sábado, 10 de agosto de 2013
Fotos antigas mostram negros vivendo em zoológicos humanos
A história conta, mas muita gente sequer imagina que um dia negros, índios e esquimós foram tratados literalmente como animais.
A partir de 1935, a Europa começou a receber zoológicos humanos. Neles, pessoas brancas observavam negros, índios e esquimós em cativeiro. Confira as imagens.
Até o início do século XX, os africanos foram mantidos em zoos em Antuérpia, Basileia, Berlim e Londres. Andavam com trajes típicos e eram obrigados a levar um estilo de vida tradicional: plantando, fazendo esteiras e cozinhando.
Apesar de terem acabado durante a II Guerra Mundial, os zoológicos humanos foram responsáveis pela morte de vários negros em cativeiro
De: IG
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Mais uma paulada no "Fora do Eixo"
Comecei a escrever esse texto com incentivo e a coragem da Beatriz e a certeza de que falar a verdade nada mais é o que a melhor maneira de livrar-se do que ainda te revira o estômago.. a gente tem que enfrentar uma parada quando acredita que ela não é aquilo que diz representar.
2011 começou como o que seria meu último ano em Bauru, cidade onde cumpria meu curso de jornalismo pela Unesp, mesma universidade que uniu os primeiros integrantes do Enxame Coletivo, ponto da rede Fora do Eixo por lá. Entre uns shows e outros que assisti das noites fora do eixo, comecei a produzir conteúdo para eles durante os eventos, por meio da E-colab, Equipe de Comunicação Colaborativa de Bauru, grupo este que surgiu com integrantes do Fora do Eixo de Bauru mas que hoje trabalha independente dele. Escrever sobre as noites, os shows e os sons era muito prazeroso, escrevíamos às vezes, durante o próprio evento. Ali mesmo, online, publicávamos, e partíamos para a divulgação do que rolava ali por Bauru, integrando com outras cidades os comentários que rolavam em outros cantos por aí do país. Foi por essas que conheci o Fora do Eixo. A partir do Canja, comecei a me envolver mais ao Fde. Me encantei, e como sempre faço quando me apaixono por qualquer coisa, me joguei. Fui fundo, bem fundo, tapei meus olhos, cerrei minha boca (fui cerrando aos poucos, melhor dizendo). Meus ouvidos, a cada mês, ficavam mais aguçados (recebiam bem as mensagens vindas de cima) e a mente, mais convencida e dependente… 9 meses depois, antes que chegasse a bater a cabeça no fundo do poço, segurei numa cordinha que pendia perto da minha queda e voltei à realidade. Frustrada sim, decepcionada por demais, mas enfim, voltei a pensar. Passei uma semana olhando pra cima, chorando, questionando os meus porquês, me sentindo culpada. Hoje, primeiro dia que tomo coragem pra escrever sobre esse assunto publicamente, associo o meu envolvimento ao Fora do Eixo com diversos fatores da minha vida. Mas enfim, são tantos assuntos que eu vou tentar, veja bem, tentar definir os pontos que considero importantes para serem publicados e espalhados por aí.
O Canja acabou e eu, a cada dia mais encantada, me propus a trabalhar com o Enxame Coletivo como colaboradora. A cada dia mais envolvida, fui para Araraquara onde acontecia o Congresso Regional do Fora do Eixo, em agosto de 2011. Ali, conheci mais gente incrível, cheias de ideias para construir cenas independentes da cultura em suas cidades, para distribuí-las para todo o país, enfim, o discurso que todo mundo aqui que já conversou com qualquer pessoa do Fora do Eixo, já ouviu, pois sim, é bem rápido que se pega o vocabulário e as expressões te encantam, é uma bomba de novidades que faz seu coração e sua mente pensarem "finalmente, encontrei pessoas que pensam e querem mudar o mundo como eu". É, podem rir, mas é verdade, é essa exata sensação que eu tive. Não que mudar o mundo seja uma ação como a de um super herói, mas me refiro às que propõem mudança no seu espaço e em rede, integram essas mudanças que chegam enfim a ser grandes e fazem isso de forma coletiva. O congresso me pirou… e mais ainda porque foi ali que eu conheci o Pablo Capilé. No segundo dia de Congresso, cheguei ali e vi um cara argumentando brilhantemente bem diante de um outro que fazia algumas críticas. O pessoal que fazia críticas era de São Carlos e questionava a atitude da cúpula do Fora do Eixo por terem tirado os caras mais influentes do coletivo de São Carlos para irem viver em São Paulo. (Aqui vale ressaltar que quando eu perguntei o porque de "Fora do Eixo" me contaram que a proposta da rede era fugir da cena Rio-São Paulo e assumir um papel de incentivar as cenas culturais independentes de quaisquer outros cantos do país… No último ano de 2012, a maior luta do Fora do Eixo foi conseguir entrar no Rio de Janeiro, cidade que, durante o Congresso Nacional de 2011, foi imposta pelo Capilé para ser a sede do Congresso do ano seguinte, mas o Rio de Janeiro não abriu as pernas assim. São Paulo, um ano antes, recebeu a rede, conhecida mas nada comparada ao que é hoje, e foi arrombada pela mesma, tudo quanto é evento era coisa do Fora do Eixo, mas não necessariamente porque só eles fazem acontecer, mas porque sim, se apropriavam de realizações de outras organizações como muitos movimentos estão gritando por aí… que o Fora do Eixo não os representa. Mas enfim, vamos voltar ao meu relato pessoal. Conheci o Pablo e ele, obviamente, viu nos meus olhos que eu estava ali, encantada com tudo o que estava ouvindo, conhecendo, descobrindo. Me chamou para uma conversa pessoal (o que deve acontecer com um monte de gente, mas no dia, eu me senti muito importante, e meus próximos ficaram intrigados do porque "O grande Pablo Capilé" queria falar comigo, hoje eu bem sei que ele queria saber mesmo o quanto eu já estava dentro, envolvida, fascinada). Na conversa, fez com que eu me sentisse importante naquela rede, me fez ver o quanto meu papel como "mulher", como ele dizia, era essencial para que Bauru voltasse com toda a potência como antes (a integrante de Bauru que tinha saído do coletivo para ir morar na Casa Fora do Eixo em São Paulo era a única mulher até então, quando eu entrei, a ideia era, praticamente, que eu ocupasse seu espaço, cumprisse suas funções).
Em pouco tempo estava no núcleo duro do coletivo de Bauru, e por conseqüência, morando na sede de lá. (Núcleo duro é o grupo que está mais envolvido com a rede, dentro de um ponto (numa cidade) da rede e, por conseqüência, tem mais poder de fala, mais poder de decisão, mais poder, enfim, ou melhor, como eles dizem mais "lastro", o que pra mim significa tudo a mesma coisa e vem sim com o mesmo tipo de prepotência que a gente assiste ai nos poderes públicos do país. Lastro é sim poder, mas sobre isso eu vou falar mais pra frente). Continuando, meu último semestre na universidade ia por água a baixo. Liguei pra minha mãe e disse "mãe, não vou terminar a faculdade, a universidade não está com nada, vou trabalhar com educação popular, com conhecimento compartilhado que vai além desse engessamento institucional e bla bla bla. Ela, como sempre, tentou me entender e me disse "confio em você". E assim foi, intensamente, me joguei por completo. Já fazia parte de reuniões da regional São Paulo, e, com cada vez mais envolvimento e, bem percebido pelo núcleo duro geral da rede, estava sendo muito acionada por integrantes de outros pontos, "pequenos", da regional São Paulo. Só pra pontuar, digo pequenos aqui pra tentar demonstrar o que isso significava ali dentro da Casa Fora do São Paulo, sim, São Paulo era o controle dessas cidades do estado de São Paulo e também de todas as outras cidades do país e a ligação com os integrados na América Latina. O "pequenos" significa que eram menores em termos de poder em relação a rede e lá em Bauru, começamos a receber grupos de cidades que até então não tinham ponto fora do eixo e que estavam interessados em entender o que era a rede e fazer parte dela. Através de imersões (que aprendemos a fazer durante uma nossa lá na Casa Fora do Eixo São Paulo), começamos a espalhar o conhecimento da rede, as ideias, os vocabulários, os vícios, as dependências, e tudo mais que vem embolado nessa seita, com cara de culturalmente popular, musicalmente descolada, pessoalmente encantadora, internamente… cheio de gente incrível que está cega como eu já estive e com um número contável nas mãos de quem são os controladores e administradores da rede querendo consumir só uma coisa em você: a sua mente. E para quê?! Sinceramente até hoje eu não sei o que é que realmente o Capilé quer fazer da vida dele, nem até onde ele quer chegar. Antes eu pensava que ele queria, sei lá, virar ministro da Cultura, saca. Hoje eu acho que isso tá pequeno pra ele. Ele quer mais, e é por isso que não se diz de partido algum, surfa no mar de vários, tem interlocutor no partido da Marinão que eu sei, tem interlocutor no PT (que é o partido com quem esteve sempre mais próximo), e por aí vai. Hoje eu vejo o Fora do Eixo como uma rede que tá alimentando a imagem do Pablo Capilé, o grande criador da ideia de valorizar a troca de produtos e serviços, o grande criador da moeda solidária, que é o tal mal dito "card". Aliás, na moral, se o Fora do Eixo fosse pagar tudo o que deve em card (e em dinheiro) para os outros, poderia fatalmente decretar falência.
Bom, continuando, saí de Bauru por 10 dias para fazer uma turnê com uns amigos de Bauru que haviam lançado um filme por lá e fecharam com o Fora do Eixo para circularem com eles por algumas cidades do Estado de São Paulo e mais outros dois integrantes de outras duas cidades que tem sede do Fora do Eixo, hoje nenhum deles está mais na rede. E em cada cidade, esses eventos, eram além de tudo, um momento de divulgar a "beleza" da rede. Um desses meus amigos me alertou sobre o quanto eu estava sendo impositiva quando tratava de falar para alguém o que era a rede Fora do Eixo e o quanto eu tava, de certa forma, pesando na mente das pessoas… naquele dia eu discuti com ele, fiquei puta da vida, falei que ele tava atrapalhando meu papel ali de aproximar as pessoas da rede (e sim, eu estava reproduzindo exatamente da maneira que eles queriam… em pouco tempo eu já havia adquirido o vocabulário que encanta quando bem discursado e saía por aí espalhando essa seita São Paulo a fora). No último dia de turnê o Capilé ligou no meu celular. Perguntou como tava rolando a turnê, como tava minha articulação com os possíveis novos pontos e tal… no fim da conversa disse assim: "então, o que você vai fazer sábado!?" isso era quinta, eu estava voltando para Bauru. "Eu gostaria que você viesse pra São Paulo sábado, aqui na casa fora do eixo São Paulo… vai rolar a festa de 10 anos da Fórum e eu gostaria que você estivesse aqui pra participar com a gente". Puuuuuuuta que pariu, me senti importante pra caraaaaaalho e olha só que irônico… hoje, eu vejo essa minha reação como nada mais que uma pessoa que inconscientemente ignorava o propósito horizontal da rede, pois ali eu estava vendo um momento de "subir na rede" como tanto já tinha ouvido falar e que, se entendermos essa expressão ao pé da letra, nada mais é do que a mais pura contradição da sua concepção. E isso rola com muita gente lá dentro, que se esquece e deixa o evo falar mais alto.
Cheguei na Casa Fora do Eixo em São Paulo naquele sábado. Entrei, vi a programação pregada no primeiro poste da casa e a roda de conversa que seguia trazia entre os debatedores "Laís Vellini", pensei eu, que curioso, tem uma mina com o nome quase igual o meu, e ela tá aqui. Beleza. Entrei, vi o Pablo, dei oi pra ele.. e ele: "ainda bem que você chegou, você entra no próximo debate." (WTF!?) Sim, o Pablo me colocou ali pra falar sobre o Fora do Eixo, defender a rede num debate que tratava de "Juventude, Ruas e Rede", eu tava no Fora do Eixo há menos de 6 meses. No mesmo papo estava o Cauê, um cara que eu conheceria de verdade mais adiante, quando fui trabalhar no Outras Palavras. Naquele dia, ele pareceu um cara que questionava uma coisa que pra mim era, naquele momento, a essência de algo que da teoria à pratica estava funcionando: a rede. Por baixo dos panos, a piada do foradoeixo com o Cauê era de que ele era muito "esquerdinha", tinha muito papo de teoria e nada de prática (na moral, ninguém ali conhecia o Cauê nem tampouco o que ele fazia da vida pra tacharem o cara de esquerdinha porque ele partiu pra fazer umas críticas - e olha que as críticas foram bem de leves). Mais pra frente eu ia entender que a coisa não é assim. Aliás, foi esse mesmo ponto que foi dito quando o Giuseppe Cocco, professor da UFRJ e criador da Uninômade, entrou em debate num dos grupos de email que tratam de Políticas Culturais no Brasil, o chamaram ali dentro de "esquerda demais", assim como o passa-palavra, o Arbex, e outros que escreveram críticas ao fora do eixo. A galera critica com conteúdo, lá dentro é tachada de esquerda demais. Hoje, eu analiso aquele dia como mais um dos dias em que o Pablo te coloca numa sinuca de bico pra ver como você se sai, e também, de certa forma, pra alimentar o seu ego, pra que comece a entender de uma maneira ou outra esse processo de querer "subir" na rede. Sim, bem na humildade, hoje, refletindo, consigo me deparar com diversas vezes em que, ali dentro, eu mesma agi de modo a impressioná-los, a querer subir na rede, para poder falar mais, alçava a possibilidade de um dia, páreo a páreo, poder perguntar, criticar uma coisa ou outra afim de que a rede melhore, mas isso é mera ilusão. E sim, tá cheio de gente lá dentro, com quem conversava, trocava ideia (quando dava tempo) que tinha medo da cúpula, que tinha medo de perguntar, de questionar, de opinar. A galera faz sim o que pedem, a todo momento. Sim, tenho amigos ali dentro que me vêem como quem desistiu, mas não se dão conta do escravismo que estão vivendo, e aqui eu digo escravismo referindo-me ao mental e ao financeiro. Quem toma coragem pra sair da rede tem que ter algum recurso financeiro para recomeçar a vida do zero e muitos, que eu sei, ainda enfrentam longas sessões de terapia. Muitos amigos meus preferiram mudar de cidade, mudar de ares, enfim, pra tentar tudo de novo… uma das coisas interessantes que notei é que quando você está ali dentro, e não importa a época - não me refiro a agora que há por exemplo a Mídia Ninja pautando assuntos nacionais e internacionais, mas sim tempos em que eu ainda estava por ali e a coisa tava só começando com essa mídia mais externalizada -, enfim, você acredita piamente que tudo o que você está discutindo, debatendo, refletindo é sobre a própria rede, em constante ação de marketing.
