sábado, 15 de novembro de 2014

Justiça reconhece morte de Drumond por torturas físicas

Justiça reconhece morte de Drumond por torturas físicas

Morto nas dependências do 2º Exército, na cidade de São Paulo, o dirigente do Partido Comunista do Brasil, João Batista Franco Drumond teve a causa da morte alterada no atestado de Óbito de “traumatismo crânio-encefálico” para “decorrente de torturas físicas”. 
Por Osvaldo Bertolino*

Uma decisão histórica. A definição é do advogado Egmar José de Oliveira sobre o reconhecimento oficial de torturas físicas como causa da morte de João Batista Franco Drumond nas dependências do II Exército, na cidade de São Paulo, na noite de 16 para 17 de dezembro de 1976. A Certidão de Óbito emitida na época indicou como causa da morte “traumatismo crânio-encefálico” e foi alterada para “decorrente de torturas físicas” em cumprimento ao mandado judicial de averbação subscrito pelo juiz de Direito da 2ª Vara de Registros Públicos da cidade de São Paulo, Ralpho Waldo de Barros Monteiro.
Detido após participar de uma reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no bairro paulistano da Lapa, sua morte foi dada como decorrência de atropelamento quando tentava fugir da repressão. Além de Drumond, foram assassinados Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, metralhados no interior da casa onde ocorrera a reunião — episódio que ficou conhecido como “Chacina da Lapa”.
No Brasil ainda vigorava a Diretriz Presidencial de Segurança Interna, expedida em setembro de 1970 pelo presidente da República Emílio Garrastazu Médici, que determinou a criação de um Destacamento de Operações de Informações (DOI) e um Centro de Operações de Informações (Codi) em cada Comando de Exército. Era a extensão da experiência de unificar as ações repressivas da Operação Bandeirantes (Oban), de São Paulo, para todo o país. A ditadura criou, com essa medida, máquinas poderosas e interligadas de torturas e assassinatos. Em São Paulo, o DOI-Codi do II Exército, comandado pelo perverso major Carlos Alberto Brilhante Ustra, promoveu verdadeiras chacinas contra a resistência democrática.
Quase trinta e oito anos depois, o Estado brasileiro suplanta a farsa da ditadura militar e instaura a verdade. O pedido, feito em nome da viúva de Drumond, a psicóloga Maria Ester Cristelli Drumond, registrou que resgatar a dignidade humana daqueles que ousaram lutar por liberdade, sacrificando até suas vidas, era o mínimo que podia-se esperara da Justiça. O documento lembra que o Estado havia reconhecido, por sua Comissão de Mortos e Desaparecidos e a Comissão de Anistia, que Drumond fora preso e assassinado por agentes do DOI-Codi. Em outra decisão, o Poder Judiciário também responsabilizou o Estado pela morte de Drumond em ação ordinária proposta por Maria Ester e as duas filhas do casal.

Segundo o requerimento, a decisão teria “grande repercussão nas mentes e nos corações de Maria Ester Cristelli Drumond” e das filhas Rosamaria e Silvia. “E também nas mentes e nos corações de todos os brasileiros”, além da “enorme repercussão” entre “seus amigos e todos aqueles que com ele militaram no movimento estudantil e, sobretudo, entre os dirigentes e militantes do Partido Comunista do Brasil, partido pelo qual enfrentou a ditadura militar, lutou e honrou com dignidade até ser brutal e covardemente assassinado”. Seria, ainda, um “exemplo para que no futuro fatos como este nunca mais se repita em nosso país”.
Casos semelhantes
Egmar José de Oliveira, o advogado que representou a família, disse no requerimento que a retificação do registro de óbito seria “passar a limpo esse episódio obscuro e esse período em que foram cometidas graves violações aos direitos humanos, de triste memória da nossa história”. Segundo ele, o crime de Drumond foi lutar por liberdade e democracia, contra a ditadura militar que perseguia, torturava e matava seus opositores. Egmar José de Oliveira registrou ainda que Drumond “deu sua vida para que pudéssemos ter hoje um Estado Democrático de Direito, livre das amarras dos ditadores militares que amordaçaram a todos, inclusive o Poder Judiciário”.
Falando ao Portal Grabois, Egmar José de Oliveira disse que em outros casos semelhantes ao de Drumond a troca da causa da morte poderia ter sido requerida pela Comissão Nacional da Verdade, que optou, possivelmente por razões políticas, pela definição “maus tratos”. A sentença do caso Drumond, transitada em julgada (não cabe mais nenhum tipo de recurso), foi aprovada por maioria no Tribunal de Justiça e recebeu parecer favorável da Procuradoria da Justiça, que se baseou na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhecendo graves violações dos direitos humanos na Guerrilha do Araguaia. É o primeiro caso em que o Estado assume a morte por torturas físicas de um cidadão brasileiro que estava sob o seu poder, lembra Egmar José de Oliveira, criando jurisprudência sobre o assunto.

Legislação internacional
Ele explica que existe um mecanismo na lei para não ter decisões divergentes sobre casos semelhantes. “No Brasil, diferente de outros países, prevaleceu a versão de quem governou naquele período. Ainda há luta para que se consolide a busca da verdade”, afirmou. Por mais que os familiares dos mortos conte a história para as gerações futuras, faltava algo material, que retratasse exatamente o que aconteceu. “Isso tem um significado histórico e político muito importante”, enfatizou, lembrando que o Ministério Público Federal pode requisitar ao Exército o nome do oficial do dia responsável pelo DOI-Codi naquela noite e de seus agentes. E, com esses dados, pedir a instauração de um inquérito policial para ter elementos de denúncia à Justiça.
Segundo Egmar José de Oliveira, é importante ressaltar que a legislação internacional, os tratados dos quais o Brasil é signatário e a Constituição Federal consideram que esses acontecimentos que integram o rol de crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. O próprio Ministério Público Federal defende essa tese em algumas ações, registra. “Então, o significado dessa decisão tem três aspectos: a responsabilização penal dos agentes, a reparação cível dos danos causados à família, a busca da verdade histórica e o que se chama de ‘Justiça de Transição’ — a formação de condições para que se crie mecanismo coibente de crimes por parte de instituições e agentes do Estado”, finaliza.

*Osvaldo Bertolino é jornalista, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por sua opinião