segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Expulsar alunos, uma questão mal colocada

Carmem Maria Craidy*
Nos últimos dias vivenciamos na imprensa uma polêmica sem precedentes sobre uma questão já clara na Constituição Brasileira e na legislação decorrente (Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional) que determinam o direito e a obrigação de crianças e adolescentes de frequentarem a escola (art.2008/I constituição Federal de 1988, emenda 59/2209).
A polêmica foi em torno de um relatório da comissão especial do Conselho Estadual de Educação encarregada de fazer a minuta de um parecer que responderia a uma consulta do Ministério Público sobre a expulsão e a suspensão de alunos das escolas.
Se a resposta for sim ou não só poderá ser não, não se pode expulsar alunos já que o direito e a obrigação de estar na escola estão na Constituição Federal Brasileira.
Além de ser afirmada como um direito fundamental, a educação é obrigatória dos quatro aos 17 anos. Isto significa que até esta idade os jovens não têm escolha, têm que estar na escola e o direito a mesma permanece mesmo depois da idade da escolaridade obrigatória.
A forma como a questão foi divulgada transformou-a numa quase caricatura: o aluno poderia colocar fogo na escola, matar e roubar e a escola não poderia fazer nada. É claro que assim não dá para conversar. O relatório trata de indisciplina escolar e não de transgressões à lei, ou ações consideradas crimes pela lei penal e que, quando praticadas por adolescentes, são definidas como atos infracionais, sujeitas a julgamento pela Justiça Juvenil e tendo como “punição” as medidas socioeducativas que vão desde Privação de Liberdade até Prestação de Serviços à Comunidade; Liberdade Assistida; Reparação de Dano ou Advertência, dependendo da gravidade do fato. Cabe salientar que mesmo os que cometem atos infracionais e são submetidos a medidas socioeducativas são obrigados a estar na escola, além de terem direito a mesma. Quando julgados, a obrigação de estar na escola é sempre assinalada pelo juiz. Na prática, o que muitas escolas fazem é uma “transferência negociada”, o que com frequência significa estigmatização do aluno e resulta, muitas vezes, no abandono da escola. Este abandono é motivado não apenas pelo estigma, mas porque a nova escola provavelmente fica longe, implica na adaptação a novas relações, e, sobretudo, porque a razão pela qual ele foi “convidado” a se retirar da escola não foi resolvida.
Cabe lembrar ainda que mais de 100 municípios gaúchos possuem apenas uma escola pública de ensino fundamental e mais de 300 apenas uma escola pública de ensino médio. Nestes casos para onde iriam os alunos expulsos?
Foi dito que o relatório sugeria suprimir a autonomia da escola na elaboração de seu Plano Pedagógico. Isto em nenhum momento foi cogitado, basta ler o relatório que está disponibilizado no site do Conselho Estadual de Educação. O que ali está dito é que a expulsão da escola não pode ser feita como punição. Fica a pergunta, o que fazer então com os alunos indisciplinados. Isto também está proposto no relatório e corresponde a definições anteriores já consolidadas. A escola deve elaborar coletivamente, inclusive com a participação dos alunos, e se possível dos pais, as normas de convivência. Em geral os alunos respeitam as normas que ajudaram a formular. Mas então o que fazer nas situações limite? A primeira resposta é definir o que é uma situação limite. Considero que ela existe quando estar na escola significa “grave ameaça” física ou psicológica para o aluno em questão ou quando o aluno significa esta ameaça para com outros alunos e/ou professores. Nestes casos deve haver um trabalho de colaboração da escola, com os pais e com a rede de atendimento juvenil, como os Conselhos Tutelares, na busca da solução mais adequada. Quando a situação for realmente de risco pode significar a necessidade de transferência do aluno a outro estabelecimento. Escrevo isto com receio de que qualquer insubordinação seja considerada situação limite e a “expulsão branca”, ainda corrente em muitas escolas, seja consagrada como legítima. A função da escola é educar, acolher, cuidar e ensinar. Deixar vazio o lugar do adulto e demitir-se do lugar de educador é trair esta função. As pesquisas demonstram que as situações de violência são maiores no entorno das escolas do que dentro delas. Isto significa que a escola é ainda um lugar de esperança. Não temos o direito, como educadores, de frustrar as esperanças dos jovens.
Construir uma escola de excelência excluindo alunos considerados difíceis é tarefa relativamente fácil. O grande desafio democrático e republicano é construir uma boa escola para todos. É isto que o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, órgão de Estado e não de governo, com 70 anos de história, deseja normatizar. Enquanto instituição de um Estado Democrático, o Conselho sempre se mostrou aberto ao diálogo. O relatório, como indicado acima, está no site do Conselho. Leia e dê sua contribuição para a Infância, Juventude, a Educação e a Sociedade Democrática.

* Professora FACED/UFRGS (aposentada) Conselheira integrante do Conselho Estadual de Educação/RS

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