quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Fora do Fora do Eixo, por Beatriz Seigner



Conheci um representante da rede Fora do Eixo durante um trajeto de ônibus do Festival de Cinema de Gramado de 2011, onde eu havia sido convidada para exibir meu filme “Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano” e ele havia sido convidado a participar de um debate sobre formas alternativas de distribuição de filmes no Brasil.

Meu filme havia sido lançado naquele mesmo ano no circuito comercial de cinemas, em mais de 19 cidades brasileiras, distribuído pela Espaço Filmes, e o rapaz me contava de como o Fora do Eixo estava articulando pela internet os cerca de 1000 cineclubes do programa do governo Cine Mais Cultura, assim como outros cineclubes de pontos de cultura, escolas, universidades, coletivos e pontos de exibição alternativos, que estavam conectados à internet nas cidades mais longínquas do Brasil, para fazerem exibição simultânea de filmes com debate tanto presencialmente, quanto ao vivo, por skype. Eu achei a idéia o máximo. Me disponibilizei, a mim e ao meu filme para participar destas exibições, pois realmente acredito na necessidade de democratizar o acesso aos bens culturais no país, e sei como é angustiante, nestas cidades distantes, viver sem acesso à cultura alternativa e mais diversas artes.

Foi então organizado o lançamento do meu filme nos cineclubes associados à rede Fora do Eixo durante o Grito Rock 2012, no qual eu também me disponibilizei a participar de uma tournée de debates no interior de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro, e por skype com outros cineclubes que aderissem à “campanha de exibição”, como eles chamam.

Com relação à remuneração eles me explicaram que aquele ainda era um projeto embrionário, sem recursos próprios, mas que podiam pagá-lo com “Cubo Card”, a moeda solidária deles, que poderia ser trocada por serviços de design, de construção de sites, entre outras coisas. Já adianto aqui que nunca vi nem sequer nenhum centavo deste cubo card, ou a plataforma com ‘menu de serviços’ onde esta moeda é trocada.

E fiquei sabendo que algumas destas exibições com debate presencial no interior de SP seriam patrocinadas pelo SESC – pois o SESC pede a assinatura do artista que vai fazer a performance ou exibir seu filme nos seus contratos, independente do intermediário. E só por eles pedirem isso é que fiquei sabendo que algumas destas exibições tinham sim, patrocinador. Fui descobrir outros patrocinadores nos posters e banners do Grito Rock de cada cidade. Destes eu não recebi um centavo.

No entanto, foi realmente muito animador ver a quantidade de pessoas sedentas por cultura alternativa em todas as cidades de pequeno e médio porte pelas quais passei. Foi também incrível conversar com cinéfilos por skype de cidadezinhas do Acre, Manaus, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Mato Grosso, Goiania, Santa Catarina, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras cidades. Pelo que eu via, tinha entre 50 a 150 pessoas em cada sessão. Eu perdi a conta de quantos debates e exibições foram feitas, mas o Fora do Eixo havia me prometido como contra-partida uma foto de cada exibição onde fosse visível o número de público destas, e uma tabela com as cidades e quantidades de exibições que foram feitas. Coisa que também nunca recebi.

De qualquer maneira, empolgada com esta quantidade de pessoas que não querem consumir cultura de massa, em todas estas cidades, entrei em contato com colegas cineastas e distribuidores para que também disponibilizassem seus filmes, pois via o potencial de fortalecimento destes pontos de exibição em todos estes lugares, de crescimento do número de cinéfilos, e de pessoas que têm o desejo de desfrutar coletivamente de um filme, ou de outra obra de arte, de discuti-la, pesquisá-la, e se possível debatê-la com seus realizadores. Estava realmente impressionada com a quantidade de pessoas em todas estas cidades sedentas por arte. Se eu tivesse nascido em uma delas, via que seguramente seria uma delas, e mal conseguia imaginar como deve ser insuportável viver em uma cidade onde não há teatro, cinema alternativo, e muitas vezes nem sequer bibliotecas.

A idéia seria então de fazer um projeto para captar recursos para viabilizar estas exibições. Pensamos em algo como cada cineclube ou ponto de exibição que exibisse um filme receberia 100 reais para organizar e divulgar a sessão, e cada cineasta receberia o mesmo valor pelos diretos de exibição de seu filme naquele lugar. E caso houvesse debate presencial receberia mais cerca de mil reais de cachê pelo debate, e por skype ao vivo cerca de 500 reais pelo debate de até 3 horas.

