quinta-feira, 6 de maio de 2021

As crianças que o Agro envenena

 Pressão sem limites: depois de invadirem e desmatarem terras públicas, no MA e PA, sojicultores investem contra quem resiste. E podem ter intoxicado comunidade, em voos rasantes e chuva de produtos que empesteiam e queimam

Por Ana Aranha e Hélen Freitas, na Repórter Brasil e Agência Pública   

Ao ouvir o ruído do avião, André, 7 anos, correu para fora de casa vibrando de alegria. Estava curioso porque nunca tinha visto uma aeronave de perto e aquela sobrevoava baixo o suficiente para enxergar o piloto dentro. Correndo atrás do avião, sentiu gotículas caírem sobre o seu corpo. E então a sua alegria acabou. André começou a sentir uma coceira brava, tão persistente que não conseguiu dormir à noite. A pele amanheceu seca, com caroços. Manchas vermelhas se abriram em feridas e partes da pele ficou – e ainda está – em carne viva. Em vídeo enviado por sua mãe, é possível ver feridas abertas na sua cabeça, nas mãos, nos pés e nas pernas.

André foi banhado por agrotóxicos em 22 abril, terceiro dia em que uma aeronave agrícola sobrevoou a comunidade rural do Araçá, município de Buriti, no Maranhão. Ao ver a cena, Edimilson Silva de Lima, presidente da associação de moradores, pensou que um desastre estava em curso. Dos 80 moradores, ele contou ao menos oito que relataram sintomas de intoxicação como coceiras, febre e manchas no corpo, mas é possível mais gente tenha se intoxicado. 

Uma delas é a mãe de André, Antônia Peres, que sentiu muita coceira nos dias em que a comunidade foi pulverizada. Ela lembra que a aeronave passou tantas vezes nesses dias que ela tinha que tomar banho correndo. Como o seu banheiro não tem teto, e a aeronave passava baixo, ela temia ser vista pelo piloto. “Quando eles demoravam, a gente sabia que tinham ido abastecer, então a gente ía tomar banho ligeirinho. Não aguentava de tanta coceira”, diz.

A comunidade suspeita que o responsável  pela contratação do avião é um produtor de soja que tem histórico de conflitos com essa e outras comunidades da região, Gabriel Introvini. Segundo Diogo Cabral, advogado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o avião vinha de uma terra alugada por Introvini. Diversas denúncias feitas pelas comunidades e até uma operação da polícia apontam ele e seu filho, André Introvini, como responsáveis por desmatamento ilegal do cerrado, roubo de terras e tentativas de expulsar os moradores locais.

O conflito já dura cerca de quatro anos. As comunidades estavam na região antes da chegada das plantações de soja e viram o cerrado ser desmatado para dar lugar à monocultura. Hoje, algumas fazendas fazem fronteira com as casas.

“O quadro é muito grave, porque nós já temos um conflito agrário e, agora, eles jogaram veneno em cima das casas. É uma guerra química contra essas famílias”, afirma Cabral. O caso foi classificado como uma “gigante tragédia” em carta assinada por mais de 50 organizações do terceiro setor, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que monitora outros casos similares pelo país.

Repórter Brasil entrou em contato com os dois fazendeiros e enviou o conteúdo da denúncia por email, mas não obteve resposta. Segundo o Canal Rural, Gabriel Introvini e seus filhos se dividem para plantar soja no Maranhão e no Mato Grosso

Veneno como ameaça

O uso dos agrotóxicos como arma para expulsar os moradores foi citado como uma ameaça antes do episódio ocorrer, afirmam moradores do povoado de Carranca, que fica próximo à comunidade de Araçá e também atingido. “Recebi um recado que eles iam colocar o veneno pior que eles tivessem na porta da minha casa pra que eu não suportasse e desocupasse a área”, afirma o agricultor Vicente de Paulo Costa Lira, morador da comunidade de Carranca. Ele diz que a ameaça veio de funcionário do mesmo sojeiro, Gabriel Introvini, sobre quem Lira já fez diversas denúncias.

Arthur, 8 anos, teve falta de ar, vômito, diarreia e febre depois de respirar o agrotóxico lançado na plantação de soja que fica atrás da sua casa (Foto: Diogo Cabral)

Pior, essa não foi a primeira vez. A sua casa, que fica a 15 metros da plantação, recebe com frequência a nuvem de agrotóxicos aplicados pelo vizinho. Mas ele afirma que, nas duas semanas que precederam o dia 22, a aplicação se intensificou. Ele, sua esposa e três netos sentiram falta de ar, vômito e diarreia. Seu neto Arthur, de 8 anos, ainda teve febre e Lira dor de cabeça e irritabilidade. A família perdeu a conta de quantos animais – entre bodes e galinhas –  morreram desde o começo da aplicação.

O advogado Diogo Cabral e o padre Francisco das Chagas Pereira, coordenador do Programa de Assessoria Rural da Diocese de Brejo, foram testemunhas do forte odor quando estiveram na casa de Lira em 19 de abril, um dia após a aplicação no local. “A gente quase não suportava o cheiro do agrotóxico”, afirma o padre.

