sábado, 4 de dezembro de 2010

As mudanças em Cuba

Li e recomendo a leitura de um artigo de Atílio Borón sobre o processo vivido por Cuba. O autor, apoiador do regime cubano, traz informações, baseadas em dados oficiais, sobre a degradação econômica da ilha. Conclui que é necessário proceder as transformações na gestão macroeconômica cubana, pois "Como advertiram Fidel e Raúl, sua permanência compromete a sobrevivência da Revolução".
 O autor adverte, ainda, que as transformações aprofundam o socialismo e será necessária vigilãncia para que essas reformas não descambem para o retorno à economia capitalista.
O artigo é interssante. Já manifestei minha  opinião sobre Cuba em outras postagens, o que me incomoda é que, em sua maioria, os defensores das reformas em Cuba eram os primeiros a negar problemas estruturais no regime até há pouco tempo. Além disso, insistiam (e ainda insistem) em condenar dissidências  ou contestações ao sistema (que agora é criticado) como manifestações necessariamente pró-americanas e não cmo manifestações de contradições de interesses em um país que vive uma situação crítica. O título do artigo não deixa de ser interesssante: "Cuba e a hora da mudança". A hora é agora, pois Fidel e Raul Castro disseram que deve ser assim. Não poderiam ter começado antes? Toda a louvação me incomoda.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

MPF pede retratação de TV por preconceito contra ateus

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública em que pede que a TV Bandeirantes seja obrigada a exibir uma mensagem de retratação de declarações ofensivas aos ateus durante o programa Brasil Urgente. Segundo a denúncia, no dia 27 de julho, o apresentador José Luiz Datena e o repórter Márcio Campos fizeram, por 50 minutos, comentários preconceituosos às pessoas que não acreditam em Deus.
"Esse é o garoto que foi fuzilado. Então, Márcio Campos (repórter), é inadmissível, (...) não é possível. Isso é ausência de Deus, porque nada justifica um crime como esse, não, Márcio?", questiona Datena em um dos trechos do programa, que transmitia uma reportagem sobre um crime bárbaro. "O sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí", prosseguiu.
Segundo o MPF, o apresentador atribuía os males do mundo aos descrentes. "É por isso que o mundo está essa porcaria. Guerra, peste, fome e tudo mais, entendeu? São os caras do mal. Se bem que tem ateu que não é do mal. Mas o sujeito que não respeita os limites de Deus, é porque (...) não respeita limite nenhum", afirmou.
Para o autor da ação, o procurador regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias, a emissora veiculou declarações preconceituosas contra pessoas que não compartilham o mesmo modo de pensar do apresentador. "Evidentemente, houve atitudes extremamente preconceituosas, uma vez que as declarações do apresentador e do repórter ofenderam a honra e a imagem dos ateus. O apresentador e o repórter ironizaram, inferiorizaram, imputaram crimes, 'responsabilizaram' os ateus por todas as 'desgraças do mundo'", diz o procurador.
Além da retratação, "com duração de no mínimo o dobro do tempo usado para exibição das mensagens ofensivas", a ação do MPF pede que sejam transmitidos esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência e de crença no Brasil. O MPF também pede que a União, através da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, seja obrigada a fiscalizar adequadamente o programa.
De: Jornal do Brasil

Luciana e a Constituição

Não votei na Luciana Genro, mas acho que ela cumpre um papel no cenário político gaúcho e até nacional. Como o Psol do RS não atingiu o quociente eleitoral, apesar de ter feito 130 mil votos (50 mil a menos que na eleição passada), Luciana não conseguiu ser reeleita deputada federal.
Agora, com seu pai sendo Governador do Estado, Luciana fica inelegível na circunscrição do Rio Grande do Sul.
A Constituição Federal estabelece em seu art.14 que:
"§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição."
Se desejasse, ela poderia se candidatar por outro estado, como fez seu companheiro, o ex-deputado federal Babá. Babá era deputado federal pelo Pará, transferiu-se para o RJ e candidatou-se à reeleição... não conseguiu. Portanto, não me parece uma boa opção para a deputada.
Como já comentei, acho que ela cumpre um papel e seria melhor do que muitos atuais vereadores e vereadoras da cidade. A questão, porém, não está na simpatia pela candiata e suas ideias, ou, como é o meu caso, pelo entendimento de que ela representa uma visão de mundo que deve estar exposta publicamente. A questão é: é justo realizar um movimento para ser excluído de algo previsto pela Constituição? É justo pedir excessão à regra para si, já que outros teriam sido excetuados do cumprimento da regra, em vez de exigir que a regra valha para todos? É justo, pedir uma análise "do caso particular" da deputada? Alguma vez o Psol aceitou analisar o "caso particular" de seus adversários em questões como o "ficha limpa"?
Luciana tem motivos para estar inconformada e sou solidário a ela (se é que a minha solidariedade vale alguma coisa). Porém, ela não foi vítima de uma injustiça, foi vítima da lei. A lei que a impediu de reeleger-se com 130 mil votos é a mesma que permitiu que seu companheiro de partido Jean Wyllys fosse eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro com 13 mil votos. O dispositivo constitucional que impede a candidatura de parentes é uma tentativa de conter as oligarquias, suprimi-lo ou particuarizá-lo demais não é bom para a democracia.
Quando a gente luta por direitos, pelo cumprimento dos deveres e por justiça, tem que ter em mente que, em algum momento, os direitos dos outros prevaleçam sobre os nossos, os deveres nos obriguem a aceitar ou fazer coisas que não desejamos, a justiça esteja do lado contrário do nosso interesse.
É difícil ser coerente, principalmente na política.

