segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ana de Hollanda e a laranjeira que se veste de prata

É somente a partir dessa constatação, fundada na história real do nosso tempo, que se torna possível retornar, de maneira concreta, a ideia de utopia e de projeto. Este será o resultado da conjunção de dois tipos de valores. De um lado, estão os valores fundamentais, essenciais, fundadores do homem, válidos em qualquer tempo e lugar, como a liberdade, a dignidade, a felicidade; do outro lado, surgem valores contingentes, devidos à história do presente, isto é, à história atual. A densidade e a factibilidade histórica do projeto, hoje, dependem da maneira como compreendamos a sua combinação”. (Milton Santos – Por uma outra globalização).
Ainda hoje me lembrei das palavras de Emir Sader sobre a escolha não simplesmente do nome, mas de projetos distintos do país que estavam em jogo nas eleições presidenciais, Dilma x Serra.
O projeto de Dilma trazia o retrato de um Brasil com avanços históricos, herança da era Lula, dos quais ela participou ativamente, sobretudo como Ministra-Chefe da Casa Civil e, portanto, com todas as condições de dar continuidade, com uma nova edição, ao mesmo projeto de avanços para seguirmos mudando.
Já o projeto de Serra, era o oposto, pois não só nasceu na beira do brejo da era FHC, mas mergulhou nele de cabeça para se nutrir de munição lamacenta e se fartar de práticas de cangaço, bolinhas de papel e guerra moral-pudico-religiosa.
Foi tensa a campanha, principalmente para os que querem seguir mudando o Brasil com Dilma, pois o medo de um retrocesso deixava em pânico todos os que tinham consciência do risco Serra, pois sabiam pra quem ele governaria o Brasil.
Serra, o candidato que serviria aos interesses das grandes corporações internacionais como foi comprovado depois com os vazamentos do Wikilieaks entregaria, entre outras estatais, a Petrobras e o pré-sal a grupos estrangeiros.
Enquanto fatos como este vão se confirmando pelas revelações do Wikileaks, vemos nascer no “pé da laranjeira” do MinC, um tipo de turista que viaja da comunhão serrista para se instalar como um vírus oportunista no corpo do Ministério da Cultura da Presidenta Dilma. O vírus do neoliberalismo cultural.
Mas quem seria, dentro do MinC, o hospedeiro desse vírus neo-conservador característico dos Demo/tucanos que vem provocando indignação crescente nas massas? Não precisamos de tanto esforço para enxergar nas reações em cadeia o que está pra lá de perceptível.
Há uma insatisfação geral com os rumos políticos que a Ministra Ana de Holanda está dando à sua pasta, por sua visão de narcisismo moral, estético e social, plasmados na ideia do neoliberalismo cultural: Produção e consumo de arte.
O discurso MinC mudou, e muito. A informação e o dinheiro estão sendo devolvidos ao benefício exclusivo dos que apoiaram como estratégia de sobrevivência, a candidatura Serra. Isto está mais que claro e começa a se tornar perigoso.
COISAS DA PAPA FINA
A ideologia do MinC de Ana é a mesma da economia neoliberal de cultura. A “cereja do bolo” volta à ribalta com esse sistema ideológico. Tanto que foi aberta uma secretaria exclusiva para regular as relações do estado com o setor privado, ou melhor, com os negociantes de cultura e, ao mesmo tempo em que o mercado ganha expressão, por outro lado, é decapitada a SID – Secretaria da Identidade e Diversidade.
A “mensagem de esperança” da secretaria de comercio cultural é a mesma que a Lei Rouanet, vem prometendo e não cumprindo há 20 anos. “Emprego e renda para os profissionais da cultura”, sem falar que caminharemos para um inferno aprofundado de competitividade da cultura/corporação e não o da comunhão das pessoas e logicamente do país.
DEFINIÇÕES

