sábado, 2 de agosto de 2014

Excelente artigo de Marcos Rolim sobre Suassuna e seu combate ao desconstrutivismo pós-moderno

Um tanto mais sós
Coisas sensíveis sobre Ariano Suassuna já foram ditas. Destaco, não obstante, um aspecto de sua trajetória: a militância contra o “lixo cultural”.
Em suas palestras, ele fulminava os promotores do lixo. Uma noite, em um dos armazéns do cais, em Porto Alegre, Ariano falava iluminado - não pela luz que o mostrava, mas pela luz que carregava. Então ele diz: “vou falar mal de um jornalista. Pelas costas, claro, porque pela frente seria falta de educação. Pois não é que este (fulano de tal) escreveu que Chimbinha, o guitarrista da banda Calypso, é um músico genial? Então eu me pergunto: se Chimbinha é genial, o que sobra para Beethoven?”

A pergunta pauta o descritério e situa o papel dos que transformam o desconhecimento em referência de gosto. Não que Suassuna fosse elitista. Pelo contrário, esteve sempre vinculado às tradições regionais, o que o levou, nos anos 70, ao movimento Armorial, tentativa apaixonada de produzir arte erudita com elementos da cultura popular nordestina. Suassuna foi Cervantes e Euclides da Cunha, Dostoievsky e João Cabral, mas também João Ferreira de Lima, autor do cordel “Proezas de João Grilo” que inspirou o personagem de Auto da Compadecida. Porque Suassuna sabia da diferença entre cultura popular e “cultura de massa” (na verdade, cultura para as massas, como o assinalaram Adorno e Horkheimer); entre o que há de legítimo na tradição de um povo e em seus valores de resistência, por um lado, e o que há de embrutecedor na indústria cultural, em sua produção artificiosa para o consumo irrefletido e banal, por outro.

Vivemos a progressiva extinção das raízes populares da cultura, substituídas pelo discurso mitológico e excludente que se impõe como se tradição fosse com o peso da verba pública e da reprodução midiática. O erudito, por seu turno, é acossado pelo mau gosto e pela herança desconstrutivista do pós-moderno. Com ela, não apenas a ideia de verdade científica foi considerada “autoritária”, mas também a existência de cânones na cultura e do próprio juízo estético. Shakespeare, em síntese, seria tão relevante quanto qualquer escritor e contrastá-lo com o superficial ou o abominável seria politicamente incorreto. Tudo passou a ser considerado “cultura” e, sendo assim, então, concretamente, a cultura nada é.

Com a morte de Suassuna, perdemos, além do gênio, o cavaleiro da alegre figura que, por sobre as tendências do irracionalismo, enfrentou o lixo, chamando-o pelo nome. Quanta falta fará.

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