segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Memória: Como os 'Arquivos do Terror' revelaram detalhes da Operação Condor


Vinte anos atrás, o advogado paraguaio Martín Almada recebeu informações que mudaram a sua vida e ajudaram a lançar luz sobre a Operação Condor, ação coordenada entre exércitos das antigas ditaduras sul-americanas.
Almada vinha há anos buscando documentos que o ajudassem a provar que ele próprio havia sido torturado pela ditadura do general Alfredo Stroessner, nos anos 1970, e que sua mulher havia sido forçada a escutar a tortura.
Mas só três anos depois da queda de Stroessner é que, em uma conversa telefônica, uma mulher lhe informou onde encontrar esses arquivos.
"Ela me desenhou um mapa e disse que confiava que eu agiria", lembra Almada.
Em questão de dias, Almada e seu colega José Agustín Fernández viajaram ao local indicado: uma delegacia de polícia nos arredores de Assunção.
"Era uma delegacia completamente normal", conta o advogado. "(Mas) nos fundos havia um edifício com uma enorme montanha de papéis."

'Arquivos do Terror'

Eram cerca de 700 mil documentos sobre as atividades da polícia secreta paraguaia ao longo de mais de três décadas. Os papéis descobertos em 1992 ficaram conhecidos como os "Arquivos do Terror".
Para Almada, os papéis serviriam para comprovar suas experiências como prisioneiro no Paraguai entre 1974 e 1977.
"Foi como uma explosão de memória", afirma. "Senti que cada pasta que abríamos nos ajudaria a voltar ao passado e a entender o regime de terror em que vivemos. Cada documento revelava terror e tragédia."
Stroessner governou o Paraguai por 35 anos, com a ajuda do Exército e de uma polícia secreta, após tomar o poder em 1954.
Usando uma rede de informantes, as autoridades sob seu mando perseguiam qualquer paraguaio considerado subversivo.

Calcanhar de Aquiles

A polícia secreta era liderada pelo temido Pastor Coronel, que, segundo relatos, teria agido como torturador em alguns casos. Mas ele tinha um calcanhar de Aquiles: sua obsessão por documentos em ordem.
Seus subordinados cuidadosamente registravam cada prisão, interrogatório e movimento de suspeitos. Também faziam centenas de gravações e fotos de encontros de ativistas da oposição.
Os Arquivos do Terror, que foram liberados ao público em 2009, no governo de Fernando Lugo, contém fotos até de funerais e casamentos.
Foto de arquivo de Alfredo Stroessner; general governou Paraguai por três décadas


Almada entrou na mira da polícia secreta no início dos anos 1970, quando ele e sua mulher, Celestina, trabalhavam como professores em uma escola perto de Assunção. Esquerdistas, eles protestavam por aumentos salariais e mudanças no currículo escolar.
Uma noite, ele foi preso. Após 30 dias de interrogatórios, Almada foi oficialmente classificado como "intelectual terrorista" e enviado à prisão de Emboscada, onde ficou durante três anos.
Celestina morreu pouco depois, em aparente suicídio. Almada acredita que ela morreu depois de ter sido forçada a escutar as sessões de tortura a que ele foi submetido. Acha que ela foi levada a crer que ele tinha morrido.
Ele procurou as gravações nos Arquivos do Terror, na expectativa de encontrar provas de que a polícia contactou sua mulher. Mas não achou nada que explicasse a morte de Celestina.

Operação Condor

Mas encontrou respostas para outras questões importantes.
Na prisão, ele conhecera prisioneiros de outros países sul-americanos, que conversavam sobre uma operação secreta envolvendo ditaduras da região, inteligência conjunta e devolução de prisioneiros políticos a seus países. O codinome parecia ser Condor.
Nos arquivos, Almada e Fernández encontraram um documento vital. Marcado "top secret", tratava-se de um convite do chefe da polícia secreta chilena a seu par paraguaio, para a reunião de fundação da Operação Condor, em Santiago, em 25 de novembro de 1975.
"É um documento crucial", opina Andrew Nickson, acadêmico britânico que trabalhou para a Anistia Internacional no Paraguai.
Graças ao convite e a outros papéis do arquivo, pode-se saber que Paraguai, Chile, Argentina e Uruguai foram os membros-fundadores da Operação Condor. Brasil e Bolívia se uniram ao projeto em seguida.
A operação tinha um sistema secreto de comunicação, através de bases militares americanas no canal do Panamá, que lhes permitiu criar um banco de dados de suspeitos para encontrá-los com rapidez.
Para John Dinges, autor do livro "Os Anos do Condor", os Arquivos do Terror - junto com documentos que os EUA liberaram a respeito de Chile e Argentina, disponíveis no National Security Archive em Washington - lançaram luz sobre o modus operandi das forças de segurança sul-americanas da época.
"Sem eles, as investigações em todos os países teriam tido que se basear praticamente só em relatos de vítimas e em poucas fontes militares que vieram a público", diz.

Pinochet

As provas coletadas por Almada colaboraram para as tentativas de indiciar o general chileno Augusto Pinochet entre 1998 e 2006. Os arquivos também foram usados em diversos casos de direitos humanos na Argentina e no Chile.
No Paraguai, após o retorno da democracia, alguns acusados foram a julgamento por tortura, mas a maioria dos comandantes associados ao regime militar permaneceu livre.
Ainda assim, Almada acredita ter tido a última palavra.
"Quando eu estava algemado, costumava dizer a eles que o mundo estava mudando lentamente e que cedo ou tarde a democracia viria, e eu teria um papel importante. Claro que eu estava inventando, e duvido que tenham acreditado. Mas, de certa forma, virou realidade."
Martín Almada foi entrevistado pelo programa Witness, do Serviço Mundial da BBC, que conta a história através dos olhos de quem a viveu

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