Anos depois. Janaína Teles: Marcos Alves |
Décadas depois, homens e mulheres não esquecem das imagens que viram nos porões da ditadura
Thiago Herdy
SÃO PAULO - “Mãe, por que você está azul e o pai está verde?”,
perguntou Janaína Teles à mãe Maria Amélia ao visitá-la na carceragem do
Doi-Codi, órgão da repressão subordinado ao Exército, em São Paulo.
Tinha apenas 5 anos e ficou presa junto com o irmão Edson, de 4, em uma
sala trancada, de onde saíam apenas para ir ao banheiro, sob o comando
do coronel reformado Brilhante Ustra. Ernesto Nascimento, filho de
Manoel Dias e Jovelina, já tinha sido entregue à adoção pelos agentes do
regime quando os pais foram libertados para serem trocados pelo
embaixador alemão.
Telma e Denise Lucena não se esquecem da imagem do pai sendo morto na porta de casa. Gino Guilardini foi torturado aos 8 anos de idade para dizer onde o pai estava. Violência semelhante à que foi submetido Carlos Alexandre Azevedo, quando tinha apenas 1 ano e 8 meses de idade. Ele foi agredido por militares que queriam pressionar seus familiares a fornecer detalhes das organizações contra o regime. Suicidou-se na última semana, após 39 anos de sofrimento e muita dor causada pelos traumas da infância.
A morte de Carlos Alexandre gerou uma rede de solidariedade em torno da família do rapaz nesta semana e motivou a inclusão de um novo tema para resgate pelas comissões da verdade que investigam a história da repressão no país, tanto em âmbitos estaduais (São Paulo e Pernambuco) quanto nacional. As três comissões planejam rever a história de crianças que sofreram em silêncio a violência e o impacto da ditadura militar.
— Meu filho foi suicidado, assim como ocorreu com Vladimir Herzog. Viveu um longo processo até chegar ao limite da sua angústia. Sempre demonstrou, desde criança, o impacto (da repressão e da prisão dos pais) na sua vida, e na medida em que foi tomando consciência do que havia se passado, passou a entender que tinha sido vítima de um processo político — disse ao GLOBO o pai de Carlos Alexandre, Dermi Azevedo, que lançou no último mês um livro de memórias sobre o período em que foi militante político.
A luz acesa na cozinha da casa perto do Doi-Codi onde dormia no período em que os pais estavam presos não sai da cabeça de Janaína Teles, presa aos 5 anos, um dia depois dos pais, militantes políticos.
— Eu tinha costume de abraçar e beijar muito os meus pais. Quando cheguei na cela, fui dar um beijo neles e eles não conseguiam se mexer. Eu estranhei. Falavam pra mim que eles estavam doentes, que ali era um hospital — recordou-se a menina, que também não conseguia dormir por causa da lembrança dos gritos e do que tinha visto durante o dia na unidade da repressão.
Militares perguntavam a ela informações sobre as atividades dos pais. A resposta padrão era “não sei”. Até que um dia o interrogando se irritou: “Não sabe ou não quer dizer?”
— Não sei e não quero dizer.
Janaína ficou pelo menos seis meses sem ter notícias dos pais. Aos 12 anos, encontrou uma mensagem na caixa dos correios da sua casa. Endereçada aos pais, dizia que “os filhos” deveriam tomar cuidado na hora de ir e voltar da escola. Assinado: Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Brincadeira de pau de arara
Uma das brincadeiras preferidas do irmão, Edson Teles, que também foi preso com a família quando tinha 4 anos, era simular o pau de arara com uma boneca de pano que tinha. A campainha do Doi-Codi e gritos variados nunca foram esquecidos por Edson.
— Quando a gente já estava em casa e a campainha tocava, ele se trancava no banheiro, de medo. Até hoje meus filhos sofrem consequências do que ocorreu. Eles saíram de lá (do Doi-Codi) de um jeito que só eu sei — disse Maria Amélia, que frequentou e também levou os filhos a sessões com psicólogos para lidar com os traumas vividos durante o regime.
Hoje integrante da Comissão da Verdade de São Paulo, Maria Amélia atribuiu ao coronel reformado Carlos Brilhante Ustra a responsabilidade pelas torturas que passou e também a prisão de seus filhos. Em seus livros, o general classifica a violência no cárcere como “invencionice”, mas admite a presença das crianças no Doi-Codi. Argumenta que desejava evitar que eles fossem entregues ao Juizado de Menores, o que Maria Amélia considera “um absurdo”.