Ah, quando eu digo cúpula, falo das seguintes pessoas, que, a meu ver, seguem sua própria escadinha de hierarquização, de poder (lastro, como eles dizem): Pablo, Lenissa, Mari e Carol e Felipe (os dois últimos num mesmo nível). Vejam aqui que isso aqui é mera opinião minha, um peixe pequeno naquele mar cheio de espécies… desde os mais capacitados questionadores que logo sumiram com suas caras, até o mais manipulado deles (e entendam que aqui cabe de tudo.. como dizia ontem a um amigo, tentando explicar-lhe a sensação, hoje é mais fácil você se colocar em questionamento sobre a rede, pois eles existem e a cada dia vem surgindo mais críticas, mas há dois anos atrás, um ou outro gato pingado que resolvia criticar era rapidamente abafado, rotulado de rancoroso e seguíamos adiante com nosso afazeres).
Enfim, 15 dias depois eu estava de volta à Casa Fora do Eixo, dessa vez para trabalhar no pré-congresso. O Congresso Nacional Fora do Eixo que aconteceria, como votado no ano anterior em São Carlos, foi mudado impostamente pela cúpula mor para ser então em São Paulo, mas claro que se você perguntar isso pra eles, vai ter um milhão de respostas do tipo "decidimos em reunião coletiva" "todos podiam contra argumentar mas não tinham opção melhor" e bla bla bla. Não, meu bem, a parada ali acontece quando o Pablo quer. Quando, como, onde, e da maneira que ele quiser. E na moral, "você, que acabou de chegar e, tampouco você que tem os mesmos 6 anos de rede como ele, tem lastro como o lastro de Pablo… por isso, vai de boa, num pergunta muito não porque ainda te falta lastro, quando você tiver lastro, você terá mais poder de voz, aí pode perguntar mais, pode contra argumentar". Eu já vi gente que tem mesmo tempo de rede baixar a cabeça, já vi medo estampado no rosto de pessoas que tão ali na mesma dedicação que ele, já ouvi me falarem que tem que ficar quieto porque ele sabe o que tá fazendo e que a gente tem que confiar e não ficar perguntando muito.
É, a coisa ali funciona bem assim. Comecei a trabalhar então pelo Congresso Fora do Eixo que aconteceu em dezembro de 2011, em São Paulo. A gente trabalhava das 8h, 9h da manhã até às 03h, 04h… e olha que eu não reclamo de muito trabalho quando acredito na causa… mas o problema que eu vejo é que ali parecia uma nóia coletiva de um querer demonstrar mais trabalho que o outro para o seu gestor. Sim, porque ali dentro haviam gestores. A galera nova que chegava tinha seu gestor, dependendo em que área ia trabalhar. Eu fiquei trabalhando com a Carol, na Universidade Fora do Eixo, e diversas vezes eu saquei que o "lastro" da Lenissa era o maior ali entre as meninas e ela junto da Mari que já estavam a mais tempo ficavam constantemente posicionando a Carol para ela se impor por cima de mim. E aí vem uma lista de coisas absurdas da vivência ali dentro que eu acho que tem que ser explicitada, lembrando ainda que espero eu que pessoas como Reinando Azevedo, um dos caras que mais me enojam na grande mídia, não venha considerar que quem está descrevendo aqui sua experiência tem alguma coisa a ver com seus ideais… pelo contrário.
Quer fazer crítica!? Faça diretamente ao seu gestor que ele resolve com você. Você quer conversar com seu amigo, você não pode. Sim, você tem um gestor lá dentro da casa e, sim, você não pode sair por aí conversando com sua amiga que vive e trabalha no mesmo lugar que você. Lugar este que por sinal pauta ser uma rede coletiva, compartilhada, integrada, de muito amor em sp e em todo o mundo. Eu conversei algumas vezes com alguns amigos e, no que se chama lá dentro de "choque pesadelo", fui chamada várias vezes pra conversas em off, a pressão é forte ali… na hora, você se sente a pessoa mais errada do mundo, sente que tá fodendo com um propósito muito maior e para de conversar com a sua amiga. Sério… eu fui proibida, digo proibida mesmo… de conversar com o cara que ali dentro eu considerava ser o meu melhor amigo. A seguinte frase foi dita a mim: "Laís, o Gabriel era seu "amigo" lá em Bauru. Agora ele está aqui para trabalhar com o Felipe. Qualquer coisa que ele precisar ele tem que conversar com o Felipe. Você tem que conversar com a Carol. Vocês não tem que ficar de conversa. Aqui dentro vocês não são amigos. Vocês trabalham para a rede e em setores diferentes." Claro que a coisa começou a pesar pro meu lado porque eu comecei a sacar que me tornei uma espécie de vírus ali. Não podia mais conversar com as pessoas que queria, com quem me sentia a vontade. Sinceramente, era muito nítida a falsidade todas as vezes que a Carol ou a Lenissa e a Mari me chamaram pra conversar como "amigáveis". Mas quando se está lá dentro, você tem medo, medo de responder, de questionar e acaba acreditando que fazer o que estão te pedindo será melhor para o coletivo. Ou seja, é bom você não conversar com seus amigos ali dentro porque se conversar pode ficar espalhando críticas absurdas que são "da sua cabeça" e isso não é bom… até porque na concepção delas eu era uma garota mimada, de classe média que não vi o que é sofrer pra crescer na vida e portanto não agüentava viver na pressão que a rede tinha pra conseguir se desenvolver. Se eu queria perguntar, eu tava perguntando de mais, tava com, como a Lenissa me dizia "síndrome da aparesidisse".
Catar e cooptar. Vejam bem moças e rapazes, se você for considerado um perfil estratégico para estar e entrar na rede, cuidado, você em breve pode perceber alguma pessoa que vai se aproximar bastante de você, mas bastante mesmo a ponto de demonstrar muito desejo por você. Quando você está se aproximando, há reuniões que acontecem dentro da cúpula, as vezes com mais uns ou outros, que podem ser indicados para tal ação, para definir quem é a pessoa que tem mais perfil para dar em cima de você e te fisgar pra dentro da rede. Sim, essas conversas acontecem em reunião e ali é definido o nome da pessoa que vai partir pra cima. Cada um aqui que tire a sua conclusão. Tanto sei desse papo que soube ainda que ficaram preocupados quando o cara que foi enviado para partir pra cima de mim não conseguiu, e por isso não sabiam o quanto eu estava me envolvendo realmente com a rede ou não. Só pra pontuar, quando eu ainda estava lá, eu participei de uma conversa na qual propunham que eu tinha que demonstrar que eu estava mais dentro, que eu estava mais entregue à rede, pra que elas pudessem confiar em mim e pra que eu pudesse partir pra fazer ações estratégicas como sair pra catar e cooptar uns caras que considerassem interessante estar dentro. Uma semana depois dessa conversa eu estava fora. E não se enganem queridos, o amor tá aí pra ser mais uma ferramenta… seja você um(a) universitário(a), um(a) intelectual, um(a) artista interessante pra eles, um(a) professor(a) bem posicionada politicamente. Não importa, se você é alvo, o "amor", ou melhor, o "pós-amor" é uma ferramenta.
Quero pontuar uma coisa interessante também… o sexismo forte que existe numa rede que se propõe apoiar "feministas". A sala das meninas é a sala do Banco, da Universidade… a sala dos meninos é a sala da música, da política. E por favor, que cada um tire suas conclusões. Mas o direcionamento é algo bem nítido. Me pergunta qual o sexo do gestor da cozinha. E me pergunta quem sai pra uma ou outra noitada do Fora do Eixo pra dar as caras na festa com uma "galera".
Com quem você se relaciona?! Não queira estar lá dentro e se relacionar amorosamente com qualquer outra pessoa que esteja fora da rede. Você vai viver aquilo ali e nada mais. Ficar dentro da casa o dia inteiro e só sair quando é necessário para a casa (cumprir alguma agenda da sua frente de trabalho ou então se você está escalado para almoço, compras, algo do tipo). Você não vai sair de casa para ir ao cinema, nem tampouco ao teatro, você não vai sair pra ouvir um som, nem tomar uma cerveja com o seu vizinho, afinal você nem conhece seu vizinho, porque não há tempo, espaço, disponibilidade. Você vive dentro da Casa Fora do Eixo São Paulo e isso é a sua vida. Se você quer visitar seus pais no interior… olha sinceramente, que você tenha um bom motivo… e que não venha "pedir" 2 meses seguidos. Sim, porque ali o verbo era esse. "Posso ir visitar minha mãe essa semana?", coisas do tipo. Tá afim de encontrar uma pessoa que não faz parte da rede?! Vai inventar a maior mentira pra conseguir sair dali uma noite se quer, e no dia seguinte se demorar pra voltar, não tem cara bonita te dizendo bom não. Ali, é cobrança 24h por dia. Agora, ai de você perguntar porque o Pablo tá saindo. Porque a Lenissa vai passar 3 dias fora. Você não tem que perguntar. Ela vai sair, vai usar o dinheiro do caixa coletivo, não vai pedir a ninguém o quanto vai usar. Mas claro, veja bem, ela tem "mais lastro que você". O Pablo resolveu dormir até mais tarde e perdeu o vôo. Não importa, ele nem se deu a obrigação de cancelar o vôo. "Você vai ligar lá Laís, vai dar um jeito de trocar a passagem." "Mas já passou a hora do checkin" "não importa, troca, ou compra outra, tem que comprar outra, rápido Laís, já resolveu (o gtalk bombando!!!) vai Laís, vai logo, menina, tá lerda hoje, você é lerda mesmo né, parece retardada". Sim, você fica na função de comprar 70 passagens aéreas e não para durante 4 dias fazendo todas as cotações possíveis e impossíveis. Ai de você comprar um horário que seja errado. Ligue para ela, pergunte que horas ela vai chegar. Tem que ter um vôo pra ela. Laís, você é retardada, NÃO TÁ OUVINDO O QUE EU TO FALANDO?" É nesse nível. E retardada é pouco. Já ouvi a Lenissa mesmo xingar com uma raiva gigante vários que passaram ali na sala "das meninas" por motivos absurdos. Eu passava horas e horas suando pra conseguir prosseguir com as passagens e constantemente sob o olhar difícil de descrever da Lenissa. Era uma mistura de prepotência com aspereza e intencionalmente querendo me passar medo. Sim, ela gostava que eu tinha medo dela. Hoje, não tenho mais. Sei que tudo ali fazia parte dessa tendência de manter você ali dependente da rede e de tudo o que ela teoricamente, na sua cabeça representava de grandioso. E já vi Pablo falar assim com muitos caras ali dentro da sala da música. A sala, com Felipe e com Pablo era uma. Sem eles, era outra. A casa também, mudava o clima. E todo mundo que tá lá, obviamente vai falar que é mentira. Eu já fiz isso. Já senti imenso "prazer" em estar vivendo aquilo e me auto sabotar sem nem perceber.
Quero fortemente pontuar que as pessoas que vivem ali dentro, muitas, a maioria delas, considero que vivem a mesma situação que eu. Eu já estive lá. Já vivi momentos em que aparecia um texto com crítica ao Fora do Eixo e aparecia o Pablo sala por sala ou recebíamos a informação via gtalk: " Escrevam aí sobre o quanto você curte estar vivendo isso aqui, o quanto a gente faz coisa massa", e ai, como mais uma demanda, em 15 minutos o facebook tinha 300, 400, 500 textos com esses mesmos tantos de curtir e compartilhar. É bom lembrar que curtir e compartilhar coisas que o Pablo e mais outros por lá escrevem no facebook é demanda diária. Mas quando você está lá dentro parece mais que você está defendendo a causa da rede, que por mais que você tenha crítica, todo mundo tá ali pra algo maior. E sinceramente, acredito muito que tem muita gente lá dentro que tá lá da mesma maneira que eu, mas que tá trabalhando pra meia dúzia de gatos que controlam tudo o que estão fazendo diariamente, no seu quarto, no seu computador, na sua vida.
Eu já cheguei a ouvir da Carol (e sinto muito que são fortes recomendações da Lenissa e do Pablo) coisas do tipo: "com quem você está conversando aí no facebook Laís? Esse cara nem é do Fora do Eixo. Quem é ele?! Porque você está conversando com ele" e veja bem, ai de você perguntar alguma coisa a Pablo, Felipe, Mari, Lenissa, Carol no mesmo nivel de prepotência. Ai de você querer saber o que ou com quem o Pablo conversa horas de porta fechada. Qual o assunto da conversa fechada em gtalk entre eles e assim por diante. Aliás, pra desmistificar esse encantamento sobre as reuniões gerais… elas são pré-definidas… inclusive seus encaminhamentos. Explico: "Mandem suas pautas, todos podem mandar pautas até dias antes da reunião "geral, aberta, participativa". Assim, horas antes da reunião geral, sempre há reunião da cúpula, em off… preparam textos já combinados com encaminhamentos pré definidos. Às vezes até propõem a você, que está ali do lado e também vai participar da reunião, para que você escreva sobre algum dos pontos que vão ser debatidos, mas claro, já com o encaminhamento dado.. e claro que isso não acontece explicitamente, mas quem vive lá dentro sabe, sente, mas não pergunta nada, a gente sabe. Durante a reunião, deixam um monte de gente de tudo quanto é coletivo falar, expor sua opinião, escrever sua idéia e depois vem, na ordem: o texto brilhantemente escrito de quem ficou pra escrever, entre eles, sobre a pauta tal, em seguida os outros com um "massa! curti sua ideia" e mais uma ou outra proposta incrementando. E aí, sempre se ouve na sala alguém falando "chuva de Ok" ou "chuva de sim", pra adiantar o processo, evitar debates, discussões mais aprofundadas e pra que deslegitime qualquer possibilidade de uma contraproposta. Na verdade, se ela vier, pode saber que há uma resposta pra isso e que eles já estão combinados com tudo o que vão apoiar. E posa vida né, você que acabou de entrar, tá aí quietinho e vai argumentar contra os 5 caras mais "fodões da parada"? Não! Você vai ficar quietinho e participar da chuva de sim! Qualquer mudança de rumo no meio das reuniões eles estão conectados em gtalk e rapidamente se apóiam. É tudo muito rápido e você meu cara, não vai nem perceber. Eu sei que daqui, depois disso que to escrevendo, vai aparecer muita gente dizendo que é tudo mentira, que sou rancorosa, mesquinha, filha de mamãe e bla bla bla. Ok, ok, eu também já escrevi textos dizendo que tal pessoa era rancorosa, mentirosa e que eu era pós-rancor. Eu sei como funciona, apesar de ter passado só 9 meses na rede, pouco tempo na Casa Fora do Eixo São Paulo, ter tido pouco "lastro" e bla bla bla, foi bem mais que o suficiente para me implodirem lá dentro ao perceberem que eu estava despertando, claro.
