sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Dilma coloca Direitos Humanos no centro da sua agenda

Firme stil nuovo 

O de Dante era dolce, o de Dilma exige outro adjetivo, isso tudo justificado desde logo pela visita à Argentina, pelo discurso no Congresso etc. etc.

 
Nunca antes na história da Argentina as integrantes do grupo de mães e avós da Plaza de Mayo haviam acenado ao povo do mesmo balcão na Casa Rosada em que Juan Domingo Perón fez seu discurso de despedida, em junho de 1974. Foram convidadas para estar ali por outras duas mulheres, as presidentas Dilma Rousseff e Cristina Kirchner. Para os argentinos e demais sul-americanos, foi um momento de reverência à luta contra a ditadura militar e pela democracia. Para os brasileiros em especial, foi um gesto emblemático da marca que sua nova governante pretende imprimir, à nação e a si própria, de defensora dos direitos humanos.
“Esta é uma das solenidades mais emocionantes da minha vida”, declarou Hebe de Bonafini, presidente da Associação Madres de Plaza de Mayo, que se uniram em 1977 para defender os direitos dos desaparecidos políticos. Segundo Hebe, não só por ter sido a primeira vez que assomava ao balcão da Casa Rosada, mas por fazê-lo “junto a duas mulheres revolucionárias, duas presidentas que tiveram um passado de militância” como seus filhos. A presidenta da associação das avós, Estela de Carlotto, opinou que ter sido vítima da ditadura avaliza Dilma a defender os direitos humanos. “Ela sabe bem do que fala quando propõe revisar a história, fazer justiça e impor a verdade”, disse. A presidenta brasileira retribuiu os afagos. “Senti o imenso carinho que me dedicaram como uma reivindicação da história de seus filhos”, afirmou Dilma. “A luta deles teve sentido.”
A ideia de organizar um encontro com as mães e avós da Praça de Maio durante a viagem à Argentina, a primeira ao exterior da presidenta, surgiu quando Dilma recebeu um telegrama do grupo parabenizando-a pela posse, em janeiro. A presidenta respondeu às felicitações de forma carinhosa e manifestou seu interesse de encontrar-se pessoalmente com as representantes das duas associações quando estivesse em Buenos Aires. De quebra, o encontro também representou uma espécie de pontapé inicial na intenção de Dilma Rousseff de aprofundar em sua gestão a defesa dos direitos humanos. É inevitável que neste quesito evidencie alguma diferença em relação a Luiz Inácio Lula da Silva.
Se, durante a pré-campanha, a então ministra mostrou-se leal ao presidente defendendo publicamente as posições de Lula em relação, por exemplo, a Cuba e ao Irã, depois de empossada a presidenta Dilma exibe algumas nuances próprias. Sobre o Irã, como disse em entrevistas a jornalistas argentinos antes da viagem, chegou a ter “uma pequena divergência com o Itamaraty” por discordar da abstenção do Brasil, em novembro, na votação da resolução da ONU que condenava os países praticantes de rituais punitivos como apedrejamentos, amputações e chibatadas. Em entrevista ao jornal Washington Post em dezembro, a então presidente eleita declarou que não endossava apedrejamentos. “Não concordo com práticas medievais contra mulheres”, dissera.
Sobre a ilha de Raúl e Fidel Castro, Dilma declarou na chegada a Buenos Aires na segunda-feira 31 que, embora ressalve as “transformações” pelas quais está passando, é favorável a protestos “contra todas as falhas que existam em relação aos direitos humanos em Cuba”. No entanto, como já antecipou CartaCapital, todos os reparos da presidenta na defesa dos direitos humanos serão acompanhados automaticamente de comparações com outros países que criticam o Irã e Cuba, mas que também têm lá suas dívidas no setor, como os Estados Unidos.
Dilma deixou isso bem claro aos repórteres argentinos que a entrevistaram antes da visita oficial ser preciso enxergar “a palha no próprio olho” antes de acusar o desrespeito alheio aos direitos humanos. “Ter uma posição firme em direitos humanos não é simplesmente levantar o dedo contra um país e indicar que esse país não os respeita. Não vou defender os que sejam acusados e violem os direitos humanos, mas não sou ingênua quando se utilizam os direitos humanos para fazer política”, ponderou a presidenta. “Direitos humanos não podem se limitar a um país ou a uma região, isso é uma falácia. Tivemos episódios terríveis no caso dos países desenvolvidos: Abu Ghraib e Guantánamo. Ao mesmo tempo, considero que apedrejar uma mulher não é algo adequado.”