Estranhos no ninho

Lula nos ensinou que não é possível governar o Brasil com apenas um partido. Então, foi chamando um pouquinho de gente de vários partidos, sem perder o controle da coisa. Agora, na versão 3.0 do governo do PT, começamos a acompanhar coisas estranhas. O Jobim (ex-FHC/ex-STF,atual Lula e membro da "confraria do sino roubado"), vai continuar, mesmo sendo a figura lamentável que é. Para aconselhar o governo na área da qualidade e produtibidade, chamaram o Gerdau...pois é. Parecem estranhos no ninho, ou será que não são?

A decadência de Ronaldinho Gaúcho

Ronaldinho Gaúcho foi o maior jogador do mundo em certa época. Hoje está decadente. A última  notícia envolvendo o ex-craque foi a do fechamento do tal Instituto Ronaldinho Gaúcho (IRG). Sempre tive um pé atrás com isso. O sujeito é cheio da grana, mas construiu um complexo para atender crianças e adolescentes mantido com recursos da Prefeitura Municipal. Não sou contra convênios do governo com instituições particulares, mas as condições de funcionamento do tal Instituto sempre me pareceram mais vantajosas para ele do que para a Prefeitura. Agora, de uma hora para outra, o Instituto avisa, por telegrama,  que vai fechar. Ou seja, todo o “compromisso social” do Ronaldinho acabaria no dia 31 de dezembro.

Dado o aviso, a Secretaria Municipal de Educação chama o Assis (irmão pobre do Ronaldinho) para conversar.

Aí a coisa muda. Assis fala em "questões técnicas" na execução do convênio. Quer dizer que a decisão não era tão decidida assim. Pareceu mais uma chantagem sobre a Prefeitura do que um processo de negociação.
No meio da conversa, apareceu a demanda para ampliação do espaço da informática (praticamente todo bancado pela Procempa) e a realização de uma trilha ecológica. Acontece, que o IRG está sendo acionado pelo Ministério Público por descumprir a legislação ambiental. Não me parece uma postura muito educativa compactuar com  uma situação dessas.
O futebol é um grande negócio, Ronaldinho Gaúcho um de seus produtos e o IRG, um departamento de todo o sistema. Acredito na honestidade da espécie humana, mas se eu fosse gestor público, não aceitaria esse tipo de chantagem. Aliás, eu ofereceria ajuda para o IRG administrar bem os recursos públicos.
Leia mais clicando aqui.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Jobim, o X-9 pró-EUA