Pensando em rede, se mil cineclubes exibissem um filme, o cineasta poderia receber, no mínimo, 100 mil reais por estas exibições. Eu ainda acho que é um projeto que deve ser realizado. E que esta ligação entre os cineclubes deveria ser feita por uma plataforma pública online do governo, onde ficaria o armazenamento destes filmes para download com senha e crédito paypal para estes pontos de exibição (sejam eles cineclubes, escolas, universidades, pontos de cultura etc).

Assim como também acho que os “Céus das Artes” que estão sendo construídos no país todo deveriam ter salas de cinema separadas dos teatros, com programação diária, constante, aumentando em 15% o parque exibidor brasileiro, e capacitando o governo de fazer políticas de exibição de filmes gratuitas ou com preços populares, em lugares onde simplesmente não há cinemas, muito menos, de arte.

Mas isso já é outra história. Voltemos ao Fora do Eixo.

E quando foi que o projeto degringolou? ou quando foi que me assustei com o Fora do Eixo?

Meu primeiro susto foi quando perguntaram se podiam colocar a logomarca deles no meu filme – para ser uma ‘realização Fora do Eixo’, em seu catálogo. Eu disse que o filme havia sido feito sem nenhum recurso público e que a cota mínima para um patrocinador ter sua logomarca nele era de 50 mil reais. Eles desistiram.

O segundo susto veio justamente na exibição com debate em um SESC do interior de SP, quando recebi o contrato do SESC, e vi que o Fora do Eixo estava recebendo por aquela sessão, em meu nome, e não haviam me consultado sobre aquilo. Assinei o contrato minutos antes da exibição e cobrei do Fora do Eixo aquele valor descrito ali como sendo de meu cachê, coisa que eles me repassaram mais de 9 meses depois, porque os cobrei, publicamente.

O terceiro susto veio quando me levaram para jantar na casa da diretora de marketing da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, onde falavam dos números fabulosos (e sempre superfaturados) da quantidade de pessoas que estavam comparecendo às sessões dos filmes, aos festivais de música, e do poder do Fora do Eixo em articular todas aquelas pessoas em todas estas cidades. Falavam do público que compareciam a estas exibições e espetáculos como sendo filiados à eles. Ou como se eles tivessem qualquer poder sobre este público.

Foi aí que conheci pela primeira vez o Pablo Capilé, fundador da marca/rede Fora do Eixo, um pouco antes deste jantar. Até então haviam me dito que a rede era descentralizada, e eu havia acreditado, mas imediatamente quando vi a reverência com que todos o escutam, o obedecem, não o contradizem ou criticam, percebi que ele é o líder daqueles jovens, e que ao redor dele orbitavam aqueles que eles chamam de “cúpula” ou “primeiro escalão” do FdE.

O susto veio, não apenas por conta de perceber esta centralidade de liderança, mas porque o Pablo Capilé dizia que não deveria haver curadoria dos filmes a serem exibidos neste circuito de cineclubes, que se a Xuxa liberasse os filmes dela, eles seguramente fariam campanha para estes filmes serem consumidos pois dariam mais visibilidade ao Fora do Eixo, e trariam mais pessoas para ‘curtir’ as fotos e a rede deles – pessoas estas que ele contabilizaria, para seus patrocinadores tanto no âmbito público, quanto privado. “Olha só quantas pessoas fizemos sair de suas casas”. E que ele era contra pagar cachês aos artistas, pois se pagasse valorizaria a atividade dos mesmos e incentivaria a pessoa ‘lá na ponta’ da rede, como eles dizem, a serem artistas e não ‘DUTO’ como ele precisava. Eu perguntei o que ele queria dizer com “duto”, ele falou sem a menor cerimônia: “duto, os canos por onde passam o esgoto”.

Eu fiquei chocada. Não apenas pela total falta de respeito por aqueles que dedicam a maior quantidades de horas de sua vida para o desenvolvimento da produção artística (e quando eu argumentava isso ele tirava sarro dizendo ‘todo mundo é artista’ ao que eu respondia ‘todo mundo é esportista também – mas quantos têm a vocação e prazer de ficar mais de 8 horas diárias treinando e se aprofundando em determinada forma de expressão? quantas pessoas que jogam uma pelada no fim de semana querem e têm o talento para serem jogadores profissionais?” “mas se pudesse escolher todo mundo seria artista” “não necessariamente, leia as biografias de todos os grandes compositores, escritores, cineastas, coreógrafos, músicos, dançarinos – quero ver quem gostaria de ter aquelas infâncias violentadas, viver na miséria econômicas, passar horas de dedicando-se a coisas consideradas inúteis por outros - vai ver se quem é artista, se pudesse escolher outra forma de vocação se não escolheria ter vontade de ser feliz sendo médico, advogado, empresário, cientista social.”).