O encontro de Dilma com as mães e avós da Praça de Maio multiplicou as expectativas, na Argentina e aqui, de que a presidenta consiga apressar a instalação, pelo Congresso, da Comissão da Verdade, que pretende investigar os crimes políticos cometidos durante a ditadura militar. O jornal Página/12 de Buenos Aires ressaltou a possibilidade de o Brasil, “que sempre esteve vários passos atrás de seus vizinhos” neste quesito, avance com Dilma nas investigações sobre a ditadura. “Poderia trazer inclusive novidades sobre os desaparecidos argentinos – sublinha o jornal – através de informações sobre a Operação Condor.” Os representantes locais na área de direitos humanos lembraram ainda de que nada vale uma Comissão da Verdade no Mercosul sem similar brasileiro.
Faz parte do plano de Dilma Rousseff de se destacar como defensora global dos direitos humanos a instalação da Comissão da Verdade, mas isso depende do Congresso, onde o projeto de lei que a institui está parado desde que foi enviado pelo governo, em maio de 2010. A ministra titular da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse a CartaCapital que pretende iniciar, a partir da próxima semana, acompanhada do ministro da Defesa, Nelson Jobim, uma série de encontros com lideranças da Casa a fim de agilizar a apreciação do texto e sua aprovação. “A Comissão da Verdade é uma prioridade minha e uma proposta de governo. Vamos conversar com cada líder para mostrar que ela representa o fortalecimento da democracia”, disse a ministra. “Investigar a ditadura significa resgatar a própria história do Congresso, de parlamentares que foram cassados. Não vejo por que não abraçariam essa causa.”
Não é só com a Comissão da Verdade e com uma política externa alerta aos abusos, porém, que o Brasil vai se destacar na área dos direitos humanos. Há muito dever de casa a ser feito, principalmente em três áreas em que são recorrentes as condenações do País por entidades estrangeiras e organizações não governamentais: trabalho escravo, violência policial e condições prisionais desumanas. No fim de janeiro, a organização Human Rights Watch voltou a condenar a superlotação e a tortura nos presídios e ressaltou que, apenas no Rio de Janeiro, a polícia foi responsável por 505 mortes violentas no primeiro semestre de 2010, ou quase três mortes por dia. Em setembro do ano passado, a ONU já havia criticado a impunidade como um dos obstáculos para a erradicação do trabalho análogo ao escravo no Brasil.
Para avançar também nestas questões Dilma dependerá do Congresso Nacional, onde o petista Marco Maia assume a presidência da Câmara e o peemedebista José Sarney a do Senado. A nova composição das duas Casas, cujos membros assumiram na terça-feira 1º, indica que a presidenta terá maior facilidade no Congresso do que teve Lula, a começar pelo Senado, onde o bloco governista pode chegar a 54 dos 81 parlamentares. Só o PT possui 15 senadores e o PMDB, aliado do governo, 20. Na Câmara, Dilma conta com 338 dos 513 deputados. Mas, apesar da maioria, alguns projetos não contam com a unanimidade dentro da própria base de apoio.
É o caso do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de terras onde forem flagradas práticas escravagistas. Sob pressão dos ruralistas, que enxergam “critérios subjetivos” na caracterização do trabalho escravo, o projeto, aprovado pelo Senado, estaciona desde 2004 à espera da votação em segundo turno pelo plenário da Câmara. O governo pretende atuar para tentar desemperrar seu andamento, mas enfrentará a oposição inclusive de parlamentares governistas. “Os ruralistas são contra, mas este é um tema que não tem unidade na base”, reconhece o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira.
Quanto às condições carcerárias, o governo pretende enviar ao Congresso um projeto de lei que cria um mecanismo nacional de combate e prevenção à tortura. Prevê a fiscalização permanente das chamadas “instituições fechadas”: prisões, casas de internação psiquiátrica e de recolhimento de menores infratores. Contra a violência policial, ainda não foram definidas políticas específicas além da bem intencionada, mas pouco efetiva proposta de criar centros de formação de direitos humanos para policiais, começando pelo Rio de Janeiro.
“O mais importante na intenção da presidenta de se destacar na defesa dos direitos humanos é colocar esta agenda na vida do povo brasileiro”, defende a ministra Maria do Rosário. “Para as pessoas simples, direitos humanos é coisa de bandido, a população se afastou dessa causa. Quando aviltadas, as pessoas simples não dizem: ‘E os meus direitos humanos?’ Neste sentido, a presidenta será uma garota-propaganda importante.” Uma nova pauta, a pedido de Dilma, foi agregada à pasta: as emergências sociais, a partir da tragédia que ocorreu agora, no Rio de Janeiro, com as chuvas. Na quarta-feira 2, a própria presidenta fez questão de destacar, no discurso de abertura dos trabalhos legislativos, que não se pode pensar em defesa civil “só em caso de emergência”.
