sábado, 29 de setembro de 2012

CAÇADA A LOBATO

 
Eu tinha oito anos e lembro do dia preciso em que, num almoço de domingo na casa de minha tia-avó, topei com Caçadas de Pedrinho na prateleira da sala. Abri o livro e logo na primeira página fui tomado pelo assombro: que mundo desconcertante, imprevisível e irreverente era aquele? Quando terminei a última página, Monteiro Lobato já tinha conseguido inocular em mim o vírus incurável do prazer da leitura.

Esse mesmo livro, em que valores universais e civilizatórios como os de generosidade, justiça e solidariedade encontram ênfase na escrita genial do autor, está sendo acusado de ser uma obra racista por causa deste trecho: “(...)Tia Anastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão (...)”.

O Ministério da Educação quer que as próximas edições saiam com uma nota explicativa para contextualizar a obra, mas o Instituto de Advocacia Racial (Iara) quer proibir sua distribuição nas escolas públicas. Na terça-feira passada houve uma tentativa frustrada de acordo. Agora o caso vai ao Supremo Tribunal Federal.

Engana-se quem pensa tratar-se de uma discussão sobre racismo. Não. O debate público que o tal Iara deflagrou diz respeito à leitura como forma de conhecimento do mundo. A proposta do MEC, de fazer notas de roda pé para dizer como o leitor deve interpretar um texto, é a negação da leitura como ferramenta insubmissa de descoberta. De que maneira a tutela da inteligência de quem lê pode formar um leitor crítico? A ideia de proibir o acesso das crianças pobres a Lobato é ainda mais perversa, porque lhes retira a ferramenta lúdica de um autor genial para substituí-lo pela mediocridade politicamente correta do recado óbvio e direto.

Monteiro Lobato já fez mea culpa de várias opiniões equivocadas que deu como ativista político e publicista. Discutir suas posições, criticar seus ensaios e cartas é legítimo. Condenar sua obra por causa disso é absurdo. O burguês Balzac expôs as vísceras da falsa moral da burguesia em seus livros. O direitista ultraconservador Nelson Rodrigues escreveu uma obra revolucionária revelando a hipocrisia de sua classe. Uma obra, quando cai nas mãos do leitor, não pertence mais ao escritor, eis a grande magia da liberdade de pensamento.

Dizer que Caçadas de Pedrinho forma leitores racistas é um insulto a mim e aos meus dois filhos, que descendemos de um escravo alforriado. Meu tataravô, de alcunha Mané Capitão, saiu do cativeiro para tropear burros de Sorocaba a Gravataí. Em sua memória, repudio toda forma de ameaça à liberdade de escolha.

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