Enfim, o fato é que eu acreditava e continuo acreditando que se a pessoa na ponta da rede, seja no Acre ou onde quer que seja, se esta pessoa tiver vontade de passar a maior quantidade de tempo possível praticando qualquer forma de expressão artística, seja encarando páginas em branco, lapidando textos, lapidando filmes, treinando danças, coreografias, teatro, seja praticando um instrumento musical (e quem toca instrumentos musicais sabe a quantidade de horas de prática para se chegar à liberdade de domínio do instrumento e de seu próprio corpo, os tais 99% de suor para 1% de inspiração), quem quer que seja que encontre felicidade nestas horas e horas de prática cotidiana artística deve produzir tais obras e não ser DUTO de coisa alguma.

Pois existem pessoas no mundo que não têm este prazer de produção artística, mas têm prazer em exibir, promover, e compartilhar estas obras. E tá tudo certo. Temos diversos exemplos de pessoas assim: vejam a paixão com que o Leon Cakof e a Renata de Almeida produziam e produzem a Mostra de São Paulo. O pessoal da Mostra de Tiradentes. E de tantas outras. Existe paixão pra tudo. E não, exibidores, programadores, curadores, professores, críticos de cinema ou de arte não são artistas frustrados – mas pessoas cuja a paixão deles é esta: analisar, comentar, debater, ensinar, deflagrar e ampliar o pensamento e a reflexão sobre as diversos âmbitos de atuação humanos. Que bom que tem gente com estas paixões tão complementares!

E o meu choque ao discutir com o Pablo Capilé foi ver que ele não tem paixão alguma pela produção cultural ou artística, que ele diz que ver filmes é “perda de tempo”, que livros, mesmo os clássicos, (que continuam sendo lidos e necessários há séculos), são “tecnologias ultrapassadas”, e que ele simplesmente não cultiva nada daquilo que ele quer representar. Nem ele nem os outros moradores das casas Fora do Eixo (já explico melhor sobre isso).

Ou seja, ele quer fazer shows, exibir filmes, peças de teatro, dança, simplesmente porque estas ações culturais/artísticas juntam muita gente em qualquer lugar, que vão sair nas fotos que eles tiram e mostram aos seus patrocinadores dizendo que mobilizam “tantas mil pessoas” junto ao poder público e privado, e que por tanto, querem mais dinheiro, ou privilégios políticos.

Vejam que esperto: se Pablo Capilé dizer que vai falar num palanque, não iria aparecer nem meia dúzia de pessoas para ouvi-lo, mas se disserem que o Criolo vai dar um show, aparecem milhares. Ou seja, quem mobiliza é o Criolo, e não ele. Mas depois ele tira as fotos do show do Criolo, e vai na Secretaria da Cultura dizendo que foi ele e sua rede que mobilizou aquelas pessoas. E assim, consequentemente, com todos os artistas que fazem participação em qualquer evento ligado à rede FdE. Acredito que, como eu, a maioria destes artistas não saibam o quanto Pablo Capilé capitaliza em cima deles, e de seus públicos.

Mesmo porque ele diz que as planilhas do orçamento do Fora do Eixo são transparentes e abertas na internet, sendo isso outra grande mentira lavada – tais planilhas não encontram-se na internet, nem sequer os próprios moradores das casas Fora do Eixo as viram, ou sabem onde estão. Em recente entrevista no Roda Viva, Capilé disse que arrecadam entre 3 e 5 milhões de reais por ano. Quanto disso é redistribuído para os artistas que se apresentam na rede?

O último dado que tive é que o Criolo recebia cerca de 20 mil reais para um show com eles, enquanto outra banda desconhecida não recebe nem 250 reais, na casa FdE São Paulo.

Mas seria extremamente importante que os patrocinadores destes milhões exigissem o contrato assinado com cada um destes artistas, baseado pelo menos no mínimo sindical de cada uma das áreas, para ter certeza que tais recursos estão sendo repassados, como faz o SESC.