A ida de Dilma ao Congresso para abrir os trabalhos representou outro sinal de que haverá, sim, mais diferenças do que se imaginava entre ela e seu mentor Lula. Desde 2003 que um presidente não se incumbia pessoalmente da leitura da mensagem oficial, sintoma de que o verbo “delegar” não faz parte do vocabulário da nova mandatária. Petistas graduados são unânimes em dizer que uma diferença notável entre Lula e Dilma é que o primeiro, sem dúvida, delegava mais tarefas a subordinados. Dilma terá o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, e o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, como parceiros no trato com o Congresso, mas vai se empenhar pessoalmente nos momentos mais decisivos. Por exemplo, telefonando diretamente para os líderes, quando necessário, o que Lula não gostava de fazer.
“Isso inclusive fez falta em alguns momentos. Se Lula tivesse dado um telefonema que fosse, poderia ter revertido algumas situações”, avalia um -líder petista, negando que o vice Michel Temer tenha sido ungido por Dilma como o interlocutor oficial do governo junto ao Congresso, conforme andou sendo cogitado pela imprensa. “Eventualmente, Temer poderá ser convocado a ajudar, mas a principal função dele, como a de qualquer vice que se preze, é não atrapalhar”, ironizou.
Com uma presidenta menos loquaz que o antecessor, as especulações pululam nos jornais – e até agora Dilma tratou, na prática, de desmentir todas. Uma delas era a indicação do advogado-geral da União Luiz Inácio Adams, tido como pule de dez para ocupar a vaga de Eros Grau no Supremo Tribunal Federal (STF). A Associação de Juízes Federais (Ajufe), por seu lado, chegou a fazer uma lista com sugestões, mas Dilma surpreendeu ao indicar para o cargo Luiz Fux, juiz de carreira e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O que, no final das contas, lhe rendeu elogios tanto dos futuros colegas de Fux no Supremo quanto dos próprios juízes e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Bom jurista, bom juiz e bom caráter, Fux será a pessoa certa no lugar certo”, aplaudiu o constitucionalista Luís Roberto Barroso.
A presidenta tem demonstrado decisão própria em suas escolhas também para os cargos de segundo escalão. É o que se vê nas articulações pelo comando de empresas do setor elétrico, área que sabidamente Dilma é conhecedora e sobre a qual já emitiu sinais de que não admitirá “donos”. O caso problemático da direção de Furnas, à qual se aferrava o deputado federal Eduardo Cunha com unhas e dentes, terminou com a presidenta indicando um nome técnico para a empresa. Com Furnas envolvida em denúncias de irregularidades e em vias de ser alvo de uma CPI, Dilma não gostou de ver nos jornais o tom de ameaça adotado pelo peemedebista carioca. Na quinta-feira 3, pôs ponto final na disputa ao nomear o presidente da Eletrobras, Flavio Decat de Moura, seu homem de confiança, para o comando da companhia de energia elétrica.
A única nota dissonante na lua de mel de Dilma com a mídia tem sido a intenção de a presidenta manter a orientação Sul-Sul na política externa, que marcou a gestão de Celso Amorim- à frente do Itamaraty. Na Argentina, Dilma ratificou a importância da parceria com os vizinhos como uma “aliança estratégica” para combater o protecionismo dos países desenvolvidos. “O Brasil tem um compromisso assumido no governo Lula e que aprofundarei, de que seu desenvolvimento econômico e a melhora das condições de vida do brasileiro estão ligados ao resto da América Latina”, disse a presidenta. “Daí a importância que dou à Unasul e ao Mercosul. Um mundo globalizado e multipolar exige a formação de blocos regionais.”

Na fala ao Congresso, novamente Dilma Rousseff confirmaria o finca-pé na decisão de olhar primeiro para a América Latina, e de atuar internacionalmente pela entrada de emergentes como o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, afirmando ser “natural” que as relações entre os países se democratizem. Dilma reforçou a intenção de fazer ouvidos moucos aos que veem na aproximação com o Sul o distanciamento do Norte (leia-se Estados Unidos) com uma boa frase de efeito: “Se geografia é destino, estamos muito felizes com o nosso destino”. A pupila de Lula está, sem dúvida, aprendendo rápido.

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