Os episódios de abril levaram o conflito muitos graus acima porque os aviões jogaram agrotóxicos de modo repetitivo sobre as casas e as pessoas. Mas essa não é a primeira vez que as comunidades respiram veneno. Diversos moradores das duas comunidades relatam que há anos sentem o cheiro e os efeitos da intoxicação, com episódios frequentes de náusea e dor de cabeça. Isso ocorre porque o agrotóxico é aplicado em áreas que fazem fronteira entre a fazenda e as casas. O vento leva a nuvem de veneno para as áreas habitadas.

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O lavrador Vicente de Paulo em sua casa com a plantação de soja ao fundo, toda a família sente sintomas de intoxicação (Foto: Diogo Cabral)

Envenenar para expulsar

O problema não é isolado ao episódio do Maranhão. Crescem as denúncias de comunidades rurais com sintomas de intoxicação devido a agrotóxicos pulverizados de avião por fazendeiros que têm interesse na sua saída.

É o caso do último de muitos episódios vividos pelas famílias que ocupam a fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco no Pará. No dia 6 de março, Juan Rodrigues, de 14 anos, estava conversando com sua mãe, quando viu o avião passar perto da casa da família. “Na hora eu senti mal, minha boca ficou seca, parece que a saliva sumiu. Nos dias depois me deu dor de cabeça”.

O cheiro do agrotóxico era tão forte que Maria, outra ocupante da fazenda, não suportou. “Minha cabeça começou a doer, na hora eu corri e coloquei um pano molhado na boca, pra poder respirar. Só assim aguentei”, lembra. O seu filho de 8 anos estava brincando com o primo no terreno próximo à casa e também foi atingido. O menino teve dor de barriga e diarréia por três dias seguidos após o episódio.

Maria pediu para não ter seu sobrenome revelado porque tem medo de sofrer represálias. A pulverização aérea, nesse caso, acontece em meio a um violento contexto de disputa por terra. O local, onde vivem mais de cem famílias, foi palco do episódio conhecido como chacina de Pau D’Arco. Em maio de 2017, policiais civis e militares mataram dez trabalhadores que resistiram às ordens de despejo e insistiam em ocupar o local.

Quase quatro anos depois, os ocupantes ainda vivem com medo de serem expulsos, já que a justiça determinou cumprir a mesma ordem de reintegração vigente desde a época da chacina. Em janeiro deste ano, a principal testemunha do massacre, Fernando Araújo dos Santos, foi executado com um tiro na nuca dentro do seu lote.

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Famílias que moram em ocupação na fazenda Santa Lúcia foram intoxicadas em março por avião que jogava agrotóxicos na fazenda vizinha (Foto: Caue Angeli)

“Envenenamento deliberado” é uma das suspeitas da promotora Herena Neves, da Vara Agrária de Redenção. Ela afirma que ainda é cedo para tirar conclusões ” estamos no processo de investigação”, mas uma de suas hipóteses é que a pulverização seja “tentativa de prejuízo à saúde ou lesão corporal para que essas pessoas não possam se alimentar ou tenham a saúde diretamente afetada, e aí façam o deslocamento forçado”.

Nos vídeos gravados pelos assentados, pode-se ver o avião passando próximo à fronteira da fazenda vizinha, onde fica o gado do pecuarista Claudiomar Vicente Kehrnvald, conhecido como Mazinho. Ele tem diversas fazendas na região e, antes da chacina, alugava partes da Santa Lúcia para criar gado. Procurado em seu celular particular, Mazinho desligou ao ouvir a identificação da reportagem. Ele não respondeu aos pedidos de esclarecimentos feitos por mensagens e seu advogado não retornou após contato por telefone.

Além de intoxicar as pessoas, o agrotóxico pulverizado de avião pelo vizinho também secou os roçados dos pequenos produtores que ocupam a Santa Lúcia, prejudicando o investimento e meses de trabalho. Eles produzem milho, mandioca, quiabo e melancia, entre outras culturas variadas, para venda nas cidades do entorno. 

Além dos casos no Pará e no Maranhão, a Fundação Oswaldo Cruz soltou nota sobre caso similar que ocorreu em fevereiro e março em Nova Santa Rita, no Rio Grande Sul. Assentados que produzem alimentos orgânicos registraram o sobrevoo de aviões pulverizando agrotóxicos sobre as suas plantações e casas. Eles relataram ainda a morte de animais de estimação e pássaros, adoecimento de animais de criação e o sumiço de abelhas. Testes feitos no local detectaram a presença do herbicida 2,4-D, classificado como extremamente tóxico pela Anvisa e como “possível carcinogênico” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da Organização Mundial da Saúde.

Estado paralisado

Apesar de crescentes denúncias de comunidades rurais sendo intoxicadas, o estado brasileiro não responde à gravidade do problema. No Pará, dois meses depois de a denúncia chegar às instâncias responsáveis, ainda não foi feita a coleta de materiais para testagem e comprovação da presença de agrotóxicos. Algumas pessoas procuraram o posto de saúde por iniciativa própria, mas não receberam acompanhamento. 

No Maranhão, as crianças e adultos intoxicados ficaram mais de uma semana sem nenhuma forma de atendimento médico. Eles não procuraram o posto porque ficaram com medo de se contaminar com o coronavírus. Acionado pelo advogado, lideranças e Defensoria Pública, o governo do Maranhão demorou mais de dez dias para enviar equipe de atendimento ao local. A equipe chegou à cidade ontem, dia 3.