Sim, me distanciaram dos meus amigos. Me questionaram sobre minha vida amorosa. Disseram pra eu não me relacionar com tal pessoa porque "este não é o momento de você se relacionar com tal pessoa. É o momento de você trabalhar para subir na rede, para adquirir lastro, para ter espaço pra falar, pra conquistar essas coisas, você tem que assumir esses papeis". "Laís, porque você tá indo caminhar todos os dias no Parque com a Bianca. Acho que vocês duas estão conversando muito. Não é para vocês ficarem conversando muito". "Laís porque hoje você ficou de risadisse com os meninos na cozinha!? Você é mulher, tem que se posicionar como tal, não é pra ficar de conversa, de risada com ninguém na cozinha. Vai na cozinha porque tá com fome. Pega o que tem que comer e voltar a trabalhar. Não tá vendo que tá todo mundo aqui focado!?". Na moral, o que é se "posicionar" como mulher? E foco? Ali é passar o dia inteiro fazendo marketing online do Fora do Eixo. Toma banho rápido. Vai no banheiro correndo. Ninguém na casa lê livro algum, porque não dá tempo, isso não existe. E, ainda mais com o discurso do Capilé de que ler é perda de tempo, que agora a comunicação está mais dinâmica, que a gente usa o facebook pra ter informação de tudo e que isso basta juntando um ou outro artigo e tal que você vai ler porque obviamente estará falando do Fora do Eixo, e sim, isso é tudo. Cinema… tem um clube de cinema dentro da rede e marcávamos uma vez por semana (que era nossa hora de descanso da semana) para assistir a algum filme. Mas, sim, rolava uma puta pressão psicológica e disfarçada. Porque, na real, se a sua gestora não vai assistir, porque você vai?! Você tem que trabalhar e trabalho ali, meu amigo, não tem fim.
Outras coisas que acho interessante questionar. Grito Rock 2012, do nada o Felipe chega e diz que vamos gravar não sei quantos segundos para passar na Rede Globo o comercial do Grito Rock. Por que raios vamos passar o comercial do Grito Rock na Globo!? Na moral, esse assunto, por debaixo das asas da cúpula, gerou burburinho entre a galera, mas como ninguém tem coragem nenhuma de perguntar nada, ficou por isso mesmo, eu inclusive fui num estúdio ver gravar a voz de dois amigos pro comercial e mais nada sobre isso pra geral foi dito. É lógico, isso é coisa de conversa da cúpula. Assunto de quem tem lastro maior, olha a hierarquia aí. Quando o China escreveu merda do Fora do Eixo, era quase véspera de Natal… ficamos mais um dia em São Paulo, porque a repercussão foi tão intensa no campo da música, que o Fora do Eixo tinha que dar uma resposta e naquele dia foi chuuuuva de likes pra cada depoimento que surgia, e você.. que vá escrever o seu sobre o quanto de amor tem pelo fde.
O dinheiro de verdade do Fora do Eixo. Na moral, o que eu vou escrever aqui diz respeito a somente o que eu associei entre conversa com ex integrantes do fora do eixo, e vivências que tive na casa, além de acessos a documentos e, claro, ao poder de pensar que readquiri tempos depois de sair da rede. Não venham me pedir que prove isso ou aquilo, quem tem que provar que não é assim que funciona são eles. O esquema que consigo visualizar é bem simples e vou tentar descrevê-lo: o Fora do Eixo é uma rede com vários coletivos. Quando existia em Cuiabá o Cubo eles tinham uma associação, a Asprogic, cuja presidenta, se não me engano, é a Lenissa. Em São Carlos, uma outra associação existia e se chamava Associação Caminho das Artes cuja presidenta depois de um tempo, se tornou a Carol. A partir disso, tem-se, ali dentro da cúpula do Fora do Eixo, duas pessoas que são presidentas de duas associações, portanto, que podem emitir notas, e podem emitir, portanto, notas de serviço a outras organizações. Organizações tais que podem ser por exemplo, o Fora do Eixo, que recebe dinheiro público por editais ou relações diretas com empresas privadas como a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, a Oi, etc. Quem recebe dinheiro para apoiar atividades culturais tem que justificar os gastos. Por exemplo, então, a associação Caminho das Artes pode prestar um serviço ao Fora do Eixo e emitir uma nota sobre sua atividade prestada a tal organização que vai servir de justificativa ao que o Fora do Eixo tem que apresentar ao governo ou a empresas que o apóiam.
Outro dia fiz umas associações na minha cabeça e me coloquei a questionar… bom, um coletivo do Fora do Eixo quer fazer um festival local, em sua cidade. Trabalha com o card para fazer troca de serviços com várias organizações e empresas, consegue assim, gastar o menos possível em dinheiro real para realizar. Por vezes, rola inclusive apoio da prefeitura, até porque os caras já tão ai "bem vistos na mídia"… Aí pode rolar um apoio da Oi no Circuito Regional de Festivais, que vai e apóia com alguma parada específica. Aí vai a Petrobrás e investe com 600 mil na Universidade Fora do Eixo, que busca contrapor a ideia de cursos e propõe a ideia de percursos. Através disso, circulam pelos "campus" do Fora do Eixo os "docentes" da Universidade Fora do Eixo. E os "campus" Fora do Eixo nada mais são do que os próprios festivais que já rolam independentemente da Universidade Fora do Eixo. Em realidade, a Universidade divulga uma lista de docentes, pessoas de nome influente na cultura e na política, na educação e nos movimentos, que estão se aproximando da rede e tão achando legalzão o que eles fazem… o Pablo com todo seu discurso lindo o convida para ser docente do Fora do Eixo e o cara acha a idéia massa, e topa. Pronto, tá lá sua foto no flyer da Universidade Fora do Eixo. Ele te chama pra ir dar uma palestra, participar de uma mesa lá numa cidade do interior de São Paulo, por exemplo, e aí pronto, você vai, porque tá achando a ideia legal, vê que eles dividem tudo, grana e tal, acham que não rola grana por aí e tal e aparece na capa do Fora do Eixo, não recebe cachê, participa de uma mesa, e pronto, você já é contabilizado como um apoiador. Uma parada aqui só pra contar que eu sei de gente que nem sabia que taba com a cara estampada nos flyers da universidade foradoeixo e descobriram depois, quando viram na internet. Sem contar que, dos flyers lançados pela Universidade nesses campus que são os festivais, metade dessas pessoas são "orgânicas", ou seja, é a galera que vive la na Casa, que tá no Fora do Eixo e que tá ali preenchendo o espaço porque vai lá dar uma palestra sobre comunicação colaborativa ou sobre a Rede Brasil de Festivais. E olha que aqui, vale lembrar, eu não deslegitimo o quanto eu acho massa incentivar festivais, circulação de gente, de pessoas que vão acrescentar conteúdo em diversos cantos desse mundo, pelo contrário. Simplesmente, o que me deixa chocada é que ali eles não estão interessados em falar sobre comunicação colaborativa, estão só ali fazendo mais marketing do Fora do Eixo. Falando do Fora do Eixo. Eles não vão falar dos Festivais mil e dar espaço pra que surjam um milhão de novos grupos para fazer festivais no país. Eles vão te ensinar como se tornar um ponto fora do eixo e aí você vai fazer festival sobre a guarda das ideias deles, com as bandas que circulam com eles. E é tão mais fácil já que você já vai ter gente que trabalha o seu marketing, a circulação, te ajuda com mil e uma planilhas que você só tem que aprender a preencher e por aí vai.
Pergunta pra Ivana Bentes e pro Claudio Prado se eles vão sair de suas bem acomodadas e "media ou alto classeadas" casas e vidas para ir viver numa casa fora do eixo, dividir seu quarto com mais 8 pessoas, suas roupas com mais 20, 30 pessoas, seu sabonete com mais 22, sua bermuda com mais 15 caras, vai lavar a louça do almoço pra 80 pessoas e o prato do Capilé (que eu nunca vi lavar uma louça em todo tempo que estive morando lá, "mas calma lá Laís, ele tem coisa mais importante pra fazer"). Também nunca vi Carol, Lenissa e Mari fazer um almoço, uma janta. Ops, vi sim, acho que duas vezes, quando deu uma vontadezinha de fazer uma coisa diferente. "Mas Laís, deixa de ser mesquinha, egoísta, você acabou de chegar, tá perguntando coisa demais, fica de boa, vai de boa". Eu nunca vi Mari, Lenissa, Carol, Pablo, Felipe, levantarem da cadeira pra lavar um banheiro pós-domingo na casa… e nunca vi também alguém ter coragem de pedir pra eles ajudarem sendo que batia final de domingo na casa e o resto da casa toda levantava e ia limpar a parte inteira externa pra ficar limpa porque segunda-feira a vida e o trabalho continuam. Eu nunca vi nenhum deles sair pra fazer compras. E na moral, não me venham dizer que já fizeram muito quando começaram há 5 anos atrás ou quando a casa em São Paulo surgiu e bla bla bla, sinceramente, pra mim, quer viver num coletivo, então viva como um coletivo, horizontalmente, e sempre horizontalmente, sempre, dividindo trabalho braçal, compartilhando o intelectual, trocando constantemente, de verdade, não de mentirinha.. Não vem com esse papo de horizontalidade sendo que o Fora do Eixo é uma das estruturas mais engessadas que eu conheço na minha vida, ditatorial diria eu. Com seus ministros e seu presidente muito bem auto-intitulado rei-mor da bancada. Diria mais, ali se vive uma ditadura monárquica com toda a sujeira de autoritarismo de milhões de outras caras bonitas que possa haver num governo que se descreva como tal. Monárquica porque o Pablo é um rei lá dentro. Só não parece porque ele não se importa muito em demonstrar e porque também, po, é bem descolado aparecer como um cara de boa, que não liga pra roupa que tá vestindo, tá sempre tranqüilão… é o pós-rei-cult. E dito ditatorial porque a única coisa que eu consigo associar com o medo que existe nas pessoas em questionar o poder da cúpula é a ditadura. E sim, eu sou rancorosa pra caralho, na moral, vem falar de coletividade, de horizontalidade?! E ainda diz que horizontalidade é entender que você tem seu papel e a outra pessoa tem a outra. Porra, isso eu entendo muito bem. Aliás, acho até interessante ponderar, a idéia de coletividade funcionou internamente bem em muito coletivo por aí… a horizontalidade é possível. Mas claro, o papel do Pablo é articular, ficar analisando se está tudo no caminho que eles querem, mas tempo pra fazer trabalho braçal não, eles não tem mais, e você tem que entender… e quando você tiver lastro você vai poder ser como eles, olha que legal gente! "Calma Laís, você tem que crescer primeiro na rede" mas que porra de idéia de crescer é essa se essa merda aqui se diz horizontal?! putaquepariu, não to entendendo mais nada.
Eu dividi o que eu tinha ali, não me venha dizer nas respostas que podem bombardear minha vida depois desse texto, que eu não dividi. Eu dividi sim, e dividiria a minha vida inteira novamente, sem medo de errar, sem medo de me foder de novo se sentisse que dessa vez, quem tá por perto tá querendo fazer diferente. E quem tiver afim, eu garanto, pelo tanto de gente foda que eu conheci tanto lá na rede, e que ainda estão lá dentro noiados ou que já saíram, quanto gente que nunca se envolveu, que há muita gente querendo fazer diferente, há muito coletivo que não tem marca Fora do Eixo e tá fazendo coisa pra caralho. Mas se você não quer ter a marca, você vai ser excluído "da rede" cara, sério. Você é um movimento e não quer estar junto!? Não quer ser junto?! Então tu tá fora. E aí você some do mapa para eles. Na real, eu posso bater minha cabeça um milhão de vezes na parede, vai doer, mas eu vou levantar e o calo vai sair depois de um tempo e novamente eu vou tentar. Porque se eu sai dessa rede não foi por não ter força pra agüentar, nem foi por não entender lastro, nem tampouco por ser classe media ou que raios de classe vocês querem definir, não foi por não entender uma vida em coletivo, uma vida compartilhada. Eu pouco me importo, sinceramente, se a vida, o dia a dia, fizesse valer a pena, pelo seu propósito de mudança real, eu disponho aqui o que há de material, o que há de imaterial em mim e na moral, quem me conhece de verdade mesmo, sabe o que eu to falando e que isso é verdade. A quem eu me refiro aqui não me conhece de verdade, viram eu me dedicar e só rotularam a minha cabeça com um milhão de tags pra tentar moldar a minha cabeça, pra eu ser o que eles precisavam, mais uma peça do lego fora do eixo. Eu perdi muitos amigos por sair dali, mas readquiri novos porque você, querido, que quer entrar na rede, vai se dando conta que os amigos que tem agora, não vão mais ser seus amigos em pouco tempo, porque vão te fazer acreditar que simplesmente eles não fazem mais parte da sua vida, nem faz sentido você estar perto de gente que não está no mesmo ritmo que você. Sim, vão dizer que você já está em outro patamar de compreensão da vida, que você entende, eles não entendem, por isso te criticam, porque o ego deles é maior que a beleza do que você vive… é isso que vão te dizer e você vai acreditar. E sua família?! Ah, sua família poxa, vai ficar longe cara. Cada vez mais distante, cada vez mais e mais longe. Eu sei que aqui vão aparecer um milhão de pessoas falando "a minha mãe apóia, ela ama o que eu faço e bla bla bla" galera, eu to ligada. quando eu entrei no Fora do Eixo minha mãe achou genial, achou foda o que eu tava fazendo e tal, mas ela foi lá pra conhecer, me alertou sem impor qualquer coisa, mas enfim, até hoje, ela como vocês que estão lendo, nunca souberam da minha história e se hoje eu remexo nela é porque eu considero um momento importante pra falar porque eu não to sozinha, porque eu sei que tá cheio de gente aqui me lendo que tá com medo inclusive de se dar conta do que eu to falando. Tem gente lendo e com medo de curtir. Tem gente lendo e com medo de escrever o seu próprio relato. Eu espero que mais gente tenha a coragem da Beatriz, a minha coragem e a de tanta gente que ainda vai aparecer, cada uma a seu tempo, cada uma no seu espaço, porque abrir a boca pra falar disso aqui não é fácil não. Sim, eu tenho amigos que já foram ameaçados e não venham pedir nomes, cada um vai falar da sua experiência a hora que bem entender.
