sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Como seria o hipotético governo de Marina Silva. Uma reflexão de Igor Grabois

Desculpem o texto longo, mas foi necessário.
Um resumo das propostas de governo da candidata Marina Silva, de acordo com o seu programa oficial de governo e declarações da própria candidata e de seus assessores, ainda não desmentidas:
1) Restauração do tripé econômico, a saber, câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Meta de inflação a 3% ao ano.

2) Independência do Banco Central. A direção do Banco Central terá mandato próprio, bem como o controle das políticas monetária e cambial. Essas políticas saem das atribuições do Presidente da República.



3) Os bancos públicos cederão espaço para os bancos privados. BB e CEF não baixarão juros para não concorrer com Bradesco, Itaú e Santander.
4) Fim do crédito “direcionado”. Ou seja, fim da obrigatoriedade dos bancos dirigirem recursos para o crédito imobiliário e fim dos empréstimos de longo prazo do BNDES.
5) Deixa o pré-sal em banho-maria e investe em energia solar, eólica, etanol e geotermal.
6) Conteúdo nacional obrigatório nas indústrias naval e automotiva terá data pra acabar.
7) Terceirização das relações de trabalho sem regulação.
8) Relegar à Justiça do Trabalho um papel meramente arbitral. E as demandas judiciais trabalhistas individuais são consideradas um estorvo nas relações de trabalho.
9) Para a causa LGBTT, apenas o que o STF definiu.
10) Cobrança de mensalidades nas universidades públicas.
11) Alinhamento com EUA e União Européia. Encostar os Brics, a Unasul e o Mercosul.
12) Manutenção da anistia aos torturadores.
13) Fim da reeleição, com mandatos de cinco anos. Eleições gerais de vereador a presidente em um dia só.

Vamos supor que a candidata Marina se eleja e aplique seu programa de governo. Vejamos as conseqüências.

O tripé para os marineiros é sagrado. Podemos, com certeza, esperar um aumento da taxa básica de juros Selic logo na primeira reunião do Comitê de Política Monetária, o Copom. 



Abaixar a Selic significa expansão do crédito, da demanda, da economia. Aumentar a Selic serve para restringir crédito, demanda e esfriar a economia. Tudo isso para segurar os aumentos de preço. Teoricamente. A taxa Selic remunera os títulos da dívida pública. Os donos desses títulos, brasileiros e estrangeiros, ganham muito dinheiro quando a Selic aumenta. Os bancos são detentores de títulos da dívida pública e intermediam as compras desses títulos e ganham comissão por isso. A taxa Selic tem haver com o que os detentores de títulos públicos aceitam receber e o que o governo se dispõe a pagar, mais do que com a inflação. 
Algumas conseqüências do aumento de juros. A dívida do governo aumenta. O governo tem que pagar juros mais caros. Para isso ele tira dinheiro do orçamento, o tal do superávit primário. Maiores juros, maior superávit. Portento, menos dinheiro para saúde, educação, reforma agrária, cultura, políticas sociais, obras de infraestrutura. Todo o resto do programa de governo – educação integral, verba pra saúde – vira letra morta.
Como o Banco Central será independente, a taxa Selic vai determinar as prioridades do governo. Os companheiros de viagem da candidata – Gianetti, Lara Rezende, Itaú – não nos deixam mentir.
Os juros das dívidas dos EUA e da União Européia estão próximos de zero. Mesmo que aumentem, ainda serão muito menores dos praticados aqui. Juros mais altos vão atrair mais aplicadores estrangeiros. Captam barato no exterior e aplicam caro aqui. A entrada de dólares aumenta. O dólar tende a ficar barato frente ao real. Como o câmbio do tripé é flutuante, o dólar vai ficando cada vez mais barato. Dólar barato, mercadoria importada barata. Real caro, mercadoria produzida aqui cara. Os importados deslocam de vez a indústria brasileira. O fim da exigência do conteúdo nacional completa o serviço.
Escantear o pré-sal gera duas conseqüências: os 10% do PIB para a educação vão para as calendas gregas e a gasolina ficará mais cara. A Petrobrás dirige seus principais esforços no pré-sal. A Petrobrás fez empréstimos em função das receitas do pré-sal. Sem pré-sal, a Petrobrás, pra não quebrar, aumenta o preço da gasolina. Produz um brutal choque inflacionário. E a indústria naval e de equipamentos, um abraço.
Com o dólar barato, sem a exigência do conteúdo nacional e sem pré-sal, a indústria mergulha em uma crise sem precedentes. Vai demitir. Com o aumento do desemprego, os trabalhadores perdem poder de negociação de salários. Como a dona candidata promete liberar geral a terceirização, não é preciso fazer muitos exercícios para ver as conseqüências.
Depois de esmagar a indústria com o câmbio e com a redução da demanda, via desemprego e arrocho salarial, tira-se o oxigênio do crédito, já que o crédito “direcionado” será extinto. A bufunfa dos bancos sai do crédito imobiliário, o BNDES é manietado, e o dinheiro vai para a dívida pública para render nas taxas mais altas da Selic.
E o pior, ao se ler o programa da candidata, os trabalhadores desempregados e arrochados terão acesso limitado à Justiça do Trabalho.
Indústria e emprego serão destruídos como conseqüência da política econômica marinista. A política energética contribuiria para o quadro marinesco. Gasolina cara faria a alegria dos usineiros. Os canaviais avançariam sobre os biomas do cerrado, da Amazônia e da mata atlântica. Energias solar e eólica ainda são caras e pouco eficientes. Igualar o pré-sal a essas modalidades de geração, ou seja, retirar a prioridade do pré-sal, tornará a energia mais cara como um todo, além de reduzir a oferta energética. Mas isso não seria problema, frente à redução da atividade econômica.
Com o choque de juros, das tarifas de energia e do preço da gasolina, os elementos para a aceleração inflacionária estariam dados. E os remédios recessivos para combater essa mesma inflação completariam o cenário de estagflação, que os tucanos dizem que estamos vivendo.
Soma-se ao horror econômico o ataque aos direitos humanos e sociais, prenunciados na questão LGBTT e na anistia aos torturadores. E como as eleições serão todas de cinco em cinco anos, com uma provável prorrogação dos mandatos, haveria tempo para produzir a terra arrasada.

O país, neste hipotético governo, estaria alinhado com os EUA e União Européia, colocando a articulação com os Brics e a integração latino-americano em plano secundário. Resta saber o que os grandes irmãos do norte fariam com o imenso depósito de recursos naturais em que nos tornaríamos
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