Em nota conjunta, as secretarias estaduais de Meio Ambiente, de Direitos Humanos e de Segurança Pública do Maranhão informaram que estão apurando as denúncias, com ações de autuação, fiscalização no local e levantamento de licenças, além de notificar outros órgãos. (confira as respostas na íntegra)

Uma semana depois do banho de agrotóxico, a Polícia Civil fez exame de corpo de delito em André e em sua tia. Outros moradores da comunidade ainda aguardam a realização do exame. A delegacia da cidade instaurou um inquérito e requisitou perícia no local para verificar a contaminação do solo, da vegetação e de animais. Devido a demora, porém, os resíduos do agrotóxico podem se perder com a chuva. 

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A dupla sertaneja Adson e Alana fez um clipe exaltando a pulverização aérea que teve mais de 6 milhões de visualizações em um mês

Veneno é pop

Devido ao alto risco de afetar populações e cursos de água, a União Europeia baniu a aplicação aérea de agrotóxicos. A prática é permitida apenas em emergências ou casos específicos, desde que seguindo normas rígidas. 

No Brasil, a percepção é bastante diferente. Permitida e largamente utilizada, a prática foi exaltada no último hit da dupla sertaneja Adson e Alana. Com mais de 6 milhões de visualizações em abril, mês que foi lançado, o clipe oficial mostra aviões agrícolas dando rasantes em uma plantação de soja enquanto a dupla canta “ão ão ão passar veneno de avião”. Há até uma coreografia que simula o movimento de “passar veneno”. Alana encerra o clipe andando em meio a uma plantação de soja seca, processo que é acelerado pela aplicação de agrotóxicos.  

A pulverização aérea é permitida no Brasil e segue regras fixadas por estados e municípios. Organizações que acompanham os seus impactos, porém, argumentam que ela deveria ser proibida. “Por mais que fosse seguida a legislação, o risco é muito grande”, afirma Eduardo Darvin, do Instituto Centro de Vida, que atua no Mato Grosso, maior produtor de soja do país.

Apenas o estado do Ceará e algumas cidades conseguiram aprovar leis proibindo a prática. Mesmo com forte apoio popular e de pesquisadores, a lei enfrenta resistência. Para suspendê-las, alguns gigantes do setor agrícola e de transporte aéreo recorreram ao Supremo Tribunal Federal

Mesmo quando não é usada como arma de disputa por terra, o alto risco da pulverização é a falta de controle sobre para onde irá o produto, já que ele pode ser levado pela chuva ou pelo vento. Para evitar que isso aconteça, devem ser respeitados diversos fatores de difícil controle, como a velocidade do vento, a temperatura e a umidade do ar – além da distância mínima estabelecida em lei.

Mas o cumprimento das normas não é fiscalizado. Ainda que a fiscalização seja compartilhada com estados e municípios, dados do Ibama de infrações ambientais mostram o baixo percentual de multas aplicadas à pulverização de agrotóxicos. A reportagem cruzou dados de 2010 a 2020, apenas 0,008% das autuações feitas pelo órgão eram casos de pulverização aérea (apenas 16 casos de um total de 184.962 autuações no período). E mesmo nos poucos casos em que a fiscalização detecta um problema, são poucos os que pagam as multas aplicadas. Um estudo da Universidade Federal do Paraná mostrou que as multas relacionadas a agrotóxicos que chegam a ser pagas são aquelas de menor valor: 82% das de menor valor aplicado (R$ 150,00). Esta porcentagem cai gradativamente na medida em que os valores crescem. Apenas 1 entre as 28 multas com valor acima de R$ 1 milhão foi paga. Os dados são de multas aplicadas de 2008 a 2017

Nem mesmo no caso em que o Ministério Público Federal entrou para responsabilizar os autores, os condenados pelo ataque pagaram os valores. Em 2015, um avião que pulverizava agrotóxicos passou por cima da comunidade indígena Tey Jusu, no Mato Grosso do Sul. O procurador federal Marco Antonio Delfino monitorou a intoxicação de crianças e adultos Guarani e Kaiowá que sofreram dores de cabeça, de garganta, diarreia e febre. 

Segundo ele, a região é cenário de diversos confrontos em processos de demarcação de terra onde os agrotóxicos são usados com frequência como arma contra os indígenas. “A utilização dos agrotóxicos como armas químicas sempre ocorreu, mas demorou para conseguirmos ter uma posição”, disse o procurador, que relatou outros casos em entrevista à Repórter Brasil e Agência Pública

Ele foi o autor da ação que gerou decisão inédita, no início de 2020, quando a Justiça Federal do Mato Grosso do Sul condenou um fazendeiro, um piloto agrícola e uma empresa a pagarem conjuntamente R$ 150 mil à comunidade. Embora seja citado como um dos poucos casos em que houve condenação, eles recorreram à segunda instância e o pagamento até hoje não foi feito.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Precisamos falar sobre o “lugar de fala”

 ''Lugar de fala'' é o novo fundamentalismo político. Refúgio de dogmáticos e intolerantes que concedem-se prerrogativas de superioridade moral

Leia o artigo completo.

sábado, 26 de outubro de 2019

Macario, un clásico de Día de Muertos

Macario, un clásico de Día de Muertos | México Desconocido: Macario es la película de Día de Muertos que muestra con mayor fidelidad las tradiciones mexicanas. Te contamos sobre ella. Macario es la película de Día de Muertos que muestra con mayor fidelidad las tradiciones mexicanas. Te contamos sobre ella.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

