Pelo que vi, esse é o resultado final da enquete do Congresso Nacional sobre a definição de família. Por um bom tempo o SIM esteve na frente, mas foi ultrapassado. Porém, a diferença é muito pequena. Embora não seja uma pesquisa com valor científico, demonstra o quanto nossa sociedade ainda é conservadora e o quanto precisamos avançar para que, além de moralismos histéricos questionando a chamada "classe política", possamos questionar um conjunto de valores existentes em nossa sociedade.
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“Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”. Jair Bolsonaro.
A imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição não é absoluta, pois somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o exercício do mandato parlamentar.
A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53,caput) – que representa um instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo – somente protege o membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial (locus) em que este exerça a liberdade de opinião (ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática in officio) ou tenham sido proferidas em razão dela (práticapropter officium), eis que a superveniente promulgação da EC 35/2001 não ampliou, em sede penal, a abrangência tutelar da cláusula da inviolabilidade. A prerrogativa indisponível da imunidade material – que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) – não se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao exercício, por ele, do mandato legislativo. A cláusula constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, caput), para legitimamente proteger o parlamentar, supõe a existência do necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro.
Malgrado a inviolabilidade alcance hoje 'quaisquer opiniões, palavras e votos' do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que, ademais, pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente.
Parcela do STF tem acentuado que a prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as suas manifestações que guardem relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da própria Casa Legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509 –RT 648/318), ou, com maior razão, quando exteriorizadas no Âmbito do Congresso Nacional (RTJ 133/90).
Em sentido contrário, Carlos Ayres Britto já entendeu relatando processo que a palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53da CF, com a redação da Emenda 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da EC 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar. Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso Bonsonaro, o discurso se deu no plenário da Câmara dos Deputados.
Lamentavelmente, ao menos na composição de 2014 do STF, vem prevalecendo o entendimento da maioria que confere a maior amplitude possível à imunidade material parlamentar, como se pode depreender do voto que segue proferido pelo Min. Luiz Fux, no AgR RE n. 576.074-RJ, j. 26.04.2011, Primeira Turma, DJe n. 98 de 25.05.2011, em apertado resumo:
Com efeito, o âmbito de abrangência da cláusula constitucional de imunidade parlamentar material, prevista no art. 53 da Constituição, tem sido construído por esta Corte à luz de dois parâmetros de aplicação. Quando em causa atos praticados no recinto do Parlamento, a referida imunidade assume contornos absolutos, de modo que a manifestação assim proferida não é capaz de dar lugar a qualquer tipo de responsabilidade civil ou penal, cabendo à própria Casa Legislativa promover a apuração, interna corporis, de eventual ato incompatível com o decoro parlamentar. De outro lado, quando manifestada a opinião em local distinto, o reconhecimento da imunidade se submete a uma condicionante, qual seja: a presença de um nexo de causalidade entre o ato e o exercício da função parlamentar [...].
Com a devida máxima vênia, o STF revelou certa contradição, porque, em seu início, ficou registrado que “tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo”. Ora, se a imunidade material decorre da função parlamentar, como, em seguida, desvinculá-la do exercício dessa função, pelo simples fato de as palavras, opiniões e votos serem proferidos no interior da Casa Legislativa, tornando-a, apenas por isso, de caráter absoluto? Onde o amparo constitucional para se chegar a tanto? Para tanto, é preciso observar, de início, ser intuitivo que a Constituição Federal, ao definir o rol de prerrogativas em favor dos parlamentares, o fez não em razão de um suposto prêmio especial às pessoas que pudessem alcançar esses cargos de destacada posição estatal, mas para assegurar a plenitude e total independência de seus titulares no exercício das funções inerentes aos referidos cargos. Marco Aurélio, entrementes, foi preciso em sua exposição no sentido que sustentamos:
O objetivo maior do preceito [art. 53 da Constituição Federal] é viabilizar a atuação equidistante, independente, sem peias, no exercício do mandato [...]. De modo algum, tem-se preceito a viabilizar atuação que se faça, de início, estranha ao exercício do mandato, vindo o Deputado ou Senador a adentrar, sem consequências jurídicas, o campo da ofensa pessoal, talvez mesmo diante de descompasso na convivência própria à vida gregária. A não se entender assim, estarão eles acima do bem e do mal, blindados, a mais não poder, como se o mandato fosse um escudo polivalente, um escudo intransponível. Cumpre ao Supremo, caso a caso, perquirir a existência de algum elo entre o que se espera no desempenho do mandato parlamentar e o que veiculado, principalmente quando isso aconteça fora da casa legislativa, em entrevista dada à imprensa. Esperemos que com sua nova composição a discussão retorne ao plenário do Supremo Tribunal Federal e se confira um entendimento consentâneo com o que a Constituição da República, de fato, almejou tutelar, que é o livre exercício do mandato. Ofensas pessoais sem pertinência temática com o exercício do mandato não podem restar agasalhadas pela imunidade material por absoluto desvio de sua finalidade constitucional.
Por que não, tamanho descalabro proferido pelo deputado Bolsonaro, famoso por seus desvios de opiniões, possa ser reapreciada a questão pelo Supremo Tribunal Federal em sua nova composição, e assim tenhamos um desfecho constitucional que não vise blindar o poder, mas sim o exercício pertinente do poder.
Certo infirmamos que, configurada está incontestavelmente a quebra de decoro parlamentar. O conceito de decoro é fluido, indeterminado. A Constituição Federal, contudo, já nos oferece um indicativo a pautar o ato de interpretação. Quando trata das imunidades, a Carta Política se refere às "imunidades DE Deputados ou Senadores" (art. 53, § 8º). Ou seja, as imunidades são prerrogativas exercidas e titularizadas pelos parlamentares enquanto tal. Já quando cuida do decoro, aConstituição menciona "decoro parlamentar" (art. 55, II), e não decoro do parlamentar. Tudo a sinalizar que o verdadeiro titular deste comportamento decoroso, que o real destinatário da norma constitucional, não é o deputado ou o senador per si, mas, isto sim, a própria INSTITUIÇÃO DO PARLAMENTO. É ele, Parlamento, Congresso Nacional, quem tem o direito a que se preserve, através do comportamento digno de seus membros, sua imagem, sua reputação e sua dignidade. Saímos do exercício do mandato parlamentar (objeto de proteção pelas imunidades) e chegamos à honra objetiva do Parlamento, que deve ser protegida de comportamentos reprováveis por parte de seus membros. São nestes termos que o nobre deputado Jair Bolsonaro procedeu com quebra do decoro parlamentar quando em plenário assentou que um de seus pares não mereceria ser estuprada, deixando implícito que outras mulheres fazem jus ao estupro. Uma vergonha para o Congresso Nacional contar em seu corpo com um membro deste talante, respeitando posições em contrário que só estão a reforçar a beleza da democracia e do direito.
Nesta linha de raciocínio, podemos conceituar decoro parlamentar, nas palavras de Miguel Reale, como sendo a "falta de decência no comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos representantes(incontinência de conduta, embriaguez, etc.) e falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente..." Assim sustentamos pela possibilidade de cassação do mandato político do parlamentar em comento por quebra do decoro parlamentar.
Adendo: Este artigo foi finalizado no dia 10/12/14, no dia seguinte, conforme possibilidade aventada por este trabalho, quatro partidos já entraram com pedido de cassação do deputado Jair Bolsonaro no Conselho de Ética da Câmara.