Saí com o Fora do Eixo me devendo pouco menos de 5 mil reais (não em card, em real mesmo…). Negociei com eles porque muita coisa diziam que era "investimento meu na rede" e diziam ainda que no fundo mesmo eu que devia pra eles pelo tanto de coisa que eu aprendi enquanto estive na rede. O que toparam pagar segue: passagem aérea comprada no cartão de crédito da minha mãe, meu limite do cartão que ficou negativo, mais de 8 multas no período de um mês com meu carro circulando São Paulo - Rio de Janeiro - Minas Gerais. Sendo que eu não considerei, por exemplo, cobrar a batida no carro que acabou com uma lateral, devolvi o carro pra minha mãe assim mesmo, um ano de 3g no meu cartão e mais. Eu não queria mais ficar debatendo, fechei em cerca de 3 mil reais… os quais eu só vi a cor de 500 reais e já trocamos incansáveis 57 emails nos quais a resposta sempre é que o orçamento, o caixa, não deu pra fechar pra pagar esse mês. Lembrando ainda que colocaram meu nome no Serasa por não pagaram uma conta de um celular que não era meu mas estava no meu nome mesmo depois de eu ter saído e eu que fui pagar essa conta um ano depois pra que meu cartão fosse liberado e meu nome limpo. Eu saí do Fora do Eixo em fevereiro de 2012. Estamos em agosto de 2013. E que aqui cada um pense o que quiser.
Cada um sai da casa com uma tag. Lembro que tinha a #traíra, o #filhodaputa, eu sai como a #desistente, sei que depois de mim saiu a #loca e por aí vai. Pra cada um que se vai, eles justificam com um milhão de defeitos da pessoa, po, ela sai por isso, ela fraquejou nisso, ela não agüentou por isso, e bla bla bla. Até quando eu estava lá, tinha uma frase do Pablo pra quando alguém saía: "pode ir, pra cada um que sai, chega 10 a mais". A coisa já não tá mais bem assim. As pessoas estão acordando e eu espero que esse meu relato seja mais um despertar. Eu sei que depois desse texto podem rolar diversas reações da Casa. Ou eles vão ignorar ou vão retalhar a minha pessoa como bem tentam fazer. Podem falar, podem gritar. Pode ser que doa dependendo de quem escreva até porque de lá de dentro eu ainda guardo carinho de muita gente, mas o meu papel hoje tá sendo social, de despertar o olhar de quem tá vendo de fora e também de quem não tá vendo de dentro. Que fique claro que quando eu trato de fora do Eixo eu não to generalizando as pessoas da rede que fazem parte dela, como eu fiz, eu to falando de quem a comanda, quem a organiza, quem a vê como ferramenta estratégica para eu não sei chegar aonde. Fica aqui que se daqui em diante, qualquer dia por aí eu sumir, só tem dois cantos em que podem procurar que é certeza que vão me achar, e eu não sei muito bem em que estado eu estaria. Comecem pelos cabeças do Fora do Eixo. Se não estiver por lá, aí deixa que minha mãe, meus irmãos e meu amigos mais próximos vão saber onde e exatamente com quem eu vou estar.
Quando eu saí da casa, pedi pra sair tranqüila, avisei a Carol que eu não queria alarde, que eu não estava bem, tinha passado dois dias acordada pensando na atitude a tomar. Não agüentava mais a pressão, não queria mais estar ali, só queria ir embora tranqüila, sem discutir, sem problemas. A resposta pra esse meu pedido foi colocar as 22 pessoas que viviam comigo e mais umas outras que estavam ali na casa no dia na minha frente numa reunião geral. Descer uma enxurrada de argumentos os quais eu não estava afim de responder. Esquentaram meu psicológico até eu não agüentar mais. Eu só chorava, queria sair dali, sem problemas, sem mal estar. As pessoas ali me olhavam com cara de "coitada, desistiu" e a cúpula, mais precisamente Lenissa e Mari com uma certa cara de que eu era lamentável, falando com arrogância mas deixando com que se parecesse que nenhuma das palavras haviam sido combinadas. De verdade, eu mal me lembro do que me disseram naquela noite. Eu só queria sair dali e me mantiveram ali como se eu tivesse que bater cartão pra galera já que eu estava saindo. Fizeram isso comigo porque eu não tava saindo de lá sabendo de nada de mais que pudesse comprometê-los. Eu era só um peão ali dentro. Quem sabia muito eles fizeram sair na surdina. Da noite pro dia, como rolou com muita gente que ainda não se sentiu a vontade pra falar, mas que com certeza tem muito mais que eu pra contar. A mim me colocaram diante de todos ali que eram meus amigos, até então alguns bem próximos, e perguntaram "porque você tá saindo Laís?" Eles sabem que o estado em que eu me encontrava psicológica e emocionalmente não dariam condições para que eu contra argumentasse e puxasse um debate coletivo ali. Hoje, como diriam os Doces Bárbaros, de "pé quente e com a cabeça fria" eu lhes dou essa resposta. A última fala daquela conversa foi, obviamente, do Capilé: "Laís, independente de qualquer coisa, a gente vai se cruzar por aí, tenho certeza". E sim, Capilé, é aqui que a gente tá se cruzando de novo. Eu aqui, você aí.
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Um vídeo pra quando terminar de ler (sugiro esse aqui mesmo, que tem no youtube (ps. ouvi falar que rolou do Pablo ficar puto quando soube que haviam pessoas da rede assistindo esse vídeo e ordenou que parassem de espalhar. Se é verdade ou não eu não sei, mas ele é interessante).
Historiador critica projeto de lei que garante exclusividade para o exercício da profissão
'O teor do projeto em discussão vai produzir uma casta cartorial e tecnocrática para controlar a produção livre do conhecimento'
Heródoto, o pai da História, em relevo esculpido por Jean-Guillaume Moitte em uma das
paredes do Museu do Louvre
Foto:
Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons
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Ora tramita em regime de urgência no Congresso Nacional o PL 4.699/2012,
do senador Paulo Paim (PT), que trata da profissionalização do
historiador. O projeto assegura aos historiadores diplomados
prerrogativas exclusivas e interdições que atingirão a pesquisa e a
difusão do conhecimento histórico. O privilégio pretendido encaminha
conflitos com os historiadores temáticos, que tratam da História da
Arte, das Ciências ou da Literatura, entre muitas especialidades de
consistente tradição e relevância. Estes conflitos, decorrentes da luta
corporativa por reserva de mercado, já motivaram protestos até da
Academia Brasileira de Ciências e da SBPC, e abrem questões de interesse
amplo e grave: há benefício social na regulamentação da profissão de
historiador, e riscos reais em sua inexistência? Caso existam, estes
riscos são tais que justifiquem os transtornos prometidos pelo
exclusivismo? Deve a memória histórica ser atribuição exclusiva de certo
segmento técnico? Com que vantagens e desvantagens? Qual a
cientificidade da História, e quais os usos deste saber? Eis, portanto,
ocasião para discutirmos a relação entre História, historiador e
sociedade, e para pensarmos algo sobre trabalho, ciência e liberdade.
A questão central é sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento?
Os gregos inventaram a História e logo suas pretensões de cientificidade e de utilidade. Heródoto (484 a.C.? – 425 a.C.) usou o termo historíe (história) para designar as enquetes que fez junto aos povos que visitou, sobre mito, memória, fatos e costumes. Uma geração após, Tucídides (460 a.C.? – 395 a.C.) descreveu metodologia rigorosa para a obtenção do conhecimento sobre os eventos recentes e as causas da guerra; reagindo a Heródoto, Tucídides não adotou a palavra “história”, mas foi neste gênero de pesquisa e narrativa que se situou; o historiador quis legar à humanidade um “tesouro para sempre” (ktêma eis aei): o conhecimento das razões que levam à guerra e, logo, referências para que a prudência política evite este flagelo. A humanidade, porém, seguiu guerreando, pois, como anotou G.W.F. Hegel (1770 – 1831) no prefácio à Filosofia do Direito (1820), “a coruja de Minerva começa a voar apenas quando cai o crepúsculo”, e a História segue tão inútil quanto o voo tardio da coruja. Sofisticada, apurada, pretensiosa e inútil.
A escrita da História aprimorou-se na erudição de autores como Giambattista Vico (1668 – 1744) e Edward Gibbon (1737 – 1794), e no rigorismo cientificista do século 19. Leitor de Hegel, Karl Marx (1818 – 1883) quis converter a História em ciência prospectiva e identificou nas tensões das relações de produção a real causa da dialética; esta ciência até hoje ilumina a compreensão histórica, mas sua principal utilidade foi justificar dezenas de milhões de assassinatos, obra dos regimes totalitários socialistas que, nutridos por “ciência” histórica, aceitavam quaisquer meios pelo fim maior de redimir o proletariado rumo ao comunismo e, sobretudo, preservar o poder. Pouco antes, um tirano austríaco quase destruiu a Europa, nutrido por várias ciências, entre as quais a História, alma do nacionalismo suprematista. Quando a História vira autoridade, com o nome usurpado de ciência, a opinião torna-se verdade, cegueira e violência. Não pode um indivíduo, partido ou corporação deter o monopólio da verdade, da memória ou da narrativa histórica, sob risco de perder-se a liberdade e a ciência da complexidade do mundo.
No século 20, com os aportes da Antropologia, da Arqueologia, das Ciências Econômicas, da Ciência Política, da Filosofia, da História da Arte, da Linguística, da Psicologia, da Semiótica, da Sociologia, e de outras disciplinas, a História transformou-se e por fim superou a pretensão de hegemonia de um certo tipo de explicação histórica, materialista. Hoje, o historiador tem ao seu dispor um bom repertório de teorias e vocabulários; não há o menor consenso metodológico, e é bom que assim seja. Talvez o núcleo metodológico da disciplina siga sendo aquele herdado de Tucídides e aperfeiçoado em 1898 por Langlois e Seignobos: a crítica documental rigorosa e a determinação das fontes e fatos, princípios compartilhados com o Jornalismo e outras ciências, pouco ensinados nos cursos de História atuais. A História é uma expressão das Ciências Humanas, em diálogo com áreas correlatas e aberta à sociedade, que deve ser capaz de historiar, como cada um de nós deve ter memória; a pretensão de monopólio é um insulto à sua natureza interdisciplinar, bem como ao convívio harmônico com as demais disciplinas e a sociedade.
Chegamos, pois, ao ponto: a quem e para que serve a pretensão de monopólio corporativo que pauta esta regulamentação profissional? Além da finalidade medíocre e insustentável de garantir reserva de mercado, vai-se produzir outra casta cartorial, controlando um ofício livre e inofensivo, dando ilusão de poder a tecnocratas improdutivos, burocratizando o ofício, perturbando e ofendendo profissionais dignos, inibindo a evolução acadêmica, sem qualquer ganho social. A sociedade, caso conceda esta reserva de mercado, abrirá mão de parte importante da liberdade e fomentará litígios desnecessários nas ciências patrimoniais, hoje, aliás, muito mais complexas do que o imaginam os arautos do oficialismo historiográfico. A ABC e a SBPC, em carta de 10 de julho deste ano, em que pedem a imediata suspensão da tramitação do projeto de lei 4.699/2012, argumentam, corretamente, que “existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História.” Isto inclui todas as histórias temáticas, que não são ensinadas nem como assunto nem como metodologia de pesquisa nos cursos de História no Brasil, e, especialmente, a área de História da Arte, em franco desenvolvimento e titular de tradição acadêmica própria e importante. A ANPUH (Associação Nacional de História), em documento dirigido à Sesu/MEC, postulou que as áreas de “História da Arte e História, Teoria e Crítica da Arte devam convergir para a denominação História – Bacharelado e História – Licenciatura”, mas estes assuntos, todavia, não compõem os currículos de ensino universitário de História no Brasil; eis indício preocupante dos fins a que pode se prestar esta regulamentação, provocando conflitos ilegítimos com outras áreas acadêmicas e com ameaças ao sentido de liberdade necessário à vida social e ao progresso da humanidade.
A questão central é sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento?
Os gregos inventaram a História e logo suas pretensões de cientificidade e de utilidade. Heródoto (484 a.C.? – 425 a.C.) usou o termo historíe (história) para designar as enquetes que fez junto aos povos que visitou, sobre mito, memória, fatos e costumes. Uma geração após, Tucídides (460 a.C.? – 395 a.C.) descreveu metodologia rigorosa para a obtenção do conhecimento sobre os eventos recentes e as causas da guerra; reagindo a Heródoto, Tucídides não adotou a palavra “história”, mas foi neste gênero de pesquisa e narrativa que se situou; o historiador quis legar à humanidade um “tesouro para sempre” (ktêma eis aei): o conhecimento das razões que levam à guerra e, logo, referências para que a prudência política evite este flagelo. A humanidade, porém, seguiu guerreando, pois, como anotou G.W.F. Hegel (1770 – 1831) no prefácio à Filosofia do Direito (1820), “a coruja de Minerva começa a voar apenas quando cai o crepúsculo”, e a História segue tão inútil quanto o voo tardio da coruja. Sofisticada, apurada, pretensiosa e inútil.