"A Batalha das Sementes". A Monsanto é uma praga para o mundo

Como a imensa diversidade alimentar do planeta, mantida pelos agricultores por milênios, é ameaçada por empresas como a MonsantoQuais as possíveis resistências
Por Vandana Shiva | Tradução: Inês Castilho
O 22 de maio foi declarado Dia Internacional da Biodiversidade pela ONU. Isso oferece oportunidade de tomar consciência da rica biodiversidade desenvolvida por nossos agricultores, como cocriadores junto à natureza. Também permite tomar conhecimento das ameaças que as monoculturas e os monopólios de Direitos de Propriedade representam para nossa biodiversidade e nossos direitos
Assim como nossos Vedas e Upanishads [os textos sagrados do hinduísmo] não possuem autores individuais, nossa rica biodiversidade, que inclui as sementes, desenvolveu-se cumulativamente. Tais sementes são a herança comum das comunidades agrícolas que as lavraram coletivamente. Estive recentemente com tribos da Índia Central, que desenvolveram milhares de variedades de arroz para o seu festival de “Akti”. Akti é uma celebração do convívio entre a semente e o solo, e do compartilhamento da semente como dever sagrado para com a Terra e a comunidade.
Além de aprender sobre as sementes com as mulheres e os camponeses, tive a honra de participar e contribuir com leis nacionais e internacionais sobre biodiversidade. Trabalhei junto ao governo indiano nos preparativos para a Cúpula da Terra Rio-92, quando a Convenção sobre Biodivesidade da ONU (CBD) foi adotada pela comunidade internacional. Os três compromissos-chave da CBD são a proteção dos direitos soberanos dos países sobre sua biodiversidade, do conhecimento tradicional das comunidades, e da biossegurança, no contexto de alimentos geneticamente modificados.
A ONU indicou-me para integrar o painel de especialistas encarregado de pensar o protocolo de biossegurança, adotado como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Fui indicada como membro do grupo de especialistas que desenhou a Lei Nacional sobre Biodiversidade, assim como a Lei sobre Variedade de Plantas e Direitos dos Agricultores, na Índia. Em nossas leis, garantimos o reconhecimento dos direitos dos agricultores. “Um agricultor deve ser considerado capaz de conservar, usar, semear, ressemear, trocar, compartilhar ou vender seus produtos agrícolas, incluindo as sementes de variedades protegidas por esta lei, do mesmo modo que estava autorizado antes da vigência dela”, diz o texto.
Trabalhamos nas últimas três décadas para proteger a diversidade e a integridade de nossas sementes, os direitos dos agricultores, e resistir e desafiar os monopólios de propriedade intelectual ilegítimos de empresas como a Monsanto, que faz engenharia genética para exigir patentes e royalties.
Patentes de sementes são injustas e injustificáveis. Uma patente ou qualquer direito de propriedade intelectual é um monopólio garantido pela sociedade em troca de benefícios. Mas a sociedade não se beneficia de sementes tóxicas e não renováveis. Estamos perdendo biodiversidade e diversidade cultural, estamos perdendo nutrição, sabor e qualidade em nossos alimentos. Sobretudo, estamos perdendo nossa liberdade fundamental de decidir quais sementes plantaremos, como iremos cultivar nosso alimento e o que iremos comer.
De bem comum, as sementes transformaram-se em commodities de empresas privadas de biotecnologia. Se elas não forem protegidas e colocadas novamente nas mãos de nossos agricultores, corremos o risco de perdê-las para sempre.
Em todo o mundo, as comunidades estão armazenando e trocando sementes de diversas maneiras, conforme cada contexto. Estão criando e recriando liberdade – para a semente, para os protetores das sementes, para a vida e para todas as pessoas. Quando conservamos uma semente, também renovamos e restauramos o conhecimento – o conhecimento da reprodução e da conservação, o conhecimento do alimento e da agricultura. A uniformidade tem sido usada como medida pseudocientífica para criar monopólios de propriedade intelectual sobre sementes. Uma vez que uma empresa tem patente sobre sementes, ela empurra para os agricultores suas produções patenteadas para receber royalties.
A humanidade tem se alimentado de milhares (8.500) de espécies de plantas. Hoje estamos condenados a comer milho e soja geneticamente modificados de diferentes formas. Quatro culturas principais – milho, soja, canola e algodão – têm sido todas cultivadas às custas de outros cultivos, porque geram royalties por cada hectare plantado. A Índia, por exemplo, cultivava 1.500 tipos diferentes de algodão, e agora 95% são Algodão Bt, geneticamente modificado, pelo qual a Monsanto recebe royalties. Mais de 11 milhões de hectares de terra são empregados no cultivo de algodão. Destes, 9,5 milhões são usados para cultivar a variedade Bt da Monsanto.
Uma pergunta comum é: por que razão os agricultores adotam o algodão Bt, já que os prejudica? Mas os agricultores não escolhem o algodão Bt. Eles são obrigados a comprá-lo, uma vez que todas as outras alternativas estão destruídas. O monopólio de sementes é imposto pela Monsanto através de três mecanismos:
> Fazer com que os agricultores desistam das velhas sementes, o que no jargão da indústria é chamado de “substituição de semente”.
> Influir junto às instituições públicas para deter a reprodução das sementes tradicionais. O Instituto Central de Pesquisa do Algodão (CCIR, na sigla em inglês) da Índia não liberou variedades de algodão para a região de Vidharba, depois que a Monsanto entrou com suas sementes de algodão Bt.
> Manter as empresas indianas presas a acordos de licenciamento.
Esses mecanismos coercitivos, corruptos estão agora caindo por terra. A Rede Navdanya criou bancos de sementes comunitários aos quais os agricultores têm acesso para obter sementes nativas orgânicas e polinizadas. O CCIR, sob a liderança do Dr. Keshav Kranti, está desenvolvendo variedades nativas de algodão. Finalmente, o governo também interveio para regular o monopólio da Monsanto. Em 8 de março, baixou uma ordem de controle do preço da semente sob a Lei de Commodities Essenciais.
A Monsanto e a indústria de biotecnologia desafiaram a ordem do governo. Entramos com uma ação na corte superior do estado de Karnataka. Em 3 de maio, a Justiça de Bopanna baixou uma ordem reafirmando que o governo tem o dever de regular os preços das sementes e a Monsanto não tem o direito ao seu monopólio. A biodiversidade e os pequenos agricultores são a base da segurança alimentar, e não corporações como a Monsanto, que estão destruindo a biodiversidade e levando os agricultores ao suicídio. Esses crimes contra a humanidade precisam parar. Essa é a razão pela qual em 16 de outubro, Dia Internacional do Alimento, vamos organizar em Haia um Tribunal da Monsanto para “julgar” a corporação por seus vários crimes