— Tiveram coragem de levar meus filhos na sala de tortura. Eu toda vomitada, urinada, suada, suja. Lembro do Edson perguntando para mim: “Mãe, agora você é bandida?”
Telma e Denise Lucena não se esquecem da imagem do pai sendo morto na porta de casa. Gino Guilardini foi torturado aos 8 anos de idade para dizer onde o pai estava. Violência semelhante à que foi submetido Carlos Alexandre Azevedo, quando tinha apenas 1 ano e 8 meses de idade. Ele foi agredido por militares que queriam pressionar seus familiares a fornecer detalhes das organizações contra o regime. Suicidou-se na última semana, após 39 anos de sofrimento e muita dor causada pelos traumas da infância.
A morte de Carlos Alexandre gerou uma rede de solidariedade em torno da família do rapaz nesta semana e motivou a inclusão de um novo tema para resgate pelas comissões da verdade que investigam a história da repressão no país, tanto em âmbitos estaduais (São Paulo e Pernambuco) quanto nacional. As três comissões planejam rever a história de crianças que sofreram em silêncio a violência e o impacto da ditadura militar.
— Meu filho foi suicidado, assim como ocorreu com Vladimir Herzog. Viveu um longo processo até chegar ao limite da sua angústia. Sempre demonstrou, desde criança, o impacto (da repressão e da prisão dos pais) na sua vida, e na medida em que foi tomando consciência do que havia se passado, passou a entender que tinha sido vítima de um processo político — disse ao GLOBO o pai de Carlos Alexandre, Dermi Azevedo, que lançou no último mês um livro de memórias sobre o período em que foi militante político.
A luz acesa na cozinha da casa perto do Doi-Codi onde dormia no período em que os pais estavam presos não sai da cabeça de Janaína Teles, presa aos 5 anos, um dia depois dos pais, militantes políticos.
— Eu tinha costume de abraçar e beijar muito os meus pais. Quando cheguei na cela, fui dar um beijo neles e eles não conseguiam se mexer. Eu estranhei. Falavam pra mim que eles estavam doentes, que ali era um hospital — recordou-se a menina, que também não conseguia dormir por causa da lembrança dos gritos e do que tinha visto durante o dia na unidade da repressão.
Militares perguntavam a ela informações sobre as atividades dos pais. A resposta padrão era “não sei”. Até que um dia o interrogando se irritou: “Não sabe ou não quer dizer?”
— Não sei e não quero dizer.
Janaína ficou pelo menos seis meses sem ter notícias dos pais. Aos 12 anos, encontrou uma mensagem na caixa dos correios da sua casa. Endereçada aos pais, dizia que “os filhos” deveriam tomar cuidado na hora de ir e voltar da escola. Assinado: Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Brincadeira de pau de arara
Uma das brincadeiras preferidas do irmão, Edson Teles, que também foi preso com a família quando tinha 4 anos, era simular o pau de arara com uma boneca de pano que tinha. A campainha do Doi-Codi e gritos variados nunca foram esquecidos por Edson.
— Quando a gente já estava em casa e a campainha tocava, ele se trancava no banheiro, de medo. Até hoje meus filhos sofrem consequências do que ocorreu. Eles saíram de lá (do Doi-Codi) de um jeito que só eu sei — disse Maria Amélia, que frequentou e também levou os filhos a sessões com psicólogos para lidar com os traumas vividos durante o regime.
Hoje integrante da Comissão da Verdade de São Paulo, Maria Amélia atribuiu ao coronel reformado Carlos Brilhante Ustra a responsabilidade pelas torturas que passou e também a prisão de seus filhos. Em seus livros, o general classifica a violência no cárcere como “invencionice”, mas admite a presença das crianças no Doi-Codi. Argumenta que desejava evitar que eles fossem entregues ao Juizado de Menores, o que Maria Amélia considera “um absurdo”.
— Tiveram coragem de levar meus filhos na sala de tortura. Eu toda vomitada, urinada, suada, suja. Lembro do Edson perguntando para mim: “Mãe, agora você é bandida?”
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