Depois deste choque com o discurso do Pablo Capilé, ainda acompanhei a dinâmica da rede por mais alguns meses (foi cerca de 1 ano que tive contato constante com eles), pois queria ver se este ódio que ele carrega contra as artes e os artistas era algo particular dele, ou se estendia à toda a rede. Para a minha surpresa, me deparei com algo ainda mais assustador: as pessoas que moram e trabalham nas casas do Fora do Eixo simplesmente não têm tempo para desfrutar os filmes, peças de teatro, dança, livros, shows, pois estão 24 horas por dia, 7 dias por semana, trabalhando na campanha de marketing das ações do FdE no facebook, twitter e demais redes sociais.

E como elas vivem e trabalham coletivamente no mesmo espaço, gera-se um frenesi coletivo por produtividade, que, aliado ao fato de todos ali não terem horário de trabalho definido, acreditarem no mantra ‘trabalho é vida’, e não receberem salário, e portanto se sentirem constantemente devedores ao caixa coletivo, da verba que vem da produção de ações que acontecem “na ponta”, em outros coletivos aliados à rede, faz com que simplesmente, na casa Fora do Eixo em São Paulo, não se encontre nenhum indivíduo lendo um livro, vendo uma peça, assistindo a um filme, fazendo qualquer curso, fora da rede. Quem já cruzou com eles em festivais nos quais eles entraram como parceiros sabem do que estou falando: eles não entram para assistir a nenhum filme, nem assistem/participam de nenhum debate que não seja o deles. O que faz com que, depois de um tempo, eles não consigam falar de outra coisa que não sejam eles mesmos.
Sim, soa como seita religiosa.

Eu comecei a questionar esta prática: como vocês querem promover a cultura, se não a cultivam? Ao que me responderam “enquanto o povo brasileiro todo não puder assistir a um filme no cinema, nós também não vamos”. Eu perguntei se eles sabiam que havia mostras gratuitas de filmes, peças de teatro, dança, bibliotecas públicas, universidades públicas onde pode-se assistir a qualquer aula/curso – ao que me responderam que eles não têm tempo para perder com estas coisas.
Pode parecer algo muito minimalista, mas eu acho chocante eles se denominarem o “movimento social da cultura”, e não cultivar nem a produção nem o desfrute das atividades artísticas da cidade onde estão, considerando-se mártires por isso, orgulhando-se de serem chamados de “precariado cognitivo” (sem perceber o tamanho desta ofensa – podemos nos conformar em viver no precariado material, mas cultivar e querer espalhar o precariado de pensamentos, de massa crítica, de sensibilidade cognitiva, é algo muito grave para o desenvolvimento de seres humanos, e consequentemente da humanidade). 

Concomitantemente a isso, reparei que aquela massa de pessoas que trabalham 24 horas por dia naquelas campanhas de publicidade das ações da rede FdE, não assinam nenhuma de suas criações: sejam textos, fotos, vídeos, pôsters, sites, ações, produções. Pois assinar aquilo que se diz, aquilo que se mostra, que se faz, ou que se cria, é considerado “egóico” para eles. Toda a produção que fazem é assinada simplesmente com a logomarca do Fora do Eixo, o que faz com que não saibamos quem são aquele exercito de criadores, mas sabemos que estão sob o teto e comando de Pablo Capilé, o fundador da marca.E que não, a marca do fora do Eixo não está ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa, nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo processado por trabalho escravo e estelionato de suas criações, por dezenas de pessoas que passaram um período de suas vidas nas casas Fora do Eixo, e saem das mesmas, ao se deparar com estas mesmas questões que exponho aqui, e outras ainda mais obscuras e complexas. 
 
Me explico melhor: existem muitos dissidentes que se aproximam da rede pois vêem nela a possibilidade de viver da criação e circulação artística, de modificar suas cidades e fortalecer o impacto social da arte na população das mesmas, que depois de um tempo trabalhando para eles percebem, tal qual eu percebi, as incongruências do movimento Fora do Eixo. Que aquilo que falam, ou divulgam, não é aquilo que praticam. É a pura cultura da publicidade vazia enraizada nos hábitos diários daquelas pessoas.