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Os 13 melhores álbuns de rock da história


 13 álbuns essenciais do rock No passado dia 13 de Julho comemorou-se o Dia Internacional do Rock. Não sabia? Isso não interessa. O que interessa é o pretexto para revisitar uma selecção de alguns dos mais marcantes álbuns de sempre. Goste-se ou não, são 13 álbuns fundamentais da história do Rock.

O Dia Internacional do Rock (13 de Julho) é uma boa desculpa para um especial sobre um dos estilos de música mais populares de todos os tempos. Demoníaco, sujo, contestador, rebelde, jovem, sexy, potente..(e também comercial, meloso, óbvio, repetitivo…) clichês (verdadeiros ou quase) que se acumularam ao longo do tempo. A seguir você confere uma seleção com 13 álbuns essenciais do rock. 15 se considerarmos as duas dobradinhas. Deixamos de lado alguns dos pioneiros e também grandes nomes das décadas de 60/70, que tem alguma ligação, direta ou indireta com o rock, por uma lista mais enxuta e precisa.

Robert Johnson, Bo Diddley, Little Richards, Jerry Lee Lewis, Bill Halley, Jonnhy Cash, Ray Charles, Elvis Presley, Beach Boys, Kinks, Byrds, Buddy Holly, Van Morrison, The Band, Neil Young, James Brown, Doors, dentre outros, não figuram aqui, mas merecem toda atenção possível.

O próprio termo “rock” acaba perdendo qualquer sentido muito restrito que quisermos dar. Nesta alcunha extremamente abrangente temos o pop, alternativo e dezenas de estilo “co-irmãos”. O All Music Guide dá uma boa noção disso. E, como “bíblia” da música na internet, o All Music é referência também nos links de cada álbum, com análise, lista de músicas, charts, influências, temas e tudo de relevante relacionado a cada disco. Let’s start:

 13 álbuns essenciais do rock
Bringing It All Back Home / Highway 61 Revisited (1965) - Bob Dylan

Ambos de 1965, representam as duas primeiras incursões de Bob Dylan com instrumentos elétricos, causando toda a polêmica que você já sabe. São também duas das melhores obras de todos os tempos. O track list não deixa mentir. Dylan fez o que quis com o século XX. E ainda continua a lançar discos sensacionais, como o recém “Together Through Life“, deste ano. Agradeça.


 13 álbuns essenciais do rock
Out Of Our Heads (1965) - The Rolling Stones

Satisfaction. É o primeiro GRANDE álbum dos Stones. Encontrando a personalidade ante as influências descaradas da banda. Viriam uma série de clássicos irretocáveis a partir daí.


 13 álbuns essenciais do rock
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) -The Beatles

O ápice da maturidade dos Beatles. Revolucionário e influente em cada detalhe.


 13 álbuns essenciais do rock
Disraeli Gears - Cream (1967)

Eric Clapton, Jack Bruce, Ginger Baker. O primeiro power trio do rock. E o melhor álbum do grupo.


 13 álbuns essenciais do rock
Are You Experienced? - Jimi Hendrix (1967)

O grande mito da guitarra. Um dos discos que definem a década de 60.


 13 álbuns essenciais do rock
Tommy - The Who (1969)

Pouca gente aprendeu como se faz uma ópera-rock. Álbum símbolo (ao lado de “Who’s Next”, de 71) da banda. Impossível falar de rock sem citar The Who.


 13 álbuns essenciais do rock
Led Zeppelin I - Led Zeppelin (1969)

“Good Times, Bad Times”, “Babe I’m Gonna Leave You”, “You Shook Me”, “Dazed And Confused”, “Communication Breakdown”, “How Many More Times”. Quase o disco todo. A estreia de uma das formações mais lendárias e explosivas do rock.


