sábado, 13 de outubro de 2012

A Máfia no Setor Imobiliário Nordestino

Por Assis Ribeiro, publicado no Blog do Nassif
 
Luciano Nascimento é uma grande expressão do estudo do Direito Penal Moderno, no País. Também denominado Direito Penal Econômico, esta especialidade do direito, estuda os crimes ligados à economia e à empresa. Os chamados crimes de colarinho branco, podem ser exemplificados principalmente na corrupção e lavagem de dinheiro.
Doutor em Ciências Jurídicos Criminais pela Faculdade de Direito de Coimbra, Luciano já atuou em países como a Itália, Portugal e Alemanha. Hoje, de volta ao Brasil, se estabeleceu como professor em João Pessoa, há dois anos.
Há mais de uma década, ele se dedica ao estudo da lavagem de dinheiro. Crime silencioso, por vezes discretos, mas que gera grandes prejuízos econômicos à sociedade.
Por Marta Thais Leite.
MARTA T. LEITE: Bom dia , Luciano. Qual a principal área de atuação do Direito Penal Econômico?


LUCIANO NASCIMENTO: A expressão Direito Penal Econômico significa uma terminologia recente, uma terminologia bastante nova no mundo jurídico. Quando estes problemas ligados à economia, ligados às pessoas jurídicas, enfim ligadas às empresas, surgiu há mais precisamente no início do século XX, do século passado, por volta de 1903, 1906, os alemães chamaram, o que hoje nós chamamos de Direito Penal Econômico, eles chamaram de Ciência Criminal Secundária. Porque o que existia era apenas o Direito Penal Liberal, o Direito Penal Clássico, das condutas do tipo como homicídio, furto, roubo, latrocínio, estorsão, estelionato, etc. Entre os anos 40 e 50, um grande estudioso americano, chamado Edwin Sutherland, elaborou um estudo criminológico. E ele passou a chamar este estudo criminológico de “White Collar”, crimes do colarinho branco. A partir dali criou-se a expressão “crime do colarinho branco” que ficou ligado a uma expressão bem mais elástica, bem mais abstrata. Que depois os europeus vai chamar de Direito Penal Econômico. Que significa dizer o quê? Por outras palavras, quer ter o sentido de que envolve, dentro do Direito Penal Econômico, crimes contra a ordem tributário fiscal, crimes contra a ordem econômica, crimes contra a relação de consumo, crimes contra o meio ambiente, e etc. Que um dia os alemães disseram que era secundário, e que hoje me parece que secundário se tornou o Direito Penal Liberal, e principal se tornou o Direito Penal Econômico.
M.T.L.: Como pode ser caracterizada a lavagem de dinheiro?
L.N.: A lavagem de dinheiro é um crime, ou como nós do direito chamamos de tipo penal ou de injusto penal, este é crime, ele é tipificado numa Lei, na Lei 9.613 de 98, já no Artigo primeiro. E esta Lei traz uma definição do que é crime. O legislador colocou a definição. O problema é que a conduta praticada pelo agente, o que nós do direito novamente chamamos de modos operandis, ou seja o modo de operação, o método de operacionalização da conduta, do comportamento intitulado delituoso, criminoso. Ele é extremamente renovável. A Lei 9.613 de 98 traz uma definição do que é lavagem de dinheiro. Ocultar recursos, direitos, valores, bens que em regra são adquiridos ilicitamente e que o agente de alguma maneira, de algum modo, por algum método o transforma em lícito. Dará a esta conduta um caráter de licitude, de legalidade, quando na verdade se formos fazer uma investigação um pouquinho mais aprofundada chegamos à conclusão que todos aqueles recursos são oriundos de uma conduta ilícita, de uma conduta criminosa. Ele é um pensador do crime. Ele é um pensador de uma delinquência. De uma deliquência que tem uma danosidade social extraordinária, porque o prejuízo tanto para as finanças do Estado, como o prejuízo para a sociedade em geral, porque o Estado precisa das finanças para elaborar as políticas públicas e a sociedade se manter estável mediante a prestação de serviço estatal. Se isto não acontece, obviamente que há uma desestabilização, um desequilíbrio da sociedade. E ele adquiriu o equilíbrio. Um equilíbrio financeiro e econômico bastante compensador.