E além disso, o que talvez seja mais grave: quem mora nas casas Fora do Eixo, abdicam de salários por meses e anos, e portanto não têm um centavo ou fundo de garantia para sair da rede. Também não adquirem portfólio de produção, uma vez que não assinaram nada do que fizeram lá dentro – nem fotos, nem cartazes, nem sites, nem textos, nem vídeos. E, portanto, acabam se submetendo àquela situação de escravidão (pós)moderna, simplesmente pois não vêem como sobreviver da produção e circulação artística, fora da rede. Muitas destas pessoas são incentivadas pelo próprio Pablo Capilé a abandonar suas faculdades para se dedicarem integralmente ao Fora do Eixo. Quanto menos autonomia intelectual e financeira estas pessoas tiverem, melhor para ele.

E quando algumas destas pessoas conseguem sair, pois têm meios financeiros independentes da rede FdE para isso, ficam com medo de retaliação, pois vêem o poder de intermediação que o Capilé conseguiu junto ao Estado e aos patrocinadores de cultura no país, e temem serem “queimados” com estes. Ou mesmo sofrer agressões físicas. Já três pessoas me contaram ouvir de um dos membros do FdE, ao se desligarem da rede, ameaças tais quais “você está falando de mais, se estivéssemos na década de 70 ou na faixa de gaza você já estaria morto/a.” Como alguns me contaram, “eles funcionam como uma seita religiosa-política, tem gente ali capaz de tudo” na tal ânsia de disputa por cada vez mais hegemonia de pensamento, por popularidade e poder político, capital simbólico e material, de adeptos. Por isso se calam.

Fiquei sabendo de uma menina que produziu o Grito Rock 2012 em Braga, em Portugal, no qual exibiram meu filme. Ela me contou que estava de intercâmbio da universidade lá, e uma amiga dela que havia sido “abduzida pelo Fora do Eixo” entrou em contato perguntando se ela e um amigo não queriam exibir o filme em Braga, produzir o show de uma banda na universidade, fazer a divulgação destas ações nas redes sociais. Ela achou boa a idéia e qual não foi sua surpresa quando viu que em todos os materiais de divulgação do evento que lhe enviaram estava escrito “realização Fora do Eixo”. “Eu nunca fui do Fora do Eixo, não tenho nada a ver com eles, como assim meu nome não saiu em nada? Não vou poder usar estas produções no meu currículo? E pior, eles agora falam que o Fora do Eixo está até em Portugal, e em sei lá quantos países. Isso é simplesmente mentira. Eu não sou, nem nunca fui do Fora do Eixo.”

O que leva a outro ponto grave das falácias do Fora do Eixo: sua falta de precisão numérica. Pablo Capilé, quando vai intermediar recursos junto ao poder público ou privado, para capitalizar a rede FdE, fala números completamente aleatórios “somos mais de 2 mil pessoas em mais de 200 cidades na America Latina”. Cadê a assinatura destas pessoas dizendo que são realmente filiadas à rede? Qualquer associação, cooperativa, partido político, fundação, ONG, ou movimento social tem estes dados. Reais, e não imaginários.

Quando visitei algumas das casas Fora do Eixo, estas pessoas morando e trabalhando lá não chegavam a 10% daquilo que ele diz a rede conter. E estas pessoas são treinadas com a estratégia de marketing da rede, de “englobar” no facebook e twitter alguém que eles consideram estrategicamente importante para o Fora do Eixo, seja um vereador, um intelectual, um artista, um secretário da cultura, e replicam simultaneamente as fotos e textos dos eventos do qual produzem, divulgam, ou simplesmente se aproximam (já vou falar dos outros movimentos sociais que expulsam o Fora do Eixo de suas manifestações – pois eles tiram fotos de si no meio destas ações dos outros e depois vão ao poder público dizer que as representam), ao redor daquelas pessoas estratégicas, política e economicamente para eles, que as adicionaram ao mesmo tempo, criando uma realidade virtual paralela que eles manipulam ao redor desta pessoa. Pois, se esta pessoa ‘englobada’ apertar ‘ocultar’ nas cerca de150 pessoas que trabalham nas casas Fora do Eixo, verá que muito raramente estas informações chegam por outras vias. Ou seja, eles simulam um impacto midiático muito maior de suas ações, apara aqueles que lhes interessam, do que o impacto real das mesmas nas populações e localizações onde aconteceram.
E com isso vão construindo esta realidade falsa, paralela. Controlada por eles, sob liderança do Pablo Capilé.