 13 álbuns essenciais do rock
Black Sabbath - Black Sabbath (1970)

O início do heavy metal.


 13 álbuns essenciais do rock
Ziggy Stardust And The Spiders From Mars - David Bowie (1972)

Bowie fez de tudo, sempre com qualidade muito acima da média, influenciando gente dos mais variados estilos possíveis. Poucos aprenderam.


 13 álbuns essenciais do rock
Dark Side Of The Moon - Pink Floyd (1973)

O equilíbrio (incomum) e a genialidade do progressivo de uma banda no auge de tudo. A completa e sublime perfeição sonora, estética e conceitual. 


 13 álbuns essenciais do rock
Ramones - Ramones (1976) / London Calling - The Clash (1979)

O início do punk rock (Ramones) e a banda mais completa (e que redesenhou) o estilo.


 13 álbuns essenciais do rock
Highway To Hell - AC/DC (1979)

O AC/DC já tinha lançado 5 álbuns de estúdio e 1 ao vivo para chegar a Highway To Hell. Todos igualmente inflamáveis. A despedida trágica do vocalista Bon Scott tem em suas 10 faixas a definição do que o rock visceral pode ser.


 13 álbuns essenciais do rock
Power, Corruption & Lies - New Order (1983)

Há muitos motivos para o New Order figurar aqui. Primeiro, com o Joy Division, criaram a base do pós-punk antes de todo mundo. Depois, com o N.O., geraram algumas das melhores obras que fundiram o alternativo, o dance, o synth e toda uma escola altamente influente até hoje. E, é claro, pra brincar com o estilo “contestador”, é o “anti-rock” da lista.

Com o mix de todos os nomes citados aqui você obtém boa parte do pop/rock relevante (e seus desdobramentos) do século XX até hoje. Bon apetit.

Leia mais em Obvious

sábado, 5 de maio de 2018

Há 201 anos nascia Karl Marx. O mundo nunca mais foi o mesmo depois dele


Marx
Nome completo
Karl Heinrich Marx
Nascimento5 de Maio de 1818
TréverisRenânia-Palatinado
Alemanha
Morte14 de março de 1883 (64 anos)
LondresInglaterra
Reino Unido
NacionalidadeAlemão
Ocupaçãoescritoreconomistasociólogo,historiador e filósofo
Influências
Influenciados
Magnum opusO Capital
Escola/tradiçãoMarxismo (cofundador, junto com Engels)
Principais interessesFilosofiaSociologiaeconomia,históriapolíticateoria social
Ideias notáveistransição gradual para o comunismo,ditadura do proletariado,materialismo históricomaterialismo dialético, socialismo científico, modo de produçãomais-valialuta de classesteoria marxista da ideologiateoria marxista da alienaçãoFetichismo da mercadoria
Assinatura
Karl Marx (signature).gif









Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818  Londres, 14 de março de 1883) foi um intelectual erevolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador,teórico político e jornalista.
O pensamento de Marx influencia várias áreas, especialmente FilosofiaGeografiaHistóriaDireitoSociologia,LiteraturaPedagogiaCiência PolíticaAntropologiaEconomia e Teologia, mas também BiologiaPsicologia,ComunicaçãoAdministraçãoFísicaCosmologiaArquiteturaEcologia.
As teorias de Marx sobre a sociedade, a economia e a política - conhecidas coletivamente como marxismo - afirmam que as sociedades humanas progridem através da luta de classes: um conflito entre a classe burguesa que controla a produção e um proletariado que fornece a mão de obra para a produção. Ele chamou o capitalismo de "a ditadura da burguesia", acreditando que seja executada pelas classes ricas para seu próprio benefício, Marx previu que, assim como os sistemas socioeconômicos anteriores, o capitalismo produziria tensões internas que conduziriam à sua auto-destruição e substituição por um novo sistema: o socialismo. Ele argumentou que uma sociedade socialista seria governada pela classe trabalhadora a qual ele chamou de "ditadura do proletariado", o "estado dos trabalhadores" ou "democracia dos trabalhadores". Marx acreditava que o socialismo viria a dar origem a uma apátrida, uma sociedade sem classes chamada de comunismo. Junto com a crença na inevitabilidade do socialismo e do comunismo, Marx lutou ativamente para a implementação do primeiro, argumentando que os teóricos sociais e pessoas economicamente carentes devem realizar uma ação revolucionária organizada para derrubar o capitalismo e trazer a mudança sócio-econômica.
Em uma pesquisa realizada pela Radio 4, da BBC, em 2005, foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.Além disso, Marx é normalmente citado, juntamente com Émile Durkheim e Max Weber, como um dos três principais arquitetos da sociologia moderna.Ainda em outro campo, a obra de Marx sobre economia lançou as bases para a compreensão atual do trabalho e de sua relação com o capital, muito influenciando o pensamento econômico subsequente.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Bitcoins, sonho de consumo dos anarco-capitalistas

Por Doug Henwood, em Jacobin | Tradução: Inês Castilho - de Outras Palavras

Sua utilidade social é nula. Seu conceito é o de um dinheiro “livre” da política — o que congela a riqueza e a pobreza nos níveis atuais. Seu sucesso fugaz revela um mundo de desigualdade brutal

