesmente não estamos negando a existência de corrupção, ou mesmo de corrupção estrutural. Afirmamos sim que para a Superpotência, as acusações de práticas empresariais criminosas são um recurso de guerra, uma arma com emprego tático, assim como o uso da força ou da espionagem. Logo, o alvo estratégico da relação EUA com os frutos das delações da Lava Jato, é o desmonte da Petrobrás e das empresas de engenharia complexa operando a partir do Brasil.
Assim, são duas rodadas simultâneas no meu ponto de vista. Uma, é em escala mundo, onde os Estados capitalistas apostam em suas TNCs e suas áreas de expertise. Nisso os EUA atacam. Outra rodada, interna, pode ocorrer quando o oligopólio local se reposiciona (caso isso ocorra em definitivo), e, em última instância, aceita a quebra da reserva de mercado, os acionistas majoritários vendem seus ativos e financeirizam seus lucros. Entendo que estamos vendo isso ocorrer hoje com as maiores das empreiteiras. Não se trata de uma defesa de classe, e sim de um ataque capitalista contra outra estrutura capitalista de menor envergadura. Por ser de menor envergadura, o oligopólio da engenharia pesada e complexa brasileira se enfraquece e perdemos tanto posições no SI como empregos diretos no país.

Wallerstein: o que esperar da era Trump

170115-Trump3
Os riscos de desmonte de toda a legislação social nos EUA. O plano fantasioso de aliar-se à Rússia contra a China. O arsenal nuclear nas mãos de alguém imprevisível
Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Edward Steed
A previsão de curto prazo é uma atividade das mais traiçoeiras, que procuro nunca fazer. Prefiro analisar o que está acontecendo em termos da história de longa duração e as prováveis consequências no médio prazo. Contudo, decidi agora fazer previsões de médio prazo, por uma simples razão. Parece-me que todo mundo, em todo lugar, está neste momento focado naquilo que acontecerá no curto prazo. Parece não haver outro tema de interesse. A ansiedade está ao máximo, é preciso lidar com isso.
Começo alertando: penso que 95% das políticas que Donald Trump irá seguir em seus primeiros tempos de governo serão absolutamente terríveis — piores do que esperávamos. Isso já pode ser percebido na indicação de seus principais assessores. Ao mesmo tempo, ele provavelmente enfrentará enormes problemas.
Esse resultado contraditório é consequência do seu estilo político. Se olhamos para trás e observamos como ele chegou à presidência dos Estados Unidos, veremos que foi com certa técnica retórica deliberada, contra todas as probabilidades. Por um lado, ele faz declarações constantes que respondem aos maiores medos dos cidadãos norte-americanos, usando uma linguagem cifrada que os ouvintes interpretam como apoio a políticas que, pensam eles, aliviariam suas muitas dores. Fez isso mais frequentemente em breves tweets ou em comícios públicos fortemente controlados.
Ao mesmo tempo, sempre foi vago sobre quais políticas, precisamente, irá seguir. Suas declarações foram, quase sempre, seguidas de interpretações de seus principais seguidores, frequentemente diferentes e até mesmo opostas. De fato, ele assumiu o crédito por declarações fortes e deixou para outros o descrédito pelas políticas exatas. Foi uma técnica magnificamente efetiva. Levou-o até onde ele está e tudo indica que pretende manter essa política quando estiver no governo.
Seu estilo político tem um segundo elemento. Ele tolerou qualquer interpretação enquanto isso significou apoio a sua liderança. Ao sentir qualquer hesitação quanto ao endosso à sua pessoa, foi ligeiro na vingança, atacando publicamente o ofensor. Exigiu lealdade absoluta, e insistiu em que isso fosse exibido. Aceitou remorsos arrependidos, mas nenhuma ambiguidade com relação à sua pessoa.
Trump parece acreditar que essa mesma técnica lhe será útil em todo o mundo: retórica forte, interpretações ambíguas por um conjunto variado de seguidores principais, e no final políticas muito imprevisíveis.
Ele parece pensar que há apenas dois outros países que importam no mundo, hoje, além dos Estados Unidos – Rússia e China. Como apontaram Robert Gater e Henry Kissinger, está usando a técnica de Nixon ao contrário. Nixon fez um acordo com a China para enfraquecer a Rússia. Trump está tentando um acordo com a Rússia para enfraquecer a China. Essa política parece ter funcionado para Nixon. Funcionará para Trump? Penso que não, porque o mundo de 2017 é muito diferente do mundo de 1973.
Vejamos quais são as dificuldades à frente, para Trump. Em casa, sua maior dificuldade é sem dúvida com os congressistas republicanos, particularmente os da Câmara. Sua agenda não é a mesma que a de Donald Trump. Por exemplo, querem destruir o Medicare. Na verdade, pretendem revogar toda a legislação social do último século. Trump sabe que isso poderia revoltar sua base eleitoral atual, que deseja um Estado de bem-estar social e ao mesmo tempo um governo profundamente protecionista e uma retórica xenófoba.
Trump conta com a intimidação do Congresso para enquadrá-lo. Talvez consiga. Mas então, ficarão evidentes as contradições entre sua agenda pró-ricos e a manutenção parcial do Estado de bem-estar social. Ou então o Congresso prevalecerá sobre Trump e ele achará isso intolerável. O que poderá fazer é uma incógnita. Desde que se conhece por gente, nunca enfrentou esse tipo de situação difícil – até que tenha de fazê-lo.
O mesmo é verdade quanto à geopolítica do sistema-mundo. Nem a Rússia nem a China estão prontas para retroceder minimamente de suas políticas atuais. Por que o fariam? Essas políticas estão funcionando para eles. A Rússia é novamente uma grande potência no Oriente Médio e em toda o antigo mundo soviético. A China está assumindo, devagar e sempre, uma posição de domínio no Norte e no Sudeste da Ásia, e ampliando seu papel no resto do mundo.
Sem dúvida, tanto a Rússia quanto a China passam por dificuldades de tempos em tempos, e ambos estão prontos a, oportunamente, fazer concessões a outros – mas não mais do que isso. Trump descobrirá que não é, internacionalmente, o cão alfa a quem todo mundo deve obediência. E então?
O que ele pode fazer quando suas ameaças sejam ignoradas, é de novo uma incógnita. O que todos temem é que ele venha a agir, precipitadamente, com as ferramentas militares que tem à disposição. Fará isso? Ou será contido por seu círculo de assessores imediatos? Podemos apenas ter esperanças.
Então é isso. A meu ver, o cenário não é favorável, mas também não é sem esperança. Se de alguma forma alcançarmos, neste ano, um ínterim de estabilidade dentro dos Estados Unidos e no sistema-mundo como um todo, então as tendências de médio prazo reassumirão sua primazia. E nesse terreno a história, embora ainda sombria, tem ao menos melhores perspectivas para aqueles que desejam um mundo melhor do que esse que temos atualmente.