A escrita da História aprimorou-se na erudição de autores como Giambattista Vico (1668 – 1744) e Edward Gibbon (1737 – 1794), e no rigorismo cientificista do século 19. Leitor de Hegel, Karl Marx (1818 – 1883) quis converter a História em ciência prospectiva e identificou nas tensões das relações de produção a real causa da dialética; esta ciência até hoje ilumina a compreensão histórica, mas sua principal utilidade foi justificar dezenas de milhões de assassinatos, obra dos regimes totalitários socialistas que, nutridos por “ciência” histórica, aceitavam quaisquer meios pelo fim maior de redimir o proletariado rumo ao comunismo e, sobretudo, preservar o poder. Pouco antes, um tirano austríaco quase destruiu a Europa, nutrido por várias ciências, entre as quais a História, alma do nacionalismo suprematista. Quando a História vira autoridade, com o nome usurpado de ciência, a opinião torna-se verdade, cegueira e violência. Não pode um indivíduo, partido ou corporação deter o monopólio da verdade, da memória ou da narrativa histórica, sob risco de perder-se a liberdade e a ciência da complexidade do mundo.
No século 20, com os aportes da Antropologia, da Arqueologia, das Ciências Econômicas, da Ciência Política, da Filosofia, da História da Arte, da Linguística, da Psicologia, da Semiótica, da Sociologia, e de outras disciplinas, a História transformou-se e por fim superou a pretensão de hegemonia de um certo tipo de explicação histórica, materialista. Hoje, o historiador tem ao seu dispor um bom repertório de teorias e vocabulários; não há o menor consenso metodológico, e é bom que assim seja. Talvez o núcleo metodológico da disciplina siga sendo aquele herdado de Tucídides e aperfeiçoado em 1898 por Langlois e Seignobos: a crítica documental rigorosa e a determinação das fontes e fatos, princípios compartilhados com o Jornalismo e outras ciências, pouco ensinados nos cursos de História atuais. A História é uma expressão das Ciências Humanas, em diálogo com áreas correlatas e aberta à sociedade, que deve ser capaz de historiar, como cada um de nós deve ter memória; a pretensão de monopólio é um insulto à sua natureza interdisciplinar, bem como ao convívio harmônico com as demais disciplinas e a sociedade.
Chegamos, pois, ao ponto: a quem e para que serve a pretensão de monopólio corporativo que pauta esta regulamentação profissional? Além da finalidade medíocre e insustentável de garantir reserva de mercado, vai-se produzir outra casta cartorial, controlando um ofício livre e inofensivo, dando ilusão de poder a tecnocratas improdutivos, burocratizando o ofício, perturbando e ofendendo profissionais dignos, inibindo a evolução acadêmica, sem qualquer ganho social. A sociedade, caso conceda esta reserva de mercado, abrirá mão de parte importante da liberdade e fomentará litígios desnecessários nas ciências patrimoniais, hoje, aliás, muito mais complexas do que o imaginam os arautos do oficialismo historiográfico. A ABC e a SBPC, em carta de 10 de julho deste ano, em que pedem a imediata suspensão da tramitação do projeto de lei 4.699/2012, argumentam, corretamente, que “existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História.” Isto inclui todas as histórias temáticas, que não são ensinadas nem como assunto nem como metodologia de pesquisa nos cursos de História no Brasil, e, especialmente, a área de História da Arte, em franco desenvolvimento e titular de tradição acadêmica própria e importante. A ANPUH (Associação Nacional de História), em documento dirigido à Sesu/MEC, postulou que as áreas de “História da Arte e História, Teoria e Crítica da Arte devam convergir para a denominação História – Bacharelado e História – Licenciatura”, mas estes assuntos, todavia, não compõem os currículos de ensino universitário de História no Brasil; eis indício preocupante dos fins a que pode se prestar esta regulamentação, provocando conflitos ilegítimos com outras áreas acadêmicas e com ameaças ao sentido de liberdade necessário à vida social e ao progresso da humanidade.
Publicado em ZH
Fora do Fora do Eixo, por Beatriz Seigner
Conheci um representante da rede Fora do Eixo durante um trajeto de
ônibus do Festival de Cinema de Gramado de 2011, onde eu havia sido
convidada para exibir meu filme “Bollywood Dream – O Sonho
Bollywoodiano” e ele havia sido convidado a participar de um debate
sobre formas alternativas de distribuição de filmes no Brasil.
Meu filme havia sido lançado naquele mesmo ano no circuito comercial de
cinemas, em mais de 19 cidades brasileiras, distribuído pela Espaço
Filmes, e o rapaz me contava de como o Fora do Eixo estava articulando
pela internet os cerca de 1000 cineclubes do programa do governo Cine
Mais Cultura, assim como outros cineclubes de pontos de cultura,
escolas, universidades, coletivos e pontos de exibição alternativos, que
estavam conectados à internet nas cidades mais longínquas do Brasil,
para fazerem exibição simultânea de filmes com debate tanto
presencialmente, quanto ao vivo, por skype. Eu achei a idéia o máximo.
Me disponibilizei, a mim e ao meu filme para participar destas
exibições, pois realmente acredito na necessidade de democratizar o
acesso aos bens culturais no país, e sei como é angustiante, nestas
cidades distantes, viver sem acesso à cultura alternativa e mais
diversas artes.
Foi então organizado o lançamento do meu filme
nos cineclubes associados à rede Fora do Eixo durante o Grito Rock 2012,
no qual eu também me disponibilizei a participar de uma tournée de
debates no interior de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, e por
skype com outros cineclubes que aderissem à “campanha de exibição”, como
eles chamam.
Com relação à remuneração eles me explicaram que
aquele ainda era um projeto embrionário, sem recursos próprios, mas que
podiam pagá-lo com “Cubo Card”, a moeda solidária deles, que poderia ser
trocada por serviços de design, de construção de sites, entre outras
coisas. Já adianto aqui que nunca vi nem sequer nenhum centavo deste
cubo card, ou a plataforma com ‘menu de serviços’ onde esta moeda é
trocada.
E fiquei sabendo que algumas destas exibições com
debate presencial no interior de SP seriam patrocinadas pelo SESC – pois
o SESC pede a assinatura do artista que vai fazer a performance ou
exibir seu filme nos seus contratos, independente do intermediário. E só
por eles pedirem isso é que fiquei sabendo que algumas destas exibições
tinham sim, patrocinador. Fui descobrir outros patrocinadores nos
posters e banners do Grito Rock de cada cidade. Destes eu não recebi um
centavo.
No entanto, foi realmente muito animador ver a
quantidade de pessoas sedentas por cultura alternativa em todas as
cidades de pequeno e médio porte pelas quais passei. Foi também incrível
conversar com cinéfilos por skype de cidadezinhas do Acre, Manaus, Rio
Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Goiania, Santa
Catarina, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras
cidades. Pelo que eu via, tinha entre 50 a 150 pessoas em cada sessão.
Eu perdi a conta de quantos debates e exibições foram feitas, mas o Fora
do Eixo havia me prometido como contra-partida uma foto de cada
exibição onde fosse visível o número de público destas, e uma tabela com
as cidades e quantidades de exibições que foram feitas. Coisa que
também nunca recebi.
De qualquer maneira, empolgada com esta
quantidade de pessoas que não querem consumir cultura de massa, em todas
estas cidades, entrei em contato com colegas cineastas e distribuidores
para que também disponibilizassem seus filmes, pois via o potencial de
fortalecimento destes pontos de exibição em todos estes lugares, de
crescimento do número de cinéfilos, e de pessoas que têm o desejo de
desfrutar coletivamente de um filme, ou de outra obra de arte, de
discuti-la, pesquisá-la, e se possível debatê-la com seus realizadores.
Estava realmente impressionada com a quantidade de pessoas em todas
estas cidades sedentas por arte. Se eu tivesse nascido em uma delas, via
que seguramente seria uma delas, e mal conseguia imaginar como deve ser
insuportável viver em uma cidade onde não há teatro, cinema
alternativo, e muitas vezes nem sequer bibliotecas.
A idéia
seria então de fazer um projeto para captar recursos para viabilizar
estas exibições. Pensamos em algo como cada cineclube ou ponto de
exibição que exibisse um filme receberia 100 reais para organizar e
divulgar a sessão, e cada cineasta receberia o mesmo valor pelos diretos
de exibição de seu filme naquele lugar. E caso houvesse debate
presencial receberia mais cerca de mil reais de cachê pelo debate, e por
skype ao vivo cerca de 500 reais pelo debate de até 3 horas.
Pensando em rede, se mil cineclubes exibissem um filme, o cineasta
poderia receber, no mínimo, 100 mil reais por estas exibições. Eu ainda
acho que é um projeto que deve ser realizado. E que esta ligação entre
os cineclubes deveria ser feita por uma plataforma pública online do
governo, onde ficaria o armazenamento destes filmes para download com
senha e crédito paypal para estes pontos de exibição (sejam eles
cineclubes, escolas, universidades, pontos de cultura etc).
Assim como também acho que os “Céus das Artes” que estão sendo
construídos no país todo deveriam ter salas de cinema separadas dos
teatros, com programação diária, constante, aumentando em 15% o parque
exibidor brasileiro, e capacitando o governo de fazer políticas de
exibição de filmes gratuitas ou com preços populares, em lugares onde
simplesmente não há cinemas, muito menos, de arte.
Mas isso já é outra história. Voltemos ao Fora do Eixo.
E quando foi que o projeto degringolou? ou quando foi que me assustei com o Fora do Eixo?
Meu primeiro susto foi quando perguntaram se podiam colocar a logomarca
deles no meu filme – para ser uma ‘realização Fora do Eixo’, em seu
catálogo. Eu disse que o filme havia sido feito sem nenhum recurso
público e que a cota mínima para um patrocinador ter sua logomarca nele
era de 50 mil reais. Eles desistiram.
O segundo susto veio
justamente na exibição com debate em um SESC do interior de SP, quando
recebi o contrato do SESC, e vi que o Fora do Eixo estava recebendo por
aquela sessão, em meu nome, e não haviam me consultado sobre aquilo.
Assinei o contrato minutos antes da exibição e cobrei do Fora do Eixo
aquele valor descrito ali como sendo de meu cachê, coisa que eles me
repassaram mais de 9 meses depois, porque os cobrei, publicamente.
O terceiro susto veio quando me levaram para jantar na casa da diretora
de marketing da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, onde falavam dos
números fabulosos (e sempre superfaturados) da quantidade de pessoas que
estavam comparecendo às sessões dos filmes, aos festivais de música, e
do poder do Fora do Eixo em articular todas aquelas pessoas em todas
estas cidades. Falavam do público que compareciam a estas exibições e
espetáculos como sendo filiados à eles. Ou como se eles tivessem
qualquer poder sobre este público.
Foi aí que conheci pela
primeira vez o Pablo Capilé, fundador da marca/rede Fora do Eixo, um
pouco antes deste jantar. Até então haviam me dito que a rede era
descentralizada, e eu havia acreditado, mas imediatamente quando vi a
reverência com que todos o escutam, o obedecem, não o contradizem ou
criticam, percebi que ele é o líder daqueles jovens, e que ao redor dele
orbitavam aqueles que eles chamam de “cúpula” ou “primeiro escalão” do
FdE.
O susto veio, não apenas por conta de perceber esta
centralidade de liderança, mas porque o Pablo Capilé dizia que não
deveria haver curadoria dos filmes a serem exibidos neste circuito de
cineclubes, que se a Xuxa liberasse os filmes dela, eles seguramente
fariam campanha para estes filmes serem consumidos pois dariam mais
visibilidade ao Fora do Eixo, e trariam mais pessoas para ‘curtir’ as
fotos e a rede deles – pessoas estas que ele contabilizaria, para seus
patrocinadores tanto no âmbito público, quanto privado. “Olha só quantas
pessoas fizemos sair de suas casas”. E que ele era contra pagar cachês
aos artistas, pois se pagasse valorizaria a atividade dos mesmos e
incentivaria a pessoa ‘lá na ponta’ da rede, como eles dizem, a serem
artistas e não ‘DUTO’ como ele precisava. Eu perguntei o que ele queria
dizer com “duto”, ele falou sem a menor cerimônia: “duto, os canos por
onde passam o esgoto”.
Eu fiquei chocada. Não apenas pela
total falta de respeito por aqueles que dedicam a maior quantidades de
horas de sua vida para o desenvolvimento da produção artística (e quando
eu argumentava isso ele tirava sarro dizendo ‘todo mundo é artista’ ao
que eu respondia ‘todo mundo é esportista também – mas quantos têm a
vocação e prazer de ficar mais de 8 horas diárias treinando e se
aprofundando em determinada forma de expressão? quantas pessoas que
jogam uma pelada no fim de semana querem e têm o talento para serem
jogadores profissionais?” “mas se pudesse escolher todo mundo seria
artista” “não necessariamente, leia as biografias de todos os grandes
compositores, escritores, cineastas, coreógrafos, músicos, dançarinos –
quero ver quem gostaria de ter aquelas infâncias violentadas, viver na
miséria econômicas, passar horas de dedicando-se a coisas consideradas
inúteis por outros - vai ver se quem é artista, se pudesse escolher
outra forma de vocação se não escolheria ter vontade de ser feliz sendo
médico, advogado, empresário, cientista social.”).