O guru do marketing Robert Prechter, grande psicólogo dos mercados financeiros embora seja seguidor devotado de Ayn Rand e acredite na peça de ficção denominada teoria Elliott Wave, alegou certa vez que num grande mercado especulativo há algo denominado “ponto de reconhecimento”, quando o público embarca. Isso significa que está ficando tarde e já é hora de os profissionais pensarem em cair fora (embora a mania possa continuar bem depois do envolvimento das pessoas comuns).
Parece que estamos nesse ponto com a Bitcoin, cujo preço teve, nos últimos anos, uma trajetória semelhante à de grandes manias da história, como o frenesi do bulbo de tulipa holandês, dos anos 1630, a bolha do Mar do Sul  dos anos 1710 e as orgias do mercado de ações norte-americano nos anos 1920 e 1990.
O que acontece? Antes de entrar nos detalhes, é preciso lembrar que dinheiro, em geral, não é um tema simples. A maioria das pessoas tem um bom entendimento de como o ouro, que é um tipo específico de dinheiro, é garimpado, processado e formatado em lingotes e moedas. Um pouco menos óbvia é a razão por que tem um status monetário diferente, digamos, ao da platina. Mas é raro, puro, facilmente divisível, e muito apreciado ao longo dos tempos.
O dinheiro de papel é mais complexo. De 1900 até 1971, o dólar norte-americano era lastreado pelo ouro, o que significa que seu valor era legalmente definido por um certo peso do metal. Isso acabou em 1971, quando o presidente Richard Nixon chocou o mundo ao romper a relação com o ouro e permitir que seu valor fosse determinado pela negociação nos mercados de câmbio.
O Bitcoin, contudo, é um animal completamente diferente. É a primeira e mais famosa de uma família grande e crescente de coisas denominadas “criptomoedas”. A família inclui o Ethereum, o Ripple, o Dash e o Monero – mas o Bitcoin é de longe o maior. O valor total dos Bitcoins existentes hoje é de 261 bilhões de dólares. Isso é um terço a mais que o valor total das ações do Citigroup, e pouco menos que o valor das ações da Wells Fargo, bancos reais com milhões de clientes, que produzem dinheiro de verdade.