Sabe aquela história de que “com um amigo desses não precisa de inimigo”? Pois com um ministro como Nelson Jobim, nem precisamos de oposição. O cara já incomodava causando constrangimento ao governo e aos brasileiros com aquela louvação aos milicos e a função de aparecer fardado pra cá e pra lá. Ainda acho que é um militar frustrado.
Mas até aí ele é inconveniente, mas tolerável. Nunca concordei com sua forma de agir dentro do governo. Ele se posicionou contrário ao Programa de Direitos Humanos defendido pela sociedade civil e a criação de uma Comissão da Verdade. Parecia mais um aliado daqueles militares que comandaram o Brasil nos 21 anos entre 1964 e 1985. Foi peça-chave para derrubar Paulo Lacerda da Abin Foram vários, enfim, os constrangimentos.
Ou seja, antes de virem a tona os documentos vazados pelo governo americano e publicados pelo Wikileaks, ele já era um incômodo indesejado nas redondezas do Planalto. Indesejado para a sociedade, mas pelo jeito não para o governo.
Agora, descobrimos que além de tudo o caro ministro é um X-9. Fez fofoca do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães para o embaixador americano Clifford Sobel e avisou os EUA de que Evo Morales teria câncer. O câncer de Evo era segredo de Estado. “Sobel o considerava um ministro ‘atipicamente ativista’ em prol da proximidade militar com os EUA”, segundo as informações divulgadas pelo Wikileaks. Além de mostrar que os EUA tinham no ministro brasileiro uma fonte de informações, os documentos escancaram o apreço de Jobim por acordos com os americanos, contrariando a postura do governo Lula. Como disse Leandro Fortes, em “O ministro X-9″:
Agora, Nelson Jobim, ministro da Defesa do Brasil, foi pego servindo de informante da Embaixada dos Estados Unidos. Isso depois de Lula ter consolidado, à custa de enorme esforço do Itamaraty e da diplomacia brasileira, uma imagem internacional independente e corajosa, justamente em contraponto à política anterior, formalizada no governo FHC, de absoluta subserviência aos interesses dos EUA.
Foi preciso oito anos para o país se livrar da imagem infame do ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer tirando os sapatos no aeroporto de Miami, em dezembro de 2002, para ser revistado por seguranças americanos.
De certa forma, os telegramas de Clifford Sobel nos deixaram, outra vez, descalços no quintal do império.
E, apesar de tudo isso, foi um dos primeiros nomes definidos na transição para permanecer no governo federal. Se há um lado bom em descobrir que temos um traidor dentro do governo, é que agora temos motivos fortes para pedir o afastamento de Jobim do cargo que assumiria durante a Presidência de Dilma Rousseff.
Fica difícil entender. Nem o PMDB banca com tanta veemência o nome de Nelson Jobim. Por que, Lula?
Como bem disse o Dialógico, “agora temos um informante da Embaixada estadunidense dentro do Governo Lula. Por muito menos que isso, caíram Paulo Lacerda e Erenice Guerra”.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Serra, o economista, deixa rombo de R$ 9,6 milhões

Dívida de campanha é coisa normal, mas é um contraste que o sujeito que disse entender das contas públicas e prometeu um salário de R$ 600,00 reais e controle da "gastança do governo", deixe uma dívida de R$9,6 milhões.
Serra é uma fraude.

Morreu Mario Monicelli

Morreu o grande cineasta italiano Mario Monicelli. Segundo li, suicidou-se, aos 95 anos, saltando da janela do hospital em que estava internado.
Não vou bancar o erudito, conheço pouco do Monicelli, mas uma única obra seria suficiente para consagrá-lo. "O Incrível Exército de Brancaleone" é uma obra-prima da comédia e do cinema universal. Um filme que vale ser visto muitas vezes.
Suicidar-se aos 95 anos saltando da janlea do hospital em que estava internado... parece argumento de filme

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A economia do tráfico. Para quem gosta de debater com números

 Desconhecimento de Causa: Economia do Tráfico
Plínio Fraga e Janaina Lage (Folha de S. Paulo, 28/11/10) apontam, baseados em estudo que dimensionou essa economia subterrânea, que “o tráfico emprega na cidade do Rio 16 mil pessoas, vende mais de cem toneladas de droga e arrecada R$ 633 milhões por ano. Ou seja, gera tantos empregos quanto a Petrobras na capital fluminense, arrecada o mesmo que o setor têxtil no Estado e vende o equivalente a cinco vezes mais do que o total de apreensão anual de cocaína pela Polícia Federal em todo o país”. Será verdade?! Quais foram as fontes de informações sobre essa atividade ilegal e, portanto, não registrada? Qual foi a metodologia do estudo?
O economista e professor do Ibmec-RJ Sérgio Ferreira Guimarães, subsecretário da Adolescência e Infância da Secretaria de Estado de Ação Social, usou pesquisas de consumo de entorpecentes, custos médios da venda de droga no varejo e no atacado calculados pela ONU e projeções de ocupação de mão de obra em favelas para fazer a “contabilidade simulada do tráfico”: faturamento de R$ 317 milhões (versão mais conservadora ) a R$ 633 milhões por ano (teto imaginado a partir dos números de que dispõe). Margem de diferença de 100%? Não é muito impreciso esse cálculo?