“O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é chão, e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da resistência das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população. Um faz o outro, a maneira da célebre frase de Churchill: Primeiro fazemos nossas casas, depois elas nos fazem… A idéia de tribo, povo, nação e, depois, de Estado nacional decorre dessa relação tornada profunda”. (Milton Santos)
A definição dessa nova realidade do MinC é um inapelável retrocesso. Isso só interessa única e exclusivamente ao mercado e não ao povo brasileiro. Em particular aos barões do ECAD e da Lei Rouanet, já que Ana se diz contrária às decisões que soberanamente a sociedade tomou nas conferências de Cultura Brasil afora que propuseram novas formas para as duas leis. Lembrando que a II CNC é um modelo de construção coletiva histórica que representou todo o nosso território, mas acima de tudo, representou o presidente Lula e a figura do cidadão brasileiro.
Deste modo a geografização do debate tem um símbolo de conjuntos políticos de grande representatividade na sociedade para ser descartado e trocado por uma política neoliberal como propõem as novas declarações e ações de Ana de Hollanda jogando no lixo um debate concreto, legítimo e comprando uma abstração, uma fábula de mercado.
Para dar cor às suas palavras sobre o mercado cultural, Ana de Holanda, terá, sem dúvida, que fazer uso mágico de estatísticas, porque o poder do pensamento único não é capaz de transformar “idéias científicas de mercado” em algo de concreto. Ou seja, o governo não tem como inventar um mercado. Só poderá santificá-lo e pedir que todos rezem e acreditem que o messias estatal os salvará.
Sobre as ações individuais, o governo não terá em cada relação uma organização comprometida, pois na compartimentação, as idéias, os comportamentos, as relações e os lugares não serão atingidos. Santificar uma ciência de mercado fazendo uso de técnicas hegemônicas é mistificação de política pública de cultura. Se somado a isso, como parece, o MinC deve viver também de mistérios banais como é comportamento comum no medalhonismo, e a ministra, neste caso, também,  buscará alicerces em ciência de butiquim. Ou seja, as “elites intelectuais” em seus burgos não farão parte do conjunto da sociedade, serão uma “reserva de luz” talvez, um imperativo proclamado nas horas de crise, afinal eles têm produtores influentes na grande mídia, para tentar enfrentar uma oposição que já é evidente e crescente a este protagonismo neoliberal.
“No Egito, onde tão outra era a psíquica coletiva plasmada pela casta sacerdotal, a feição da arquitetura é hierárquica e angulosa, despida de graça e norteada sempre no sentido de sugerir o enorme e o eterno”. (Monteiro Lobato – Idéias de Jeca Tatu).
CULTURA É A PRODUÇÃO DA CIDADANIA PLENA
O Estado de Direito só enriquece moralmente a cultura quando ambos, individuo e  coletividade, são responsáveis por criar juntos a reciprocidade. A eclosão do unilateralismo como tem sido encarada pela sociedade as decisões da Ministra, estão divorciadas das escolhas da coletividade e, portanto, criando uma primeira fissura política no corpo desta relação.



A AUSÊNCIA DE APOIO POLÍTICO, E AS MEIAS VERDADES INFINITAS.
Ana está técnica, filosófica e politicamente mal assessorada. E esses assessores, sobretudo os “ancoras” estão enfeitando seu pescoço com uma corda, dizendo a ela que está num porto seguro. E não está. E alguém precisa dizer com urgência isso a ela. Seu pensamento está a deriva em alto mar debaixo de uma tempestade de criticas de uma militância que exige que o projeto que eles lutaram seja honrado. Portanto, como é sabido por seus anjos da guarda “que o mar não tem cabelos que a gente pode agarrar” É bom ela ser lembrada por eles.
No primeiro encontro direto com a política em si, ela já sofre mais que falta de apoio no congresso, ganha um opositor de peso a sua lamentável decisão de tirar do site do MinC o CC.
Na entrevista do líder do PT na câmara dos deputados, Paulo Teixeira, foi enfático.
“Creative Commons está dentro de uma política de governo”
“Em entrevista à Carta Maior, o deputado Paulo Teixeira (SP), novo líder do PT na Câmara Federal, avalia o episódio da retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura. Crítico da decisão, Teixeira afirma que a licença “está dentro de uma política de governo, de democratização do acesso ao conhecimento e à cultura” e que “sua retirada contrasta com decisões anteriores que vêm do governo Lula”. O parlamentar considera que a medida vai gerar um debate dentro do governo, mas não acredita em retrocesso na área.”
Sem dinâmica política, sabemos todos que nenhum ministro emplaca um discurso.
Ana tranformou-se rapidamente de colaboradora, em protagonista de uma grave crise dentro do governo e do partido que lhe confiou o mandato, o PT.
Sem dúvida que nisso há prejuízos políticos e, pelo que dá a entender, o PT não está nem um pouco interessado em virar boi corte em outras peças que a ministra possa preparar, como já foi anunciado por ela em coletiva, que vai dar um breque na reforma da Lei Rouanet, assim como está tentando fazer com a reforma da Lei do Direito autoral causando com isso tantas celeumas.

O TURISTA APRENDIZ.
O desembarque, no cariri, era vazante, foi uma pândega, todo mundo pé n’água.
Menos a “Rainha do Café” (o titulo pegou) que foi raptada por um marujo de lancha. Louve-se o violeiro Bem-Bem, oh a volta pelas onze de um noturno infinito, e nos na cantoria da tolda… Entre outras estrofes, estas numa toada boa:

Ontem na porta da igreja,
Antes da missa acabar,
Eu disse: – Olhe uma santa
Descendo do seu altar!

As folhas da laranjeira
De-noite parecem prata;
Tomar amores não custa
Separação é que mata.

A cantiga que se canta,
Não se torna a recantar:
O amor que se despreza,
Não se torna a procurar.

(Mario de Andrade – O Turista Aprendiz)
Em: Cultura e Mercado

2 comentários:

  1. Pau puro o Artigo do Carlos.
    De fato um exelente texto.
    Ana de Holanda está vivendo um inferno astral.

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