Enfim, o
fato é que eu acreditava e continuo acreditando que se a pessoa na ponta
da rede, seja no Acre ou onde quer que seja, se esta pessoa tiver
vontade de passar a maior quantidade de tempo possível praticando
qualquer forma de expressão artística, seja encarando páginas em branco,
lapidando textos, lapidando filmes, treinando danças, coreografias,
teatro, seja praticando um instrumento musical (e quem toca instrumentos
musicais sabe a quantidade de horas de prática para se chegar à
liberdade de domínio do instrumento e de seu próprio corpo, os tais 99%
de suor para 1% de inspiração), quem quer que seja que encontre
felicidade nestas horas e horas de prática cotidiana artística deve
produzir tais obras e não ser DUTO de coisa alguma.
Pois
existem pessoas no mundo que não têm este prazer de produção artística,
mas têm prazer em exibir, promover, e compartilhar estas obras. E tá
tudo certo. Temos diversos exemplos de pessoas assim: vejam a paixão com
que o Leon Cakof e a Renata de Almeida produziam e produzem a Mostra de
São Paulo. O pessoal da Mostra de Tiradentes. E de tantas outras.
Existe paixão pra tudo. E não, exibidores, programadores, curadores,
professores, críticos de cinema ou de arte não são artistas frustrados –
mas pessoas cuja a paixão deles é esta: analisar, comentar, debater,
ensinar, deflagrar e ampliar o pensamento e a reflexão sobre as diversos
âmbitos de atuação humanos. Que bom que tem gente com estas paixões tão
complementares!
E o meu choque ao discutir com o Pablo Capilé
foi ver que ele não tem paixão alguma pela produção cultural ou
artística, que ele diz que ver filmes é “perda de tempo”, que livros,
mesmo os clássicos, (que continuam sendo lidos e necessários há
séculos), são “tecnologias ultrapassadas”, e que ele simplesmente não
cultiva nada daquilo que ele quer representar. Nem ele nem os outros
moradores das casas Fora do Eixo (já explico melhor sobre isso).
Ou seja, ele quer fazer shows, exibir filmes, peças de teatro, dança,
simplesmente porque estas ações culturais/artísticas juntam muita gente
em qualquer lugar, que vão sair nas fotos que eles tiram e mostram aos
seus patrocinadores dizendo que mobilizam “tantas mil pessoas” junto ao
poder público e privado, e que por tanto, querem mais dinheiro, ou
privilégios políticos.
Vejam que esperto: se Pablo Capilé dizer
que vai falar num palanque, não iria aparecer nem meia dúzia de pessoas
para ouvi-lo, mas se disserem que o Criolo vai dar um show, aparecem
milhares. Ou seja, quem mobiliza é o Criolo, e não ele. Mas depois ele
tira as fotos do show do Criolo, e vai na Secretaria da Cultura dizendo
que foi ele e sua rede que mobilizou aquelas pessoas. E assim,
consequentemente, com todos os artistas que fazem participação em
qualquer evento ligado à rede FdE. Acredito que, como eu, a maioria
destes artistas não saibam o quanto Pablo Capilé capitaliza em cima
deles, e de seus públicos.
Mesmo porque ele diz que as
planilhas do orçamento do Fora do Eixo são transparentes e abertas na
internet, sendo isso outra grande mentira lavada – tais planilhas não
encontram-se na internet, nem sequer os próprios moradores das casas
Fora do Eixo as viram, ou sabem onde estão. Em recente entrevista no
Roda Viva, Capilé disse que arrecadam entre 3 e 5 milhões de reais por
ano. Quanto disso é redistribuído para os artistas que se apresentam na
rede?
O último dado que tive é que o Criolo recebia cerca de
20 mil reais para um show com eles, enquanto outra banda desconhecida
não recebe nem 250 reais, na casa FdE São Paulo.
Mas seria
extremamente importante que os patrocinadores destes milhões exigissem o
contrato assinado com cada um destes artistas, baseado pelo menos no
mínimo sindical de cada uma das áreas, para ter certeza que tais
recursos estão sendo repassados, como faz o SESC.
Depois deste
choque com o discurso do Pablo Capilé, ainda acompanhei a dinâmica da
rede por mais alguns meses (foi cerca de 1 ano que tive contato
constante com eles), pois queria ver se este ódio que ele carrega contra
as artes e os artistas era algo particular dele, ou se estendia à toda a
rede. Para a minha surpresa, me deparei com algo ainda mais assustador:
as pessoas que moram e trabalham nas casas do Fora do Eixo simplesmente
não têm tempo para desfrutar os filmes, peças de teatro, dança, livros,
shows, pois estão 24 horas por dia, 7 dias por semana, trabalhando na
campanha de marketing das ações do FdE no facebook, twitter e demais
redes sociais.
E como elas vivem e trabalham coletivamente no
mesmo espaço, gera-se um frenesi coletivo por produtividade, que, aliado
ao fato de todos ali não terem horário de trabalho definido,
acreditarem no mantra ‘trabalho é vida’, e não receberem salário, e
portanto se sentirem constantemente devedores ao caixa coletivo, da
verba que vem da produção de ações que acontecem “na ponta”, em outros
coletivos aliados à rede, faz com que simplesmente, na casa Fora do Eixo
em São Paulo, não se encontre nenhum indivíduo lendo um livro, vendo
uma peça, assistindo a um filme, fazendo qualquer curso, fora da rede.
Quem já cruzou com eles em festivais nos quais eles entraram como
parceiros sabem do que estou falando: eles não entram para assistir a
nenhum filme, nem assistem/participam de nenhum debate que não seja o
deles. O que faz com que, depois de um tempo, eles não consigam falar de
outra coisa que não sejam eles mesmos.
Sim, soa como seita religiosa.
Eu comecei a questionar esta prática: como vocês querem promover a
cultura, se não a cultivam? Ao que me responderam “enquanto o povo
brasileiro todo não puder assistir a um filme no cinema, nós também não
vamos”. Eu perguntei se eles sabiam que havia mostras gratuitas de
filmes, peças de teatro, dança, bibliotecas públicas, universidades
públicas onde pode-se assistir a qualquer aula/curso – ao que me
responderam que eles não têm tempo para perder com estas coisas.
Pode parecer algo muito minimalista, mas eu acho chocante eles se
denominarem o “movimento social da cultura”, e não cultivar nem a
produção nem o desfrute das atividades artísticas da cidade onde estão,
considerando-se mártires por isso, orgulhando-se de serem chamados de
“precariado cognitivo” (sem perceber o tamanho desta ofensa – podemos
nos conformar em viver no precariado material, mas cultivar e querer
espalhar o precariado de pensamentos, de massa crítica, de sensibilidade
cognitiva, é algo muito grave para o desenvolvimento de seres humanos, e
consequentemente da humanidade).
Concomitantemente a isso,
reparei que aquela massa de pessoas que trabalham 24 horas por dia
naquelas campanhas de publicidade das ações da rede FdE, não assinam
nenhuma de suas criações: sejam textos, fotos, vídeos, pôsters, sites,
ações, produções. Pois assinar aquilo que se diz, aquilo que se mostra,
que se faz, ou que se cria, é considerado “egóico” para eles. Toda a
produção que fazem é assinada simplesmente com a logomarca do Fora do
Eixo, o que faz com que não saibamos quem são aquele exercito de
criadores, mas sabemos que estão sob o teto e comando de Pablo Capilé, o
fundador da marca.E que não, a marca do fora do Eixo não está
ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa,
nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo
processado por trabalho escravo e estelionato de suas criações, por
dezenas de pessoas que passaram um período de suas vidas nas casas Fora
do Eixo, e saem das mesmas, ao se deparar com estas mesmas questões que
exponho aqui, e outras ainda mais obscuras e complexas.
Me
explico melhor: existem muitos dissidentes que se aproximam da rede pois
vêem nela a possibilidade de viver da criação e circulação artística,
de modificar suas cidades e fortalecer o impacto social da arte na
população das mesmas, que depois de um tempo trabalhando para eles
percebem, tal qual eu percebi, as incongruências do movimento Fora do
Eixo. Que aquilo que falam, ou divulgam, não é aquilo que praticam. É a
pura cultura da publicidade vazia enraizada nos hábitos diários daquelas
pessoas.
E além disso, o que talvez seja mais grave: quem mora
nas casas Fora do Eixo, abdicam de salários por meses e anos, e
portanto não têm um centavo ou fundo de garantia para sair da rede.
Também não adquirem portfólio de produção, uma vez que não assinaram
nada do que fizeram lá dentro – nem fotos, nem cartazes, nem sites, nem
textos, nem vídeos. E, portanto, acabam se submetendo àquela situação de
escravidão (pós)moderna, simplesmente pois não vêem como sobreviver da
produção e circulação artística, fora da rede. Muitas destas pessoas são
incentivadas pelo próprio Pablo Capilé a abandonar suas faculdades para
se dedicarem integralmente ao Fora do Eixo. Quanto menos autonomia
intelectual e financeira estas pessoas tiverem, melhor para ele.
E quando algumas destas pessoas conseguem sair, pois têm meios
financeiros independentes da rede FdE para isso, ficam com medo de
retaliação, pois vêem o poder de intermediação que o Capilé conseguiu
junto ao Estado e aos patrocinadores de cultura no país, e temem serem
“queimados” com estes. Ou mesmo sofrer agressões físicas. Já três
pessoas me contaram ouvir de um dos membros do FdE, ao se desligarem da
rede, ameaças tais quais “você está falando de mais, se estivéssemos na
década de 70 ou na faixa de gaza você já estaria morto/a.” Como alguns
me contaram, “eles funcionam como uma seita religiosa-política, tem
gente ali capaz de tudo” na tal ânsia de disputa por cada vez mais
hegemonia de pensamento, por popularidade e poder político, capital
simbólico e material, de adeptos. Por isso se calam.
Fiquei
sabendo de uma menina que produziu o Grito Rock 2012 em Braga, em
Portugal, no qual exibiram meu filme. Ela me contou que estava de
intercâmbio da universidade lá, e uma amiga dela que havia sido
“abduzida pelo Fora do Eixo” entrou em contato perguntando se ela e um
amigo não queriam exibir o filme em Braga, produzir o show de uma banda
na universidade, fazer a divulgação destas ações nas redes sociais. Ela
achou boa a idéia e qual não foi sua surpresa quando viu que em todos os
materiais de divulgação do evento que lhe enviaram estava escrito
“realização Fora do Eixo”. “Eu nunca fui do Fora do Eixo, não tenho nada
a ver com eles, como assim meu nome não saiu em nada? Não vou poder
usar estas produções no meu currículo? E pior, eles agora falam que o
Fora do Eixo está até em Portugal, e em sei lá quantos países. Isso é
simplesmente mentira. Eu não sou, nem nunca fui do Fora do Eixo.”
O que leva a outro ponto grave das falácias do Fora do Eixo: sua falta
de precisão numérica. Pablo Capilé, quando vai intermediar recursos
junto ao poder público ou privado, para capitalizar a rede FdE, fala
números completamente aleatórios “somos mais de 2 mil pessoas em mais de
200 cidades na America Latina”. Cadê a assinatura destas pessoas
dizendo que são realmente filiadas à rede? Qualquer associação,
cooperativa, partido político, fundação, ONG, ou movimento social tem
estes dados. Reais, e não imaginários.
Quando visitei algumas
das casas Fora do Eixo, estas pessoas morando e trabalhando lá não
chegavam a 10% daquilo que ele diz a rede conter. E estas pessoas são
treinadas com a estratégia de marketing da rede, de “englobar” no
facebook e twitter alguém que eles consideram estrategicamente
importante para o Fora do Eixo, seja um vereador, um intelectual, um
artista, um secretário da cultura, e replicam simultaneamente as fotos e
textos dos eventos do qual produzem, divulgam, ou simplesmente se
aproximam (já vou falar dos outros movimentos sociais que expulsam o
Fora do Eixo de suas manifestações – pois eles tiram fotos de si no meio
destas ações dos outros e depois vão ao poder público dizer que as
representam), ao redor daquelas pessoas estratégicas, política e
economicamente para eles, que as adicionaram ao mesmo tempo, criando uma
realidade virtual paralela que eles manipulam ao redor desta pessoa.
Pois, se esta pessoa ‘englobada’ apertar ‘ocultar’ nas cerca de150
pessoas que trabalham nas casas Fora do Eixo, verá que muito raramente
estas informações chegam por outras vias. Ou seja, eles simulam um
impacto midiático muito maior de suas ações, apara aqueles que lhes
interessam, do que o impacto real das mesmas nas populações e
localizações onde aconteceram.
E com isso vão construindo esta realidade falsa, paralela. Controlada por eles, sob liderança do Pablo Capilé.
Dos movimentos sociais que começaram a expulsar os Fora do Eixo de suas
manifestações e ações, pois estes, como os melhores mandrakes, ao
tentar dominar a comunicação destas, iam depois ao poder público dizer
representá-las, estão o movimento do Hip Hop em São Paulo, as Mãe de
Maio (que encabeçam o movimento pela desmilitarização da PM aqui), o
Cordão da Mentira (que une diversos coletivos e movimentos sociais para a
passeata de 1º de Abril, dia do golpe Militar no Brasil, escrachando os
lugares e instituições que contribuíram para o mesmo), a Associação de
Moradores da Favela do Moinho, o coletivo Zagaia, o Passa-Palavra, o
Ocupa Mídia, O Ocupa Sampa, o Ocupa Rio, Ocupa Funarte, entre outros.
Até membros do Movimento Passe Livre tem discutido publicamente o
assunto dizendo que o Fora do Eixo não os representam, e não podem falar
em seu nome.
Sobre a transmissão de protestos e ocupações, são
milhares de pessoas em diversos países que transmitem as manifestações
no mundo todo, em tempo real, e acredito que os inventores que fizeram
os primeiros smartphones conectando vídeo com internet, são realmente
tão importantes para a comunicação na atualidade quanto os inventores do
telégrafo foram em outra época.
Já o Fora do Eixo, agora
denominados de Mídia Ninja, (antes era Mídia Fora do Eixo, mas como são
muito expulsos de manifestações resolveram mudar de nome) utilizar os
vídeos feitos por centenas de pessoas não ligadas ao Fora do Eixo,
editá-los, subí-los no canal sob seu selo, e querer capitalizar em cima
disso – sem repassar os recursos para as pessoas que realmente filmaram
estes vídeos/fizeram estas fotos e textos – inclusive do PM infiltrado
mudando de roupa e atirando o molotov - eu já acho bastante discutível
eticamente.