M.T.L.: Qual as versões para origem deste tipo de crime?
L.N.: Uma primeiro, digamos assim, mais lúdica, mais cinematográfica, e outra mais sociológica e criminológica. Segundo boa parte da literatura americana, isto teria nascido, nos anos 20, durante a lei seca nos Estados Unidos. Quando um descendente italiano, chamado Al Capone, montou uma rede de lavanderias, ele comprou uma rede de lavanderias. E a época havia uma lei americana que determinava a proibição da venda de bebidas alcoólicas. Então, ele começou a praticar tráfico de bebida alcoólica, mais especificamente o tráfico de uísque da Irlanda para a América. Para além disto, ele também controlava a questão do jogo na cidade de Nova Iorque. Para muito além, ele controlava a questão da prostituição, do usofruto da prostituição na cidade de Nova Iorque. Obviamente, que todos os recursos adquiridos nestes campos ilícitos, nestes campos criminosos, não poderiam ser por exemplo declarado ao Estado americano. Não teria como, era produto do crime. Então ele teria que criar uma fórmula. Esta versão diz que ele criou portanto, comprou esta rede de lavanderia. E todos o dinheiro arrecadado do produto digamos assim da atuação neste campo ilícito, ele levava aos caixas da lavanderia. E registrava como lavagem de roupa.
Existe uma versão mais sociológica, que está relacionada a um grande mafioso russo também do início do século XX. Chamado Meyer Lansky. Meyer Lansky foi o primeiro a pensar no que hoje nós chamamos de paraíso fiscal. Os países que funcionam como paraísos fiscais. Como por exemplo na América Central, temos alguns países que foram colonizados pela Inglaterra. Na Europa temos alguns. Meyer Lansky criou uma instituição que hoje nós chamamos de Off Shore. Uma off shore. Uma off shore serviria para lavar dinheiro ilícito, ou seja, para legalizar dinheiro ilícito. O que é uma off shore? Eu crio uma off shore num determinado país. Eu crio uma mini ou uma microinstituição financeira em um determinado país. Pago para aquele país tributos, taxas, impostos e digo àquele aquele país que vou receber dinheiro. E o país simplesmente se compromete em não me perguntar de onde vem aquele dinheiro.
M.T.L.: Como o Brasil atua na lavagem de dinheiro?
L.N.: O Brasil tem demonstrado grandes avanços. É um dos países do mundo que tem demonstrado grandes avanços nesta matéria. Nós temos instituições de caráter judicial, temos instituições de caráter administrativo. E temos instituições de caráter misto, administrativo e judicial. Em regra, do ponto de vista da investigação, da investigação científica, da investigação criminal, a polícia federal é o primeiro órgão, digamos assim, o órgão de vanguarda no combate deste tipo de crime. A polícia federal tem feito um trabalho extraordinário.
Nós temos um órgão administrativo que é o COAF. É um órgão ligado ao Banco Central e ligado a uma instituição de combate à lavagem de dinheiro, que é o grupo de Egmont. O Coaf tem a função de rastrear toda a movimentação financeira no sistema bancário nacional.
M.T.L.: Na região Nordeste, como acontece os esquemas de lavagem de dinheiro? Há indícios deste tipo de crime na capital paraibana?
