segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta "psicografada" não pode ser considerada como prova



(22.11.10)Por Paulo Bento Bandarra,médico.

Sócrates foi processado na democrática Atenas dentro do processo legal. O “pai da filosofia” foi acusado de corromper a juventude ateniense e desrespeitar os deuses da cidade.  Os principais cidadãos de Atenas uniram-se para acusar Sócrates. Lícon representava os oradores. Meleto, os poetas. E Ânito, os artesãos e líderes políticos. O júri, formado por 500 pessoas sorteadas entre a população ateniense, um número imenso de jurados, condenou Sócrates à morte: 280 a 220 votos. Quem eram estes deuses que a justiça e a população desejavam defender? Quem sabe? Quem crê neles hoje em dia?
 Quando da invasão persa na Grécia, por Xerxes, Leônidas, o rei de Esparta, marchou para detê-los no desfiladeiro das Termópilas junto apenas de seus trezentos compatriotas. Motivo: era dia de festejos em homenagens aos deuses e não ficaria bem aos atenienses deixarem suas obrigações religiosas para enfrentar a invasão! Leônidas pereceu junto com seus bravos para ganhar este tempo religioso.
Jesus foi processado e condenando dentro da lei e do rito judaico na época por blasfêmia. Por mais que queiram enxergar uma injustiça no julgamento, ele foi baseado na liturgia e nas leis da época, não foi um crime arbitrário e desmotivado. Era a pena para quem desrespeitasse o Templo, as autoridades religiosas judaicas, blasfemasse e ainda por cima se declarasse Rei dos Judeus! Coisa que Ele nunca negou! Milhares foram crucificados naqueles tempos. Não foi uma exceção. Por muito menos, ou por nada mesmo, a inquisição e a história do cristianismo conta aos milhares os inocentes torturados, queimados vivos ou mortos por vários meios e suplícios em Seu nome.  Nos tempos atuais um pastor da Igreja Universal teve que se evadir do país, por ter chutado uma estátua de gesso na televisão, para fugir da justiça.
 Uma grande parte do levante islâmico no Oriente se deve motivado por aqueles povos que não aceitam mais que a justiça seja baseada em preceitos cristão e muito menos laica.
 Estes três episódios acima me vêm à mente ao ler o artigo Direito e espiritismo, de 17.11.10, da Dra. Maria Francisca Carneiro, advogada (OAB/PR n. 22.952), doutora em Direito e pós-doutora em Filosofia. Parece-me que antes do Estado ser laico, devemos aceitar que não existe uma religião verdadeira que possa suprimir, dentro do mesmo Estado (ou em todo o mundo), as outras religiões, e ainda aqueles que, por liberdade de pensamento e consciência, não adotam nenhuma. Conquista histórica conseguida a duras penas pela Revolução Inglesa do século XVII, na Revolução Americana no século XVIII, liderada pelos puritanos, fugidos da Europa pela perseguição religiosa e, finalmente, pela Revolução Francesa e a sua imortal Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão!
 
Creio que o assunto aventado pela doutora se mostra inadequado ao querer que o direito possa passar a ser subordinado ao gosto e a religião do julgador e não pelas provas científicas e os testemunhos verificáveis e presentes na sessão de julgamento. E, claramente, o alegado espírito que teria dado o “seu testemunho” não se fará presente para todos verem e ser visto. Ser interrogado pelas partes. Assim como não se pode usar o médium tanto quanto o Pai de Santo, o Bispo, o Pastor, o Imã ou o Rabino pela sua opinião religiosa.
 
Aceitar a psicografia como prova e não peça ficcional não faz sentido, pois padrões de letras podem ser falsificados. Para tanto a perícia grafológica. E é muito interessante que os testemunhos psicografados na nossa história jurídica tenham sido todos da defesa negando culpa em assassinatos. Não existe, na história do espiritismo, a indicação do real assassino ou das provas que foram descartadas ou escondidas. Não são indicados pelos médiuns serial killers, pedófilos, assassinos de crianças, facínoras cruéis. Assim como não existe a localização de vítimas por este método, da arma do crime descartada ou das provas que poderiam esclarecer os fatos, segredos do cofre ou documentos perdidos, muitas vezes livrando inocentes.
 O que é coerente com o fato de que almas penadas, mesmo tendo sido maltratadas e mortas, nunca apareceram para nos mostrar onde se encontraram os sítios arqueológicos em que foram sacrificadas, tumbas de múmias, cidades perdidas ou templos no meio das florestas. Não podemos considerar que a volta de oráculos, adivinhos ou pitonisas no Tribunal do Júri seja um avanço nos dias de hoje com tantos avanços tecnológicos e filosóficos no direito!

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