Sobre a questão do anonimato nos textos e fotos,
acredito que esta prática acaba fazendo com que eles façam exatamente
aquilo que criticam na grande mídia: espalham boatos anônimos, sem o
menor comprometimento com a verdade, com a pesquisa, com a acuidade dos
dados e fatos.
Mas enfim, acho que a discussão é muito mais
profunda do que a Midía Ninja em si, apesar deles também se beneficiarem
do trabalho escravo daqueles que vivem nas casas Fora do Eixo.
Acredito com este relato estar dando minha contribuição pública à
discussão de o que é o Fora do Eixo, como se financiam e sustentam a
rede, quais seus lados bons e seus lados perversos, onde é que enganam
as pessoas, dizendo-se transparentes, impunemente.
Contribuição
esta que acredito ser meu dever público, uma vez que, ao me encantar
com a rede, e haver vislumbrado a possibilidade de interagir com
cinéfilos do rincões mais distantes do país, que não têm acesso aos bens
culturais produzidos ou circulados por aqui, incentivei outros colegas
cineastas a fazerem o mesmo. Já conversei pessoalmente com todos aqueles
que pude, explicando tudo aquilo que exponho aqui também. Dos cineastas
que soube que também liberaram seus filmes para serem exibidos pela
rede, nenhum recebeu qualquer feedback destas exibições, sejam em fotos
com o número de pessoas no públicos, seja com a tabela de cidades em que
passaram, seja de eventuais patrocínio que os exibidores receberam. E
como talvez tenha alguém mais com quem eu não tenha conseguido falar
pessoalmente, fica aqui registrado o testemunho público sobre minha
experiência com a rede Fora do Eixo, para que outras pessoas possam
tomar a decisão de forma mais consciente caso queiram ou não colaborar
com ela.
Espero que os patrocinadores da rede tomem também
conhecimento de todas estas falácias, e cobrem do Fora do Eixo o número
exato de participantes, com assinatura dos mesmos, os contratos e recibo
de repasse das verbas que recebem aos autores das obras e espetáculos
que eles dizem promover. E que jornalistas que investigam o trabalho
escravo moderno se debrucem também sobre estas casas: pois acredito que
as pessoas que estão lá e querem sair precisam de condições financeiras e
psicológicas para isso.
Espero também que mais pessoas tomem
coragem para publicar seus relatos (e sei que tem muita gente que
poderia fazer o mesmo, mas que tem medo pelos motivos que expliquei a
cima), e assim teremos uma polifonia importante para quebrar a máscara
de consenso ao redor do Fora do Eixo.
E que, mesmo vivendo em
plena era da cultura da publicidade, exijamos “mais integridade, por
favor”, entre aquilo que dizem e aquilo que fazem aqueles que querem
trabalhar, circular, exibir, criar, representar, pensar ou lutar pelo
direito fundamental do Homem de produção e desfrute da diversidade
artística e cultural de todas as épocas, em nosso tempo."
Conheci um representante da rede Fora do Eixo durante um trajeto de ônibus do Festival de Cinema de Gramado de 2011, onde eu havia sido convidada para exibir meu filme “Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano” e ele havia sido convidado a participar de um debate sobre formas alternativas de distribuição de filmes no Brasil.
Meu filme havia sido lançado naquele mesmo ano no circuito comercial de cinemas, em mais de 19 cidades brasileiras, distribuído pela Espaço Filmes, e o rapaz me contava de como o Fora do Eixo estava articulando pela internet os cerca de 1000 cineclubes do programa do governo Cine Mais Cultura, assim como outros cineclubes de pontos de cultura, escolas, universidades, coletivos e pontos de exibição alternativos, que estavam conectados à internet nas cidades mais longínquas do Brasil, para fazerem exibição simultânea de filmes com debate tanto presencialmente, quanto ao vivo, por skype. Eu achei a idéia o máximo. Me disponibilizei, a mim e ao meu filme para participar destas exibições, pois realmente acredito na necessidade de democratizar o acesso aos bens culturais no país, e sei como é angustiante, nestas cidades distantes, viver sem acesso à cultura alternativa e mais diversas artes.
Foi então organizado o lançamento do meu filme nos cineclubes associados à rede Fora do Eixo durante o Grito Rock 2012, no qual eu também me disponibilizei a participar de uma tournée de debates no interior de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, e por skype com outros cineclubes que aderissem à “campanha de exibição”, como eles chamam.
Com relação à remuneração eles me explicaram que aquele ainda era um projeto embrionário, sem recursos próprios, mas que podiam pagá-lo com “Cubo Card”, a moeda solidária deles, que poderia ser trocada por serviços de design, de construção de sites, entre outras coisas. Já adianto aqui que nunca vi nem sequer nenhum centavo deste cubo card, ou a plataforma com ‘menu de serviços’ onde esta moeda é trocada.
E fiquei sabendo que algumas destas exibições com debate presencial no interior de SP seriam patrocinadas pelo SESC – pois o SESC pede a assinatura do artista que vai fazer a performance ou exibir seu filme nos seus contratos, independente do intermediário. E só por eles pedirem isso é que fiquei sabendo que algumas destas exibições tinham sim, patrocinador. Fui descobrir outros patrocinadores nos posters e banners do Grito Rock de cada cidade. Destes eu não recebi um centavo.
No entanto, foi realmente muito animador ver a quantidade de pessoas sedentas por cultura alternativa em todas as cidades de pequeno e médio porte pelas quais passei. Foi também incrível conversar com cinéfilos por skype de cidadezinhas do Acre, Manaus, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Goiania, Santa Catarina, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras cidades. Pelo que eu via, tinha entre 50 a 150 pessoas em cada sessão. Eu perdi a conta de quantos debates e exibições foram feitas, mas o Fora do Eixo havia me prometido como contra-partida uma foto de cada exibição onde fosse visível o número de público destas, e uma tabela com as cidades e quantidades de exibições que foram feitas. Coisa que também nunca recebi.
De qualquer maneira, empolgada com esta quantidade de pessoas que não querem consumir cultura de massa, em todas estas cidades, entrei em contato com colegas cineastas e distribuidores para que também disponibilizassem seus filmes, pois via o potencial de fortalecimento destes pontos de exibição em todos estes lugares, de crescimento do número de cinéfilos, e de pessoas que têm o desejo de desfrutar coletivamente de um filme, ou de outra obra de arte, de discuti-la, pesquisá-la, e se possível debatê-la com seus realizadores. Estava realmente impressionada com a quantidade de pessoas em todas estas cidades sedentas por arte. Se eu tivesse nascido em uma delas, via que seguramente seria uma delas, e mal conseguia imaginar como deve ser insuportável viver em uma cidade onde não há teatro, cinema alternativo, e muitas vezes nem sequer bibliotecas.
A idéia seria então de fazer um projeto para captar recursos para viabilizar estas exibições. Pensamos em algo como cada cineclube ou ponto de exibição que exibisse um filme receberia 100 reais para organizar e divulgar a sessão, e cada cineasta receberia o mesmo valor pelos diretos de exibição de seu filme naquele lugar. E caso houvesse debate presencial receberia mais cerca de mil reais de cachê pelo debate, e por skype ao vivo cerca de 500 reais pelo debate de até 3 horas.
Pensando em rede, se mil cineclubes exibissem um filme, o cineasta poderia receber, no mínimo, 100 mil reais por estas exibições. Eu ainda acho que é um projeto que deve ser realizado. E que esta ligação entre os cineclubes deveria ser feita por uma plataforma pública online do governo, onde ficaria o armazenamento destes filmes para download com senha e crédito paypal para estes pontos de exibição (sejam eles cineclubes, escolas, universidades, pontos de cultura etc).
Assim como também acho que os “Céus das Artes” que estão sendo construídos no país todo deveriam ter salas de cinema separadas dos teatros, com programação diária, constante, aumentando em 15% o parque exibidor brasileiro, e capacitando o governo de fazer políticas de exibição de filmes gratuitas ou com preços populares, em lugares onde simplesmente não há cinemas, muito menos, de arte.
Mas isso já é outra história. Voltemos ao Fora do Eixo.
E quando foi que o projeto degringolou? ou quando foi que me assustei com o Fora do Eixo?
Meu primeiro susto foi quando perguntaram se podiam colocar a logomarca deles no meu filme – para ser uma ‘realização Fora do Eixo’, em seu catálogo. Eu disse que o filme havia sido feito sem nenhum recurso público e que a cota mínima para um patrocinador ter sua logomarca nele era de 50 mil reais. Eles desistiram.
O segundo susto veio justamente na exibição com debate em um SESC do interior de SP, quando recebi o contrato do SESC, e vi que o Fora do Eixo estava recebendo por aquela sessão, em meu nome, e não haviam me consultado sobre aquilo. Assinei o contrato minutos antes da exibição e cobrei do Fora do Eixo aquele valor descrito ali como sendo de meu cachê, coisa que eles me repassaram mais de 9 meses depois, porque os cobrei, publicamente.
O terceiro susto veio quando me levaram para jantar na casa da diretora de marketing da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, onde falavam dos números fabulosos (e sempre superfaturados) da quantidade de pessoas que estavam comparecendo às sessões dos filmes, aos festivais de música, e do poder do Fora do Eixo em articular todas aquelas pessoas em todas estas cidades. Falavam do público que compareciam a estas exibições e espetáculos como sendo filiados à eles. Ou como se eles tivessem qualquer poder sobre este público.
Foi aí que conheci pela primeira vez o Pablo Capilé, fundador da marca/rede Fora do Eixo, um pouco antes deste jantar. Até então haviam me dito que a rede era descentralizada, e eu havia acreditado, mas imediatamente quando vi a reverência com que todos o escutam, o obedecem, não o contradizem ou criticam, percebi que ele é o líder daqueles jovens, e que ao redor dele orbitavam aqueles que eles chamam de “cúpula” ou “primeiro escalão” do FdE.
O susto veio, não apenas por conta de perceber esta centralidade de liderança, mas porque o Pablo Capilé dizia que não deveria haver curadoria dos filmes a serem exibidos neste circuito de cineclubes, que se a Xuxa liberasse os filmes dela, eles seguramente fariam campanha para estes filmes serem consumidos pois dariam mais visibilidade ao Fora do Eixo, e trariam mais pessoas para ‘curtir’ as fotos e a rede deles – pessoas estas que ele contabilizaria, para seus patrocinadores tanto no âmbito público, quanto privado. “Olha só quantas pessoas fizemos sair de suas casas”. E que ele era contra pagar cachês aos artistas, pois se pagasse valorizaria a atividade dos mesmos e incentivaria a pessoa ‘lá na ponta’ da rede, como eles dizem, a serem artistas e não ‘DUTO’ como ele precisava. Eu perguntei o que ele queria dizer com “duto”, ele falou sem a menor cerimônia: “duto, os canos por onde passam o esgoto”.
Eu fiquei chocada. Não apenas pela total falta de respeito por aqueles que dedicam a maior quantidades de horas de sua vida para o desenvolvimento da produção artística (e quando eu argumentava isso ele tirava sarro dizendo ‘todo mundo é artista’ ao que eu respondia ‘todo mundo é esportista também – mas quantos têm a vocação e prazer de ficar mais de 8 horas diárias treinando e se aprofundando em determinada forma de expressão? quantas pessoas que jogam uma pelada no fim de semana querem e têm o talento para serem jogadores profissionais?” “mas se pudesse escolher todo mundo seria artista” “não necessariamente, leia as biografias de todos os grandes compositores, escritores, cineastas, coreógrafos, músicos, dançarinos – quero ver quem gostaria de ter aquelas infâncias violentadas, viver na miséria econômicas, passar horas de dedicando-se a coisas consideradas inúteis por outros - vai ver se quem é artista, se pudesse escolher outra forma de vocação se não escolheria ter vontade de ser feliz sendo médico, advogado, empresário, cientista social.”).
Enfim, o fato é que eu acreditava e continuo acreditando que se a pessoa na ponta da rede, seja no Acre ou onde quer que seja, se esta pessoa tiver vontade de passar a maior quantidade de tempo possível praticando qualquer forma de expressão artística, seja encarando páginas em branco, lapidando textos, lapidando filmes, treinando danças, coreografias, teatro, seja praticando um instrumento musical (e quem toca instrumentos musicais sabe a quantidade de horas de prática para se chegar à liberdade de domínio do instrumento e de seu próprio corpo, os tais 99% de suor para 1% de inspiração), quem quer que seja que encontre felicidade nestas horas e horas de prática cotidiana artística deve produzir tais obras e não ser DUTO de coisa alguma.
Pois existem pessoas no mundo que não têm este prazer de produção artística, mas têm prazer em exibir, promover, e compartilhar estas obras. E tá tudo certo. Temos diversos exemplos de pessoas assim: vejam a paixão com que o Leon Cakof e a Renata de Almeida produziam e produzem a Mostra de São Paulo. O pessoal da Mostra de Tiradentes. E de tantas outras. Existe paixão pra tudo. E não, exibidores, programadores, curadores, professores, críticos de cinema ou de arte não são artistas frustrados – mas pessoas cuja a paixão deles é esta: analisar, comentar, debater, ensinar, deflagrar e ampliar o pensamento e a reflexão sobre as diversos âmbitos de atuação humanos. Que bom que tem gente com estas paixões tão complementares!
E o meu choque ao discutir com o Pablo Capilé foi ver que ele não tem paixão alguma pela produção cultural ou artística, que ele diz que ver filmes é “perda de tempo”, que livros, mesmo os clássicos, (que continuam sendo lidos e necessários há séculos), são “tecnologias ultrapassadas”, e que ele simplesmente não cultiva nada daquilo que ele quer representar. Nem ele nem os outros moradores das casas Fora do Eixo (já explico melhor sobre isso).
Ou seja, ele quer fazer shows, exibir filmes, peças de teatro, dança, simplesmente porque estas ações culturais/artísticas juntam muita gente em qualquer lugar, que vão sair nas fotos que eles tiram e mostram aos seus patrocinadores dizendo que mobilizam “tantas mil pessoas” junto ao poder público e privado, e que por tanto, querem mais dinheiro, ou privilégios políticos.
