terça-feira, 24 de abril de 2012

O que é possível esperar dos socialistas franceses?


As propostas de François Hollande são modestas e precisas. Não há um enunciado revolucionário nem de ruptura total. O que há, ao invés disso, é um bom senso regulador. A esquerda mais ardente achará que é muito pouco, que os estragos do liberalismo merece outra resposta. Outros dirão que o próprio fato de poder falar e a existência de medidas detalhadas em um programa é um grande passo. Até onde pode ir o socialismo francês? O artigo é de Eduardo Febbro.

Paris - Socialdemocracia e mercado...uma dupla que já foi antagônica, tornou-se depois aliada e agora está à beira de um divórcio anunciado. Mito, manipulação ou verdade ? A perspectiva anunciada pelas pesquisas de opinião de uma vitória do candidato socialista François Hollande nas eleições presidenciais francesas coloca a interrogação sobre a relação entre socialdemocratas e mercados após dez anos ininterruptos de governos liberal conservadores.

No ato de lançamento de sua candidatura, François Hollande pronunciou uma frase que ninguém esperava, uma espécie de machadinha de guerra cravada no coração do do liberalismo predador : « meu adversário, meu verdadeiro adversário, não tem nome, rosto ou partido. Nunca apresentará sua candidatura e, por conseguinte, não sairá eleito. No entanto, esse adversário governa. Esse adversário é o mundo das finanças.

Há muitos anos que o socialismo europeu não recorria ao seu fundo de valores históricos. Em resposta a isso, a direita francesa, com seu candidato à frente, Nicolas Sarkozy, saiu a contar a história do lobo : se os socialistas ganharem, haverá « caos », os mercados se lançarão contra o país com « ataques especulativos » e a França terminará « de joelhos’. Com esses anúncios escatológicos, os liberais procuraram ressuscitar os medos que se apoderaram dos mercados no dia seguinte à vitória do falecido presidente socialista François Miterrand, em maio de 1981. Afuguentados pelo famoso « programa comum » da esquerda, os capitais correram apavorados e a bolsa de Paris perdeu em quatro dias 17,1% de seu valor.

O contexto atual é diferente. Os mercados ainda não anteciparam com sinais negativos a provável vitória do socialismo francês. O economista chefe de um grande banco francês disse, sob anonimato, ao Libération, que « ninguém imagina uma desconfiança repentina dos mercados financeiros só porque a França passe a ser governada por um socialista ». A maioria dos analistas descarta um « confronto » entre o mercado e a socialdemocracia. Em parte porque a crise é muito forte, em parte porque, por paradoxal que seja, o PS anunciou medidas que os mercados consideraram mais « coerentes » com a situação atual. Uma delas, essencial, consistiu em dizer que o rigor econômico e os ajustes sem crescimento não conduzem a lugar algum. Henri Sterdyniak, responsável pelo Departamento de Economia da Globalização no Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE), assinalou ao semanário Challenge’s que « o candidato socialista optou por uma estratégia progressiva de redução da dívida pública e do déficit. Tem uma estratégia. Seu programa é prudente ».

Prudência não equivale à ausência de metas. De fato, o contexto de 2012 é muito distinto daquele das eleições de 2007 e, sobretudo, do de 2002, quando o ex-primeiro ministro socialista Lionel Jospin perdeu as eleições presidenciais após cair já no primeiro turno, onde foi superado pelo candidato de extrema-direita Jean Marie Le Pen que, por sua vez, acabou derrotado por Jacques Chirac. Jospin havia criado um slogan irrepetível quando, logo no início da campanha, disse que seu programa « não era socialista ». Jospin costumava dizer « sim à economia de mercado, não à sociedade de mercado ». François Hollande mostrou-se mais preciso e mais à esquerda que Lionel Jospin. Sob o governo de Jospin (1977-2002) ocorreu um amplo processo de privatização de empresas públicas. Comparado com a direita (que privatizou 140 bilhões entre 1986 e 1997), Jospin foi muito mais longe : 210 bilhões.

Parte da visão socialista foi antecipada em uma entrevista exclusiva que Benoït Hamon, representante da ala mais à esquerda do PS e atual porta-voz do partido, concedeu à Carta Maior. « Na França fazem falta quatro ou cinco leis para modificar radicalmente a natureza do laço entre os mercados financeiros e a economia real. Com uma lei sobre as transações financeiras, outra sobre a separação entre banco para o público e banco de negócios, outra sobre comissões bancárias, outra que aponte para uma reforma da aposentadoria fundada sobre o imposto ao capital, e outra sobre a tributação para que a renda pague tanto imposto como os lucros obetidos mediante o trabalho. Com essas leis já haveria uma mudança considerável. Não há nada de revolucionpariuo nisso, tudo é autenticamente socialdemocrata ».

No programa de François Hollande figuram como metas a redução do déficit do PIB a 3% em 2017 graças ao aumento dos impostos ; a separação dos bancos em duas categorias, de depósito e de especulação ; alta de 15% dos benefícios bancários ; eliminação dos produtos financeiros tóxicos e criação de uma taxa sobre as transações financeiras. Quanto à política fiscal, Hollande pôs a barreira bem alto : 45% de impostos suplementares para quem tiver mais de 150 mil euros de lucros, e 75% para a casa superior a um milhão de euros, com restauração do imposto sobre as grandes fortunas, ISF, e tributação dos chamados « exilados fiscais », ou seja, os cidadãos domiciliados em Mônaco, Suíça e Lichtenstein para não pagar impostos.

O ponto de ruptura radical do socialismo representado por François Hollande está situado em nível europeu. Ao contrário de Sarkozy, Hollande já se inscreveu em um caminho de confronto com a dominante Alemanha da chanceler Angela Merkel. Em primeiro lugar, o aspirante socialista assegurou que renegociaria o pacto orçamentário europeu aprovado há alguns meses e mediante o qual se impõe aos estados da União Europeia uma disciplina fiscal férrea sob, inclusive, a ameaça de sanções caso não seja observado. Esse pacto é uma criação alemã. Hollande apresentou ainda outro princípio : contra o rigor extremo como única via de recuperação, uma estratégia de crescimento.

O socialista francês pagou caro sua iniciativa. O semanário alemão Der Spiegel reveliu a existência de um pacto entre a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, o primeiro ministro britânico David Cameron, e o presidente do Conselho italiano, Mario Monto, para não receber François Hollande. Ainda que a existência desse pacto tenha sido negada o fato é que Hollande não foi recebido por nenhum desses líderes. A eles se juntou depois o primeiro ministro polonês, Donald Tusk.

Hoje, os mercados se mostram tão serenos como o próprio François Hollande. Reconciliação ? Consciência mútua de que é preciso pactuar algumas concessões e regular para evitar o pior ? Ou simplesmente um compasso de espera do liberalismo antes de uma de suas já reiteradas estocadas. Benoït Hamon assinalou à Carta Maior que o ponto que importa aqui é « afastar a economia euopeia das convulsões dos mercados ».

As propostas de Hollande são modestas e precisas. Não há um enunciado revolucionário nem de ruptura total. O que há, ao invés disso, é um bom senso regulador. A esquerda mais ardente achará que é muito pouco, que os estragos do liberalismo merece outra resposta. Outros dirão que o próprio fato de poder falar e a existência de medidas detalhadas em um programa é um grande passo. Sobre isso, Benoit Hamon havia dito à Carta Maior : « acreditamos que era possível construir um modelo com os liberais. Por conseguinte, os socialdemocratas europeus têm uma grande responsabilidade para com a crise atual.

Tradução: Katarina Peixoto

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