sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sustentabilidade de fachada

Quando uma empresa de cigarros investe em educação para 'fazer pessoas melhores' fica um cheiro meio esquisito no ar

Altos funcionários de diversos países do mundo, empresários e homens de negócios de todas as estirpes e representando os variados setores da economia, acadêmicos respeitados mundialmente, ativistas sociais e mais outras tantas pessoas 'importantes' estão reunidas no Rio de Janeiro para a Conferência Mundial Rio+20. A preocupação com o meio ambiente demorou para entrar na agenda de governos e empresas e, por isso, eventos como os que acontecem agora na Guanabara  são de fundamental importância.
Estudiosos das organizações há certo tempo constataram que o mundo corporativo, assim como as pessoas, seguem modas e modismos. Há mais ou menos oito anos empresas começaram a se preocupar em ser sustentáveis e socialmente responsáveis. A palavra de ordem virou sustentabilidade. A figura da empresa que degrada o meio ambiente pega mundo mal no mundo de hoje. Empresas também falam que começaram a se preocupar com a vida das pessoas ao seu redor, criando projetos de "responsabilidade social".
Nada contra tais iniciativas, que são, na verdade, muito bem vindas, afinal todos nós devemos lutar por um mundo melhor. Agora, quando uma empresa de cigarros investe em educação para 'fazer pessoas melhores', quando uma empresa petroleira investe para melhorar o meio ambiente e assim por diante fica um cheiro meio esquisito no ar. Há uma incoerência entre a sua atividade cotidiana e a sua dita responsabilidade social.
Vamos aos exemplos. A Profa. Liliana Segnini escreveu na década de oitenta um livro magistral chamado "Bradesco a Liturgia do Poder" (São Paulo, Educ, 1986). No texto, a Profa. mostra como o banco construía um sistema de controle e dominação para disciplinar o corpo e a mente de seus funcionários. Um dos componentes deste sistema era a instalação de escolas de primeiro grau em áreas extremamente pobres do Brasil para que as crianças, desde pequenas, fosse adestradas dentro da 'filosofia Bradesco' e um dia se transformassem em funcionários do banco. Tirava-se o beneficio da pobreza para criar desde pequeno um controle da mente, ideal para ter funcionários que não questionam e amam a empresa.
Ola Bergström e Andreas Diedrich, da Universidade de Gotemburgo, publicaram um artigo acadêmico recente no periódico Organization Studies mostrando como uma empresa sueca de alta tecnologia recebeu prêmios por ser 'socialmente responsável' no mesmo ano em que demitiu 10.000 funcionários. Isso porque muitos dos selos e prêmios de responsabilidade social e sustentabilidade são baseados na análise de relatórios que geralmente são maquiados para vender as iniciativas da empresa como sendo melhores do que realmente são. São quase uma obra de ficção. Além disso, os professores suecos mostram como a empresa, por ser grande e ter muito poder, conseguiu influenciar para conseguir o tal prêmio, apresar de ter feito um dos maiores cortes de funcionários da sua história.
A moda da sustentabilidade e da responsabilidade social criou toda uma indústria de consultores e consultorias especializadas, cursos, palestrantes que ajudam as organizações a criar uma imagem de serem sustentáveis e responsáveis socialmente sem que eles não mudem aspectos centrais de seu negócio que é social e ambientalmente irresponsável. Bobby Banerjee, professor e pesquisador da Universidade do Sul da Austrália, possui estudos interessantíssimos em que ele mostra como a moda da sustentabilidade está centralmente fundamentada em uma lógica da racionalidade econômica, não em uma lógica ecológica.
Trocando em miúdos, isso significa que o meio ambiente virou um produto de mercado e de consumo, como qualquer outro. A consequência disso é que as empresas passam a ganhar a licença para explorar o Meio-Ambiente ao seu bel prazer enquanto ficam com uma áurea de serem ecologicamente responsáveis. A preservação do meio ambiente e o respeito ao ser humano somente podem acontecer com uma mudança das relações econômicas e sociais entre as pessoas. Não há como explorar petróleo e minério e ser ecologicamente responsável ao mesmo tempo.
Não é possível querer lucros estratosféricos e respeitar a humanidade dos funcionários. Não é possível adestrar pessoas ou demiti-las ao milhares e se dizer socialmente responsável. No limite, não é possível buscar a constante maximização de resultados e ser ecologicamente e socialmente decente. Uma coisa vai excluir a outra. Dizem que o falecido Prof. Maurício Tragtengberg costumava comentr que empresas existem e servem para gerar lucro, assim como um leão é carnívoro. A rigor, não há nada de surpreendente ou de novo nisso. Porém, há algo de estranho no ar quando o leão anda pela selva dizendo que é vegetariano.
Rafael Alcadipani é professor adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

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