quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Os prisioneiros da Micro$oft


Este texto foi publicado originalmente na Revista A Rede, ano 7, n.74, Outubro 2011
Sérgio Amadeu da Silveira
Em 2007, o presidente da Microsoft do Brasil procurou o embaixador norte-americano em Brasília para acusar o governo brasileiro de fazer uma campanha mundial pela consolidação de um padrão aberto, o chamado Open Documento Format (ODF) . O relato do encontro faz parte dos documentos encontrados no no CableGate, os vazamentos de mensagens trocadas entre o governo norte-americano e suas embaixadas, divulgados pelo Wikileaks.
O Brasil, na gestão do presidente Lula, teve um papel internacional destacado em defesa dos padrões tecnológicos abertos, pela atuação dos seus gestores públicos, pelas contribuições de sua comunidade de software livre e pela enorme competência e dedicação de Jomar Silva, coordenador da ODF no Brasil. Jomar estudou detalhadamente o padrão que a microsoft resolveu definir como aberto e mostrou suas falhas e incongruências técnicas contribuindo decisivamente pela não-aprovação do chamado OpenXML na primeira rodada na ISO (Organização Internacional de Padrões) sobre sua adoção.
A microsoft participou da formulação inicial que gerou o ODF. Entretanto, a corporação de softwares proprietários percebeu que se o mundo tivesse um único formato para a guarda de documentos poderia perder sua base de usuários, pois a interoperabilidade e compatibilidade plena trariam mais competição para os seus produtos. Por isso, rompeu com o ODF e alavancou um padrão chamado Open XML que é um amontoado de especificações do chamado Office da microsoft. A corporação passou a pressionar a ISO para aprovar o OpenXML, pois se o mundo tiver dois padrões, na prática não terá a plena comunicabilidade e assim as técnicas de aprisionamento de usuários da corporação de Seatle estariam preservadas.
Formatos são as definições para o armazenamento de dados digitais. Eles podem ser abertos ou fechados. Um formato é aberto quando: está baseado em padrões abertos; foi e é desenvolvido de forma transparente e de modo coletivo; suas especificações estão totalmente documentadas e acessíveis a todos; é mantido para ser usado independente de qualquer produto ou empresa; por fim, é livre de qualquer extensão proprietária que impeça seu uso livre.
Formatos têm grande poder cibernético, pois delimitam, controlam, bloqueiam, aprisionam e criam dependências. Daqui dez anos conseguiremos ler um texto escrito em um papel, mas será que conseguiremos ler um texto guardado em um formato proprietário feito por um software específico? Será que conseguiremos abrir um arquivo de som armazenado em um formato controlado por uma única empresa? E se a empresa descontinuar o formato? Perderemos nossa memória digital?
Existe uma grande diferença entre a “leitura direta” e a “leitura dos formatos”. Esta última exige a intermediação de softwares. Por isso, precisamos de formatos que sejam seguidos por todos e que permitam que diversos softwares possam abri-los. Desse modo, estaremos livres para usar o programa de quisermos para salvar e abrir nossos arquivos.
Em abril de 2010, o então líder da Apple, Steve Jobs, escreveu um texto explicando que Apple não utiliza o formato flash exatamente para não ficar aprisionada a empresa Adobe. Nele, Jobs afirma que “os produtos Flash da Adobe são 100% proprietários. Eles só estão disponíveis a partir da Adobe e a Adobe tem autoridade exclusiva sobre a sua valorização futura, preços, etc.”
No mesmo texto Jobs alerta que “embora os produtos Flash da Adobe estejam amplamente disponíveis, isso não significa que eles sejam abertos, pois eles são controlados totalmente pela Adobe e estão disponíveis somente a partir do Adobe. Por basicamente qualquer definição, o Flash é um sistema fechado.” Jobs sabe que o padrão aberto é o que garante a liberdade de criação e de ação de usuários e de desenvolvedores. Padrões fechados colocam os usuários em prisões lógicas que os tornam completamente dependentes dos desenvolvimentos das empresas que os dominam.
A microsoft é uma das empresas que apostam no aprisionamento dos usuários e não na competitividade de seus produtos. Por isso, sua mais recente cartada de aprisionamento foi anunciada por seus dirigentes para o lançamento do Windows 8. A corporação de Seatle exigirá que as empresas de hardware vendam seus computadores com as instruções de inicialização, a BIOS, criptografadas. Assim, será improvável que um usuário comum possa desinstalar o Windows, instalar o GNU/Linux, o FreeBSD, OpenBSD, e até usar o dual boot, ou seja, os dois sistemas operacionais na máquina. Os estrategistas da microsoft chamam isto de “Trusted Computing” que em protuguês pode ser traduzido por “computação confiável”. Para quem? Confiável para a microsoft tentar manter os computadores de seus usuários aprisionados a seus formatos proprietários. Liberte-se!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por sua opinião