domingo, 28 de novembro de 2010

Celso Amorim sempre foi um dos meus favoritos no governo Lula. Sua entrevista é elucidadora.
''Precisamos repensar nossa relação com a China''. Entrevista com Celso Amorim
O chanceler Celso Amorim se prepara para deixar o circuito das grandes questões mundiais e se recolher à ponte aérea entre Brasília, onde vive sua mulher, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pretende dar aulas quando acabar o governo Lula. Dizendo se sentir "realizado" com sua atuação à frente da política externa do governo Lula durante oito anos, o chanceler admite não ter "planos muito claros" sobre o que vai fazer daqui para frente. Amorim tem apenas uma autocrítica em relação a seu mandato no Itamaraty - falta de uma estratégia mais clara para lidar com a China, concorrente e, ao mesmo tempo, aliada do Brasil no Brics. "Esse será um grande desafio", diz.
Quanto ao envolvimento do Brasil em questões polêmicas como a omissão do governo brasileiro em relação a violações contra direitos humanos em Cuba e no Irã, ele não recua nem um milímetro. "Nós não somos "soft" em direitos humanos, só não condenamos porque a grande maioria dos países que condenam é de ex-potências coloniais que estão purgando os seus complexos de culpa", disse. "Não dá certo fazer as duas coisas (conversar privadamente enquanto condenam publicamente)."
Amorim acha que a maior visibilidade do Brasil no cenário internacional veio para ficar. "Como o Brasil quer ser membro do Conselho de Segurança, não podemos nos omitir dessas (grandes) questões", afirma o chanceler. "Não vamos fazer uma nova política de isolacionismo, só cuidar do nosso. Como dizia o Silveira (Antônio Azeredo da Silveira, chanceler de Ernesto Geisel), o Brasil pode renunciar a tudo, menos à sua grandeza."
A entrevista é de Patrícia Campos Mello e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 28-11-2010.
O Itamaraty argumenta que é melhor não fazer condenações públicas de violações a direitos humanos para manter o canal de comunicação aberto e influenciar os países dessa maneira. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, evitando desgastar a imagem da democracia brasileira?
Não dá certo fazer as duas coisas. Se você ficar condenando, você se descredencia como interlocutor. Precisamos ter uma atitude que propicie o diálogo e nossa estratégia deu certo.
No caso da francesa Clotilde Reiss (civil francesa que estava presa no Irã, acusada de espionagem, e foi libertada), não há dúvida. As críticas são totalmente injustas. Ontem mesmo o responsável por direitos humanos no Irã disse que o país está revendo a sentença de morte por apedrejamento de Sakineh. Até que ponto isso se deve à pressão internacional e até que ponto aos apelos do presidente Lula e de outras pessoas que tenham diálogo direto com ele, eu não sei, essas coisas são difíceis de medir.
Eis a entrevista.
O Brasil se alinhar com países que têm histórico antidemocrático não compromete nosso "soft power", poder de influenciar sem recorrer à força bruta?
Eu não acho que o nosso "soft power" tenha sido comprometido ao longo desses anos, nem essa é a opinião de nenhum comentarista internacional. Não somos "soft" em direitos humanos, só não condenamos porque a grande maioria dos países que condenam é de ex-potências coloniais que estão purgando os seus complexos de culpa. E não quer dizer que nós privadamente muitas vezes não falemos. E se eu quisesse posar de amiguinho do Irã ia votar contra, ia dizer que a resolução (da ONU) não tem cabimento. Nós nos abstivemos.
Olhando para esses últimos oito anos, o que o senhor teria feito de diferente?
Pode parecer presunçoso, a minha tendência é ver acertos, os historiadores terão visão mais equilibrada. Eu não me arrependo da Alca (negociação que não avançou).
O sr. acha que a atribuição de comércio exterior tem de ficar no Itamaraty ou deve ser criado um escritório comercial subordinado à Presidência, como nos EUA?
Pergunte à Fiesp o que eles acham - à Fiesp mesmo, não a ex-diplomatas que estão na Fiesp. Nós temos uma visão de País mais completa, levamos em conta outros fatores que não são aqueles de ganho imediato.
Um problema que está ganhando cada vez mais importância é a competição da China. Não deveria haver maior assertividade em relação à China, além de defesa comercial?
Nós estamos com superávit de quase US$ 7 bilhões com a China.
Mas o que exportamos são commodities.
Quando chega a hora de defender o interesse do etanol, do açúcar, é muito importante, mas quando está dando certo, aí tudo vira commodities. Dito isso, eu não quero dizer que não tenhamos de ser mais assertivos em relação à China. Esse é um desafio.
O Brasil é muito mais enfático ao criticar a política monetária americana, dentro da guerra cambial, do que a desvalorização do yuan. Isso não é ideológico?