Dos movimentos sociais que começaram a expulsar os Fora do Eixo de suas manifestações e ações, pois estes, como os melhores mandrakes, ao tentar dominar a comunicação destas, iam depois ao poder público dizer representá-las, estão o movimento do Hip Hop em São Paulo, as Mãe de Maio (que encabeçam o movimento pela desmilitarização da PM aqui), o Cordão da Mentira (que une diversos coletivos e movimentos sociais para a passeata de 1º de Abril, dia do golpe Militar no Brasil, escrachando os lugares e instituições que contribuíram para o mesmo), a Associação de Moradores da Favela do Moinho, o coletivo Zagaia, o Passa-Palavra, o Ocupa Mídia, O Ocupa Sampa, o Ocupa Rio, Ocupa Funarte, entre outros. Até membros do Movimento Passe Livre tem discutido publicamente o assunto dizendo que o Fora do Eixo não os representam, e não podem falar em seu nome.

Sobre a transmissão de protestos e ocupações, são milhares de pessoas em diversos países que transmitem as manifestações no mundo todo, em tempo real, e acredito que os inventores que fizeram os primeiros smartphones conectando vídeo com internet, são realmente tão importantes para a comunicação na atualidade quanto os inventores do telégrafo foram em outra época. 

Já o Fora do Eixo, agora denominados de Mídia Ninja, (antes era Mídia Fora do Eixo, mas como são muito expulsos de manifestações resolveram mudar de nome) utilizar os vídeos feitos por centenas de pessoas não ligadas ao Fora do Eixo, editá-los, subí-los no canal sob seu selo, e querer capitalizar em cima disso – sem repassar os recursos para as pessoas que realmente filmaram estes vídeos/fizeram estas fotos e textos – inclusive do PM infiltrado mudando de roupa e atirando o molotov - eu já acho bastante discutível eticamente.

Sobre a questão do anonimato nos textos e fotos, acredito que esta prática acaba fazendo com que eles façam exatamente aquilo que criticam na grande mídia: espalham boatos anônimos, sem o menor comprometimento com a verdade, com a pesquisa, com a acuidade dos dados e fatos.
Mas enfim, acho que a discussão é muito mais profunda do que a Midía Ninja em si, apesar deles também se beneficiarem do trabalho escravo daqueles que vivem nas casas Fora do Eixo.

Acredito com este relato estar dando minha contribuição pública à discussão de o que é o Fora do Eixo, como se financiam e sustentam a rede, quais seus lados bons e seus lados perversos, onde é que enganam as pessoas, dizendo-se transparentes, impunemente.

Contribuição esta que acredito ser meu dever público, uma vez que, ao me encantar com a rede, e haver vislumbrado a possibilidade de interagir com cinéfilos do rincões mais distantes do país, que não têm acesso aos bens culturais produzidos ou circulados por aqui, incentivei outros colegas cineastas a fazerem o mesmo. Já conversei pessoalmente com todos aqueles que pude, explicando tudo aquilo que exponho aqui também. Dos cineastas que soube que também liberaram seus filmes para serem exibidos pela rede, nenhum recebeu qualquer feedback destas exibições, sejam em fotos com o número de pessoas no públicos, seja com a tabela de cidades em que passaram, seja de eventuais patrocínio que os exibidores receberam. E como talvez tenha alguém mais com quem eu não tenha conseguido falar pessoalmente, fica aqui registrado o testemunho público sobre minha experiência com a rede Fora do Eixo, para que outras pessoas possam tomar a decisão de forma mais consciente caso queiram ou não colaborar com ela.

Espero que os patrocinadores da rede tomem também conhecimento de todas estas falácias, e cobrem do Fora do Eixo o número exato de participantes, com assinatura dos mesmos, os contratos e recibo de repasse das verbas que recebem aos autores das obras e espetáculos que eles dizem promover. E que jornalistas que investigam o trabalho escravo moderno se debrucem também sobre estas casas: pois acredito que as pessoas que estão lá e querem sair precisam de condições financeiras e psicológicas para isso. 

Espero também que mais pessoas tomem coragem para publicar seus relatos (e sei que tem muita gente que poderia fazer o mesmo, mas que tem medo pelos motivos que expliquei a cima), e assim teremos uma polifonia importante para quebrar a máscara de consenso ao redor do Fora do Eixo.

E que, mesmo vivendo em plena era da cultura da publicidade, exijamos “mais integridade, por favor”, entre aquilo que dizem e aquilo que fazem aqueles que querem trabalhar, circular, exibir, criar, representar, pensar ou lutar pelo direito fundamental do Homem de produção e desfrute da diversidade artística e cultural de todas as épocas, em nosso tempo."

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