L.N.: Os espaços mais condizentes, digamos assim para a lavagem de dinheiro, a sociologia e a criminologia têm, os estudos sociológicos e criminológicos, têm demonstrado que são nas economias que estão em expansão. Aqui no Nordeste, é uma economia que está em expansão, ou seja, é a região do país que mais cresce economicamente. Ou seja, os índices de crescimento da região Nordeste são parecidos com índices de crescimento da China. O que é uma coisa extraordinária. E pra sermos objetivos, há um nicho econômico na região Nordeste, principalmente nas capitais, no que se refere fundamentalmente a parte litorânea, há um nicho de mercado no qual a lavagem de dinheiro é assustadora. Estou me referindo ao mercado imobiliário litorâneo. Maior parte do mercado imobiliário litorâneo em cidades como João Pessoa, como Natal. João Pessoa e Natal fundamentalmente. Fortaleza. Vivem um momento de expansão. O mercado imobiliário lava dinheiro de maneira assustadora. A polícia federal tem investigado isto. A polícia federal tem dados sobre isso. Qualquer jornalista pode procurar um delegado da polícia federal que ele vai lhe informar perfeitamente onde são os casos. O que já está em andamento. O que já foi decidido em primeira instância pelo judiciário e que está sendo discutido em segunda instância, que já existem decisões judiciais, etc. Este é um nicho de mercado, ou seja, o mercado imobiliário, onde se lava mais dinheiro na região Nordeste.
M.T.L.: A justiça é eficaz para evitar este tipo de crime?
L.N.: Esta é uma pergunta dramática, porque nós temos um problema sério com a justiça no que se refere a estes crimes. A justiça se demonstra no Brasil muito eficaz quando ela atua no que se refere aos crimes que nós chamamos de Direito Penal Liberal. Crimes contra o patrimônio, honra, vida, etc. É só olharmos os presídios. Os nossos presídios. Os presídios são lotados. Mais do que olhar os presídios que são lotados, é só olhar a população carcerária. Ela é igualzinha. A população carcerária no Brasil, ela é da mesma classe social. Não existe um desnível. Fulano é da classe A, ciclano é da classe B, beltrano é da classe C. Não. Aí a justiça brasileira é implacável. É só olhar a nossa população carcerária.
No que se refere a estas condutas modernas, com todo respeito ao poder judiciário, com toda a consideração, com toda a estima que eu tenho aos profissionais do judiciário. Aqueles aplicadores do direito no judiciário que são muitos éticos, honestos, honrados, probos, mas que nós sabemos que temos problemas dentro desta instituição chamada judiciário. Que é um poder obscuro. É uma caixa fechada, intransparente, não consegue estabelecer políticas de transparência. O que eu quero dizer objetivamente é que há uma condescendência dos julgados no que se refere a estas condutas. É só olharmos a história do judiciário brasileiro no que ser refere a estas condutas. E recentemente nós temos casos exemplares. Eu poderia citar o caso mais exemplar dos últimos, talvez dos últimos cem anos da história do judiciário brasileiro. Ou dos últimos duzentos anos da história do judiciário brasileiro. O caso então de sua excelência, então, sua excelência presidente do Supremo Tribunal Federal, professor Gilmar Ferreira Mendes, e o juiz, o então juiz, da 6ª vara de lavagem de dinheiro em São Paulo Fausto Martis de Sanctis. Hoje desembargador do Tribunal Regional Federal de São Paulo. Em que ele havia determinado a prisão de um grande empresário brasileiro não por lavagem de dinheiro especificamente mas por evasão de divisas, que é um tipo penal dentro do que você inicialmente me perguntou o que é Direito Penal Econômico, que está dentro de uma Lei brasileira chamada Lei 7.492, de 86, do Art. 22, chamado lá evasão de divisas. Eu pego dinheiro aqui, mando para outro País sem o recolhimento de tributos para sair do território. E eu não estou falando de cem ou duzentos mil, eu estou falando de bilhões de reais. Ora, quando de Sanctis determinou, porque a polícia federal tinha feito uma investigação extraordinária, determinou a prisão de um determinado empresário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal estava em recesso. O presidente do Supremo Tribunal Federal estava em casa, de férias em recesso. E ele saiu à noite para conceder uma ordem de Habeas corpus.