A China adotou uma política que nos prejudica, mas a raiz do problema está na política monetária dos EUA, não tenho dúvida sobre isso. Como estou em final de governo, estou de saída, dou minha opinião: se um país quer ser tratado como economia de mercado, não pode ter política cambial que não seja de mercado. Essa política de constante desvalorização nos atinge. Eu acho que o relacionamento com a China será um dos maiores desafios do Brasil daqui para a frente.
A China está entrando em áreas de influência nossa, como América do Sul e África. Mas a China segue um modelo de negociação sem impor condições com Zimbábue, por exemplo, país notório por violações.
Vamos competir com nossos méritos, o Brasil transfere conhecimento da maneira que eles não transferem, em agricultura tropical, por exemplo. Não queremos seguir o modelo chinês, em absoluto, não perco uma oportunidade de conversar com meus interlocutores do Zimbábue sobre o que eu acho que eles deveriam fazer, que envolve tratamento adequado da oposição. Mas não somos a favor de isolamento comercial, algo que não dá resultado.
Quais são os grandes desafios em política externa do próximo governo?
Precisamos dar uma forma importante ao relacionamento com a China. Não desenvolvemos um conceito pleno de como vai ser nossa relação com a China. Essa é uma autocrítica. Não deu tempo. Precisamos pensar mais profundamente nisso.
E com os EUA, em que pé estamos?
Estamos bem. Nossa cooperação no Haiti foi muito boa, há vários países onde cooperamos no etanol.
Seria positivo a presidente eleita Dilma Rousseff se encontrar com o presidente americano Barack Obama em Washington antes de sua posse?
Ah, esse conselho eu só dou a ela se ela me pedir. E ela não me pediu. Mas, na minha opinião, indispensável não é. Ela terá tempo de ir depois, receber o Obama aqui depois. É mais importante ela ir à Argentina, porque simboliza as realizações com a América do Sul.
Os EUA têm a visão certa do papel do Brasil no mundo?
Há uma visão mais aproximada, apesar de tropeços. Em uma matéria recente, a própria (secretária de Estado) Hillary Clinton falou da necessidade de intensificar as relações com China, Índia e Brasil.
Mas, por enquanto, intensificou com a Índia.
A Índia tem para eles um valor estratégico em função da região onde está, ao lado da China e Rússia.
Seria esperado, quando o presidente Obama vier pra cá, que ele manifeste apoio à pretensão do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, como fez com a Índia?
Ah, eu esperaria, se o presidente Obama vier pra cá, depois de ter ido à Índia, seria normal ele dizer a mesma coisa do Brasil.
Apesar dos nossos percalços com os EUA nos últimos tempos.
Sim, seria normal. Se o preço para entrar no CS é dizer sim a tudo, pode até não valer a pena.
Em Trinidad Tobago em 2009, na Cúpula das Américas, Obama fez um discurso prometendo uma nova política para a América Latina. Ele correspondeu às expectativas de mudança da política americana para a região?
O governo republicano (do presidente George Bush) cometeu muitos erros em relação à América Latina - pôs Cuba no eixo do mal, apoiou o golpe na Venezuela. Mas em outros casos o governo Bush agiu de maneira mais sensata, ouviu o Brasil em muitas coisas. Nós tínhamos uma enorme expectativa com o presidente Obama, mas ele teve de se concentrar em outros problemas, internos e do Oriente Médio. Algumas vezes isso não é mau. A melhor política que os americanos podem ter para a América Latina é a "negligência benigna".
O que o sr. pretende fazer quando acabar o governo Lula?
Não tenho nenhum plano muito claro, tenho vários convites vagos, para fazer seminários, cursos, o mais específico é para dar aula na UFRJ. Pretendo fazer isso, vou morar entre Brasília e o Rio, minha mulher mora aqui.
O sr. teria gostado de permanecer no governo Dilma?
Dizer não soaria arrogante, dizer sim parece que estou pleiteando alguma coisa. Eu me sinto realizado. Os nomes que ouço falar todos são de pessoas boas.
O sr. acha que haverá continuidade na política externa?
Eu não creio que haja mudanças de curso muito importantes, mas desafios novos sempre aparecerão, a China é uma relação que terá de ser pensada.
O sr. vê o mesmo tipo de atuação intensa em questões controversas, como Oriente Médio e Irã?
O Brasil é percebido como um interlocutor válido no Oriente Médio, eu recebi pedidos para receber autoridades da Síria, da Autoridade Palestina, de Israel. Independentemente de quem seja o presidente, o Brasil é um país que tem um peso. Essas situações vão se repetir caso a gente queira ou não queira, e a gente não pode fugir delas. Como o Brasil quer ser membro do CS, mesmo não permanente, não podemos nos omitir dessas questões. Não vamos fazer uma nova política de isolacionismo, só cuidando do nosso. Como dizia o Silveira (Antônio Azeredo da Silveira, chanceler de Ernesto Geisel), o Brasil pode renunciar a tudo, menos à sua grandeza.