segunda-feira, 26 de julho de 2010

CHÁVEZ ÀS FARC: SAIAM DA LUTA ARMADA!

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia são um grupo guerrilheiro que teimou em continuar atuante após o término do ciclo das ditaduras militares sul-americanas e sua contrapartida, a opção das esquerdas pela via armada de libertação.
Pior: as Farc descaracterizaram-se como defensoras de valores nobres, ao estabelecerem relações promíscuas com o narcotráfico e ao criarem a indústria de seqüestros.

Uma prática tão vil e desumana só podia ser relevada no caso da troca dos reféns por presos políticos, ou seja, como alternativa extrema aos assassinatos e torturas a que estavam sujeitos os resistentes nas garras de regimes despóticos. Sua generalização como fonte de recursos financeiros e instrumento de chantagem política é inadmissível para quem foi formado na tradição marxista.

Os três parágrafos acima hoje talvez não encontrem mais tanta rejeição entre homens de esquerda. Mas, no início de março de 2008, fez desabar o mundo virtual na minha cabeça. Foi o primeiro dos rolos compressores que enfrentei em minha atuação na internet -- e o mais virulento deles.
O artigo em questão -- A guerra dos esfarrapados -- foi uma resposta à insanidade de esquerdistas brasileiros que pregavam uma guerra entre Equador e Colômbia, como resposta ao bombardeio colombiano que matou integrantes das Farc em território equatoriano.

Não via nem vejo motivos para revolucionários açularem conflitos bélicos entre nações; acabam sempre sendo matadouros de coitadezas que nem sequer sabem direito por que estão lutando. Não é na ponta das baionetas que espalhamos nossos ideais pelo mundo.

A grita contra a Colômbia veio acompanhada por um absurdo endeusamento das Farc, do qual só eu e o companheiro Ivan Seixas tivemos coragem de divergir.

O Ivan qualificou as Farc de uma guerrilha que ficara tempo demais na selva, acabando por esquecer o que estava fazendo lá, além de lembrar a regra de ouro da luta armada brasileira acerca de sequestros: vida só se troca por vida.
Ou seja, trata-se de uma opção que um combatente revolucionário só faz em circunstâncias extremas, para garantir a integridade física e evitar a execução de militantes encarcerados.
Reforcei:

"Embora fosse mais fácil obter recursos financeiros para nossa luta por meio de sequestros com objetivos pecuniários, considerávamos tal prática indigna e preferíamos correr riscos bem maiores expropriando bancos".
Embora não fosse minha intenção falar com tamanha franqueza, a enxurrada de críticas despropositadas, tendenciosas e demagógicas, levou-me a colocar de vez os pingos nos ii, em Os homens unidimensionais ditos de esquerda:
"Seqüestrar centenas de pessoas para obter resgates e fazer chantagem é atitude de bandidos, não de revolucionários. Quem se propõe a conduzir a humanidade para um estágio superior de civilização não pode, jamais, sob justificativa nenhuma, incidir em práticas hediondas!"
E, aos que qualificavam minha postura de moralismo pequeno-burguês, ao mesmo tempo em que tentavam canhestramente defender os sequestros seriais da Farc alegando que quem os criticava era o PIG, retruquei:
"Não serão os homens unidimensionais ditos de esquerda que vão reconquistar o respeito da cidadania para nossas causas, tão abalado por acontecimentos recentes [o escândalo do mensalão]. Isto só poderão lograr aqueles que não negarem o óbvio ululante rotulando-o de 'propaganda burguesa', nem atropelarem os fundamentos da vida civilizada para defender bandos armados".
Sem conseguirem fazer com que suas posições prevalecessem na batalha dos argumentos, os sectários organizados foram eficientes em insuflar prevenções contra mim, fazendo com que alguns espaços da esquerda virtual se fechassem para meus textos.
Isso, aliás, tem acontecido com frequência nos últimos anos: aqueles a quem derroto nas polêmicas de peito aberto, atacam depois, sorrateiramente, pelas costas. As intrigas e maledicências são as armas dos covardes.
FIDEL: "NENHUM PROPÓSITO
REVOLUCIONÁRIO JUSTIFICA ISSO"

Alguns meses depois, entretanto, os próprios ícones dessa gente a deixaram falando sozinha.
Fidel Castro escreveu declaração bombástica quando da libertação de Ingrid Betancourt, vindo ao encontro do meu moralismo pequeno-burguês:
"Civis nunca deveriam ser sequestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário justifica isto".
O PT, discretamente, já vinha há bom tempo se distanciando das Farc, tanto que tem vetado sua participação nas reuniões do Foro de São Paulo.
E Hugo Chávez desde 2008 aconselha as Farc a aceitarem negociar com o governo colombiano, para que possam depor as armas com segurança, voltando a participar da política convencional.
Tornou a fazê-lo na semana passada, culpando-as pela nova crise na região:
"...os movimentos armados na Colômbia deveriam reconsiderar sua estratégia armada. (...) Não há condições na Colômbia para que eles possam tomar o poder. (...) Pelo contrário, converteram-se na principal desculpa para o Império penetrar na Colômbia a fundo e, a partir de lá, agredir a Venezuela, agredir Equador, Nicarágua, agredir Cuba".

"O mundo de hoje não é o mesmo mundo dos anos 1960 [quando as guerrilhas combatiam as ditaduras latinoamericanas]. Aí está Pepe Mujica, está Daniel [Ortega], está Evo [Morales], está Lula e estará Dilma, enfrentando as oligarquias e o imperialismo".
Isso não quer dizer que eu, o Ivan, o PT, o Fidel e o Chávez estejamos necessariamente certos em nossas restrições às Farc.
Mas, se existe tal convergência de opiniões por parte de dirigentes, militantes e forças díspares do campo da esquerda, isto, no mínimo, indica que se trata de um assunto a ser discutido aberta e objetivamente, não de uma heresia a ser respondida com o atear de fogueiras.
Então, a lição a ser tirada deste caso emblemático é: já passou da hora de reaprendermos a dialogar respeitosamente com as tendências adversárias do nosso campo, deixando o tratamento de inimigos apenas para os adeptos do capitalismo e do neofascismo.

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