Vejam que esperto: se Pablo Capilé dizer que vai falar num palanque, não iria aparecer nem meia dúzia de pessoas para ouvi-lo, mas se disserem que o Criolo vai dar um show, aparecem milhares. Ou seja, quem mobiliza é o Criolo, e não ele. Mas depois ele tira as fotos do show do Criolo, e vai na Secretaria da Cultura dizendo que foi ele e sua rede que mobilizou aquelas pessoas. E assim, consequentemente, com todos os artistas que fazem participação em qualquer evento ligado à rede FdE. Acredito que, como eu, a maioria destes artistas não saibam o quanto Pablo Capilé capitaliza em cima deles, e de seus públicos.
Mesmo porque ele diz que as planilhas do orçamento do Fora do Eixo são transparentes e abertas na internet, sendo isso outra grande mentira lavada – tais planilhas não encontram-se na internet, nem sequer os próprios moradores das casas Fora do Eixo as viram, ou sabem onde estão. Em recente entrevista no Roda Viva, Capilé disse que arrecadam entre 3 e 5 milhões de reais por ano. Quanto disso é redistribuído para os artistas que se apresentam na rede?
O último dado que tive é que o Criolo recebia cerca de 20 mil reais para um show com eles, enquanto outra banda desconhecida não recebe nem 250 reais, na casa FdE São Paulo.
Mas seria extremamente importante que os patrocinadores destes milhões exigissem o contrato assinado com cada um destes artistas, baseado pelo menos no mínimo sindical de cada uma das áreas, para ter certeza que tais recursos estão sendo repassados, como faz o SESC.
Depois deste choque com o discurso do Pablo Capilé, ainda acompanhei a dinâmica da rede por mais alguns meses (foi cerca de 1 ano que tive contato constante com eles), pois queria ver se este ódio que ele carrega contra as artes e os artistas era algo particular dele, ou se estendia à toda a rede. Para a minha surpresa, me deparei com algo ainda mais assustador: as pessoas que moram e trabalham nas casas do Fora do Eixo simplesmente não têm tempo para desfrutar os filmes, peças de teatro, dança, livros, shows, pois estão 24 horas por dia, 7 dias por semana, trabalhando na campanha de marketing das ações do FdE no facebook, twitter e demais redes sociais.
E como elas vivem e trabalham coletivamente no mesmo espaço, gera-se um frenesi coletivo por produtividade, que, aliado ao fato de todos ali não terem horário de trabalho definido, acreditarem no mantra ‘trabalho é vida’, e não receberem salário, e portanto se sentirem constantemente devedores ao caixa coletivo, da verba que vem da produção de ações que acontecem “na ponta”, em outros coletivos aliados à rede, faz com que simplesmente, na casa Fora do Eixo em São Paulo, não se encontre nenhum indivíduo lendo um livro, vendo uma peça, assistindo a um filme, fazendo qualquer curso, fora da rede. Quem já cruzou com eles em festivais nos quais eles entraram como parceiros sabem do que estou falando: eles não entram para assistir a nenhum filme, nem assistem/participam de nenhum debate que não seja o deles. O que faz com que, depois de um tempo, eles não consigam falar de outra coisa que não sejam eles mesmos.
Sim, soa como seita religiosa.
Eu comecei a questionar esta prática: como vocês querem promover a cultura, se não a cultivam? Ao que me responderam “enquanto o povo brasileiro todo não puder assistir a um filme no cinema, nós também não vamos”. Eu perguntei se eles sabiam que havia mostras gratuitas de filmes, peças de teatro, dança, bibliotecas públicas, universidades públicas onde pode-se assistir a qualquer aula/curso – ao que me responderam que eles não têm tempo para perder com estas coisas.
Pode parecer algo muito minimalista, mas eu acho chocante eles se denominarem o “movimento social da cultura”, e não cultivar nem a produção nem o desfrute das atividades artísticas da cidade onde estão, considerando-se mártires por isso, orgulhando-se de serem chamados de “precariado cognitivo” (sem perceber o tamanho desta ofensa – podemos nos conformar em viver no precariado material, mas cultivar e querer espalhar o precariado de pensamentos, de massa crítica, de sensibilidade cognitiva, é algo muito grave para o desenvolvimento de seres humanos, e consequentemente da humanidade).
Concomitantemente a isso, reparei que aquela massa de pessoas que trabalham 24 horas por dia naquelas campanhas de publicidade das ações da rede FdE, não assinam nenhuma de suas criações: sejam textos, fotos, vídeos, pôsters, sites, ações, produções. Pois assinar aquilo que se diz, aquilo que se mostra, que se faz, ou que se cria, é considerado “egóico” para eles. Toda a produção que fazem é assinada simplesmente com a logomarca do Fora do Eixo, o que faz com que não saibamos quem são aquele exercito de criadores, mas sabemos que estão sob o teto e comando de Pablo Capilé, o fundador da marca.E que não, a marca do fora do Eixo não está ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa, nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo processado por trabalho escravo e estelionato de suas criações, por dezenas de pessoas que passaram um período de suas vidas nas casas Fora do Eixo, e saem das mesmas, ao se deparar com estas mesmas questões que exponho aqui, e outras ainda mais obscuras e complexas.
E além disso, o que talvez seja mais grave: quem mora nas casas Fora do Eixo, abdicam de salários por meses e anos, e portanto não têm um centavo ou fundo de garantia para sair da rede. Também não adquirem portfólio de produção, uma vez que não assinaram nada do que fizeram lá dentro – nem fotos, nem cartazes, nem sites, nem textos, nem vídeos. E, portanto, acabam se submetendo àquela situação de escravidão (pós)moderna, simplesmente pois não vêem como sobreviver da produção e circulação artística, fora da rede. Muitas destas pessoas são incentivadas pelo próprio Pablo Capilé a abandonar suas faculdades para se dedicarem integralmente ao Fora do Eixo. Quanto menos autonomia intelectual e financeira estas pessoas tiverem, melhor para ele.
E quando algumas destas pessoas conseguem sair, pois têm meios financeiros independentes da rede FdE para isso, ficam com medo de retaliação, pois vêem o poder de intermediação que o Capilé conseguiu junto ao Estado e aos patrocinadores de cultura no país, e temem serem “queimados” com estes. Ou mesmo sofrer agressões físicas. Já três pessoas me contaram ouvir de um dos membros do FdE, ao se desligarem da rede, ameaças tais quais “você está falando de mais, se estivéssemos na década de 70 ou na faixa de gaza você já estaria morto/a.” Como alguns me contaram, “eles funcionam como uma seita religiosa-política, tem gente ali capaz de tudo” na tal ânsia de disputa por cada vez mais hegemonia de pensamento, por popularidade e poder político, capital simbólico e material, de adeptos. Por isso se calam.
Fiquei sabendo de uma menina que produziu o Grito Rock 2012 em Braga, em Portugal, no qual exibiram meu filme. Ela me contou que estava de intercâmbio da universidade lá, e uma amiga dela que havia sido “abduzida pelo Fora do Eixo” entrou em contato perguntando se ela e um amigo não queriam exibir o filme em Braga, produzir o show de uma banda na universidade, fazer a divulgação destas ações nas redes sociais. Ela achou boa a idéia e qual não foi sua surpresa quando viu que em todos os materiais de divulgação do evento que lhe enviaram estava escrito “realização Fora do Eixo”. “Eu nunca fui do Fora do Eixo, não tenho nada a ver com eles, como assim meu nome não saiu em nada? Não vou poder usar estas produções no meu currículo? E pior, eles agora falam que o Fora do Eixo está até em Portugal, e em sei lá quantos países. Isso é simplesmente mentira. Eu não sou, nem nunca fui do Fora do Eixo.”
O que leva a outro ponto grave das falácias do Fora do Eixo: sua falta de precisão numérica. Pablo Capilé, quando vai intermediar recursos junto ao poder público ou privado, para capitalizar a rede FdE, fala números completamente aleatórios “somos mais de 2 mil pessoas em mais de 200 cidades na America Latina”. Cadê a assinatura destas pessoas dizendo que são realmente filiadas à rede? Qualquer associação, cooperativa, partido político, fundação, ONG, ou movimento social tem estes dados. Reais, e não imaginários.
Quando visitei algumas das casas Fora do Eixo, estas pessoas morando e trabalhando lá não chegavam a 10% daquilo que ele diz a rede conter. E estas pessoas são treinadas com a estratégia de marketing da rede, de “englobar” no facebook e twitter alguém que eles consideram estrategicamente importante para o Fora do Eixo, seja um vereador, um intelectual, um artista, um secretário da cultura, e replicam simultaneamente as fotos e textos dos eventos do qual produzem, divulgam, ou simplesmente se aproximam (já vou falar dos outros movimentos sociais que expulsam o Fora do Eixo de suas manifestações – pois eles tiram fotos de si no meio destas ações dos outros e depois vão ao poder público dizer que as representam), ao redor daquelas pessoas estratégicas, política e economicamente para eles, que as adicionaram ao mesmo tempo, criando uma realidade virtual paralela que eles manipulam ao redor desta pessoa. Pois, se esta pessoa ‘englobada’ apertar ‘ocultar’ nas cerca de150 pessoas que trabalham nas casas Fora do Eixo, verá que muito raramente estas informações chegam por outras vias. Ou seja, eles simulam um impacto midiático muito maior de suas ações, apara aqueles que lhes interessam, do que o impacto real das mesmas nas populações e localizações onde aconteceram.
E com isso vão construindo esta realidade falsa, paralela. Controlada por eles, sob liderança do Pablo Capilé.
Dos movimentos sociais que começaram a expulsar os Fora do Eixo de suas manifestações e ações, pois estes, como os melhores mandrakes, ao tentar dominar a comunicação destas, iam depois ao poder público dizer representá-las, estão o movimento do Hip Hop em São Paulo, as Mãe de Maio (que encabeçam o movimento pela desmilitarização da PM aqui), o Cordão da Mentira (que une diversos coletivos e movimentos sociais para a passeata de 1º de Abril, dia do golpe Militar no Brasil, escrachando os lugares e instituições que contribuíram para o mesmo), a Associação de Moradores da Favela do Moinho, o coletivo Zagaia, o Passa-Palavra, o Ocupa Mídia, O Ocupa Sampa, o Ocupa Rio, Ocupa Funarte, entre outros. Até membros do Movimento Passe Livre tem discutido publicamente o assunto dizendo que o Fora do Eixo não os representam, e não podem falar em seu nome.
Sobre a transmissão de protestos e ocupações, são milhares de pessoas em diversos países que transmitem as manifestações no mundo todo, em tempo real, e acredito que os inventores que fizeram os primeiros smartphones conectando vídeo com internet, são realmente tão importantes para a comunicação na atualidade quanto os inventores do telégrafo foram em outra época.
Já o Fora do Eixo, agora denominados de Mídia Ninja, (antes era Mídia Fora do Eixo, mas como são muito expulsos de manifestações resolveram mudar de nome) utilizar os vídeos feitos por centenas de pessoas não ligadas ao Fora do Eixo, editá-los, subí-los no canal sob seu selo, e querer capitalizar em cima disso – sem repassar os recursos para as pessoas que realmente filmaram estes vídeos/fizeram estas fotos e textos – inclusive do PM infiltrado mudando de roupa e atirando o molotov - eu já acho bastante discutível eticamente.
Sobre a questão do anonimato nos textos e fotos, acredito que esta prática acaba fazendo com que eles façam exatamente aquilo que criticam na grande mídia: espalham boatos anônimos, sem o menor comprometimento com a verdade, com a pesquisa, com a acuidade dos dados e fatos.
Mas enfim, acho que a discussão é muito mais profunda do que a Midía Ninja em si, apesar deles também se beneficiarem do trabalho escravo daqueles que vivem nas casas Fora do Eixo.
Acredito com este relato estar dando minha contribuição pública à discussão de o que é o Fora do Eixo, como se financiam e sustentam a rede, quais seus lados bons e seus lados perversos, onde é que enganam as pessoas, dizendo-se transparentes, impunemente.
Contribuição esta que acredito ser meu dever público, uma vez que, ao me encantar com a rede, e haver vislumbrado a possibilidade de interagir com cinéfilos do rincões mais distantes do país, que não têm acesso aos bens culturais produzidos ou circulados por aqui, incentivei outros colegas cineastas a fazerem o mesmo. Já conversei pessoalmente com todos aqueles que pude, explicando tudo aquilo que exponho aqui também. Dos cineastas que soube que também liberaram seus filmes para serem exibidos pela rede, nenhum recebeu qualquer feedback destas exibições, sejam em fotos com o número de pessoas no públicos, seja com a tabela de cidades em que passaram, seja de eventuais patrocínio que os exibidores receberam. E como talvez tenha alguém mais com quem eu não tenha conseguido falar pessoalmente, fica aqui registrado o testemunho público sobre minha experiência com a rede Fora do Eixo, para que outras pessoas possam tomar a decisão de forma mais consciente caso queiram ou não colaborar com ela.
Espero que os patrocinadores da rede tomem também conhecimento de todas estas falácias, e cobrem do Fora do Eixo o número exato de participantes, com assinatura dos mesmos, os contratos e recibo de repasse das verbas que recebem aos autores das obras e espetáculos que eles dizem promover. E que jornalistas que investigam o trabalho escravo moderno se debrucem também sobre estas casas: pois acredito que as pessoas que estão lá e querem sair precisam de condições financeiras e psicológicas para isso.
Espero também que mais pessoas tomem coragem para publicar seus relatos (e sei que tem muita gente que poderia fazer o mesmo, mas que tem medo pelos motivos que expliquei a cima), e assim teremos uma polifonia importante para quebrar a máscara de consenso ao redor do Fora do Eixo.
E que, mesmo vivendo em plena era da cultura da publicidade, exijamos “mais integridade, por favor”, entre aquilo que dizem e aquilo que fazem aqueles que querem trabalhar, circular, exibir, criar, representar, pensar ou lutar pelo direito fundamental do Homem de produção e desfrute da diversidade artística e cultural de todas as épocas, em nosso tempo."
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