Eu tenho amigos e amigas em São Paulo com escritório de advocacia que estavam na mesa de sua excelência o então presidente do Supremo Tribunal Federal pedidos de habeas corpus há seis meses, sete meses que ele não analisou, mas do caso Fausto Martins de Sanctis com Daniel Dantas e Gilmar Mendes, sua excelência o ministro Gilmar Mendes analisou o pedido em menos de vinte e quatro horas. E depois concedeu uma segunda ordem de habeas corpus, quando o juiz de Sanctis determinou uma nova prisão por um outro tipo penal. E ele quebrou um princípio fundamental da justiça que é o princípio das instâncias. Ou seja, de que os processos têm que ir de instância em instância. Ele quebrou as instância e disse que ele que determinava tudo. Então, nós temos históricos, registros históricos comprometedores da justiça brasileira no que se refere a estas condutas, principalmente a estas condutas.
M.T.L.: A lavagem de dinheiro oferece perigo real a quem tenta combatê-la?
L.N.: Sim. Sim. Sem dúvida. Oferece um grande perigo, porque os últimos estudos têm demonstrado que esta conduta de lavagem de dinheiro tem sido maximizada dentro das organizações criminosas. Por exemplo, nós temos três famílias mafiosas italianas, que uma delas, talvez hoje a mais cruel, a mais sanguinária, atua hoje em cidades como Natal e João Pessoa. Que é uma máfia chamada ‘Ndrangheta. Ela atua fundamentalmente no mercado imobiliário e no campo da prostituição, e das drogas. Mas as drogas um pouco menos. Mas mercado imobiliário e prostituição são as duas matérias com as eles gostam de trabalhar. É uma máfia de uma região da Itália chamada reggio callabria. Em março ou abril, salvo engano abril, seguramente abril, a revista Carta Capital trouxe uma reportagem de nove paginas sobre a atuação desta máfia, desta família mafiosa chamada ‘Ndrangheta nas cidades de Natal, Fortaleza e João Pessoa. Então, o que acontece? Estas famílias têm os seus códigos de comunicação. Quando alguém tenta combater as suas condutas, obviamente que eles não seguem o que determina o ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, eles não seguem a Constituição Brasileira, o Código Penal Brasileiro, a legislação brasileira. Eles seguem os seus códigos de comunicação e os seus códigos de comunicação em regra dizem eliminar o inimigo. E eliminar o inimigo é eliminar a polícia federal, é eliminar os promotores de justiça, é eliminar os juízes que condenam. Isto pode se traduzir por estudos que podemos demonstrar sociológicos e criminológicos.
M.T.L.: Estamos chegando a um período pré-eleitoral. Na política ainda há muita lavagem de dinheiro?
L.N.: Na política, infelizmente, devo lhe dizer que há cada vez mais lavagem de dinheiro. Não é possível mais em uma realidade política, digo política do ponto de vista das campanhas eleitorais no Brasil, se fazer campanha eleitoral no Brasil sem lavar dinheiro. Um político que diz que não lava dinheiro durante a sua campanha, ele está mentindo pro seu eleitor. Porque o próprio sistema o também obriga a esta conduta. Porque o sistema é de tamanha forma fechado, de tamanha forma pra se fazer uma campanha eleitoral no Brasil hoje, se precisa de um recurso tão alto por causa da própria funcionalidade e operacionalização do sistema eleitoral que não há outra maneira. Ele tem que camuflar. Por exemplo, ele tem que registrar o quanto recebe das doações, mas ao mesmo tempo este se torna um espaço para aqueles que vivem de condutas ilícitas falarem com os políticos e dizerem: “olha eu tenho uma quantia imensa. Só que eu não posso declarar. Eu vou te fazer uma doação. Te faço esta doação, em vez de tu gastar toda esta doação, na hora que tu registrar, que se tornar legal. Tu gasta 40% desta doação, 50% desta doação, e me devolve os outros 50%. Isto se tornou uma prática, nós sabemos perfeitamente, não sejamos aqui um dos sete anos anões da Branca de Neve, não sejamos aqui o irmão da Chapeuzinho Vermelho, ou seja, não sejamos aqui o irmão da Poliana. As condutas praticadas nas campanhas políticas são fundamentalmente condutas de lavagem de dinheiro. Os grandes volumes de recursos são ligados à lavagem de dinheiro. Não há como negar isto.

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