A origem do Bitcoin está num texto de 2008 escrito por alguém com o pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Bem a propósito, a despeito das muitas tentativas, ninguém conseguiu saber quem ele é.
A definição semioficial de criptomoeda é “uma moeda digital produzida pessoa-a-pessoa, descentralizada, cuja implementação baseia-se nos princípios da criptografia para validar as transações e geração da própria moeda.” (Embora seja um tijolo denso de prosa, é preciso fazer justiça para os criptoides lembrando que também não seria fácil definir o dólar de forma sucinta.)
Tudo isso significa que o Bitcoin e as outras são moedas eletrônicas – pura entrada de dados em registros eletrônicos – criadas e transferidas por uma rede de computadores sem que ninguém seja responsável por isso. O papel da criptografia não é simplesmente garantir a segurança da transação, mas também gerar novas unidades da moeda. Novas unidades de criptomoeda são “garimpadas” por computadores ao resolver complicados (e descabidos) algoritmos matemáticos, que uma vez solucionados possibilitam o nascimento de uma unidade da moeda – com assinatura digital garantindo autenticidade e unicidade –, então anunciado ao resto do sistema.
Cada Bitcoin inclui um Blockchain, registro digital anônimo do histórico de transação dessa unidade. O criador ganha o valor da nova moeda quando ela entra no sistema. Você pode comprar ou vender Bitcoins online, e há alguns poucos caixas eletrônicos para Bitcoins espalhados pelo mundo.
A garimpagem requer quantidades enormes de potência computacional. Segundo algumas estimativas, a potência usada pela Bitcoin pode já ser igual à de 3 milhões de famílias dos EUA, e superar o consumo individual de 159 países. A massa dessa garimpagem acontece na China, onde a maior parte da eletricidade é gerada pelo carvão, um negócio sujo. Espera-se que o número total de Bitcoins em circulação chegue a 21 milhões; já estamos por volta de 17 milhões. À medida em que o limite vai sendo alcançado, os algoritmos de criação das moedas ficam mais difíceis de resolver — e mais carbono é gerado. Mesmo as coisas aparentemente mais imateriais têm com frequência profundas raízes materiais.
Vale enfatizar que os algoritmos usados para gerar Bitcoins não têm sentido. Não servem a nada útil. Para alguns adeptos, isso é uma coisa boa, porque estar ligadas a um propósito útil poderia conferir valor intrínseco à moeda; é melhor deixar seu valor flutuar livremente, limitado apenas pela imaginação humana.
É essa a tecnologia do Bitcoin. E o que dizer dela como dinheiro? A clássica definição dos economistas sobre o dinheiro é que ele é uma reserva de valor, uma unidade de medida e um meio de troca. Você vai à loja e vê uma lata de tomates que custa 3 dólares, os quais serão registrados pela loja como receita quando a lata for vendida. Você saca 3 dólares do bolso ou do seu cartão de débito. Extrai o valor provisionado (dinheiro na mão ou no banco) e usa-o como meio de troca.
O dólar norte-americano tem valor porque todo mundo nos EUA (e além) considera a moeda bem-sucedida ao preencher estes três requisitos como dinheiro. O dólar é valorizado pelos bens e serviços que pode comprar.
Já o Bitcoin tem sérios problemas em todos esses aspectos. Recentemente, numa única semana, o valor da Bitcoin variou entre 15 mil e 21 mil dólares aproximadamente. Um ano atrás, seu valor era de pouco mais de 800 dólares. Não é, portanto, uma reserva de valor muito confiável. (Está cotado em US$15.625 agora. Mas espere um minuto e ele vai mudar. Aqui, uma cotação ao vivo.)
Quase ninguém aceita Bitcoins, nem empresas mantêm nele sua contabilidade; ele fracassa tanto como unidade de valor quanto como medida de troca. E sua curta história – os primeiros Bitcoins foram cunhadas em 2009 – tem sido turbulenta. Houve vários roubos, fraudes e hackeamentos, que seus partidários consideram dores de crescimento. Mas sem instituição reguladora, sem depósito de segurança e sem banco central, esse tipo de incidente é inevitável. Introduza, porém, esquemas de regulação e seguroança e a Bitcoin perderá todo o seu anarco-charme.
O ouro é como o Bitcoin, por ser uma forma não estatal de dinheiro — razão pela qual é amado pelos ultra-liberais [libertarians, em inglês], mas tem se saído muito melhor como reserva de valor. O preço do ouro varia bem menos que um por cento ao dia – mas seu preço é ainda mais volátil que o do  dólar norte-americano. É uma reserva de valor semiconfiável.
Já nos outros requisitos o ouro não é muito melhor que o Bitcoin: não dá pra comprar muita coisa com ele, e quase nada tem seu preço ou é contabilizado em ouro.
A despeito disso, o ouro retém um enorme apelo fantasmático – um tipo “objetivo” de medida de valor, determinada pelo mercado, distante da intervenção dos Estados. Keynes considerou o ouro parte do “aparato do conservadorismo”. Era um velho conservadorismo, o dos rentistas que amavam a austeridade, porque ela preservava o valor de seus ativos. O Bitcoin serve a um propósito totêmico semelhante para os ciberliberais de hoje — que o amam não somente pelo fato de ser dinheiro não-estatal, mas também por seu poder de “desestabilizar”. O Bitcoin é parte do aparato do anarco-capitalismo.
O universo político do Bitcoin tem face principalmente ultra-liberal, mas inclui uma esquerda. Um texto escrito há alguns anos por Denis “Jaromil” Roio — um hacker, artista e estudante de graduação — utiliza citações de Michael Hardt, Antonio Negri, Giorgio Agamben e Christian Marazzi para dar ao Bitcoin um giro revolucionário, vendo-o de forma criativa como caminho para “a multidão [construir] seu corpo além da linguagem”. Jaromil não explica como a transformação do instrumento monetário poderá mudar o caráter da produção ou o modo como a renda é distribuída.
Há algo a ser dito sobre o anonimato do Bitcoin – embora deva-se perguntar quão impenetrável é seu véu para a NSA — Agência de Segurança Nacional dos EUA. Por agora, é um meio semisseguro para comprar armas e drogas.
Mas além do anonimato, é difícil enxergar quais os problemas que a Bitcoin resolve. A transição para o dinheiro de papel foi uma resposta à crise do sistema baseado no ouro. Não há valor prático no Bitcoin – de novo, além do anonimato – mas ele carrega bagagem política.
Deixando de lado seus empreendedores e especuladores, que querem apenas enriquecer, a visão política do Bitcoin é de um mundo descentralizado e sem Estados, com sistemas monetários em competição.
Dinheiro competitivo, que acaba com o monopólio do Estado na área, é há muito o sonho da direita. Num texto de 1976, Friedrich Hayek argumentava a favor de permitir a circulação de várias moedas dentro de cada país; a competição levaria ao uso da moeda mais sólida – isto é, a mais adequada às políticas de “austeridade”. Seria uma forma de controlar as tentativas governamentais de inflar as possibilidades de resolver problemas.
Isso significaria ausência de estímulo fiscal ou monetário em crises econômicas – deixem a seleção natural agir, simplesmente. As criptomoedas seriam um passo a mais em direção à ideia de moedas competitivas, que poderiam desafiar o próprio monopólio de emissão do Estado. (Na verdade, tínhamos moedas competindo no século 19; diversos tipos de pequenos bancos emitiam notas que frequentemente acabavam perdendo valor.) Claro, não há inflação; mas o dinheiro governamental provou ser muito mais estável do que suas alternativas — sejam elas ouro ou Bitcoin. Nenhum correntista perdeu um centavo na crise financeira de 2008; não se pode dizer o mesmo sobre os Bitcoins, em sua curta existência. Mas os ultra-liberais  – e há muitos deles na tecnologia e nas finanças, as mães do Bitcoin – estão preocupam-se obsessivamente com a inflação; do mesmo modo que os titãs dos fundos de investimento consideram o fim de suas isenções fiscais como uma reprise da Alemanha nazista…
De modo que, embora o Bitcoin falhe como dinheiro, ele adquiriu uma vida intensa como ativo especulativo. Ao contrário da maioria dos ativos especulativos convencionais, porém, seu valor é completamente imaterial. As ações são, em última instância, direitos sobre os lucros das empresas; e os títulos públicos asseguram um fluxo futuro de pagamentos de juros. Não se pode dizer o mesmo dos bitcoins. Seu único valor é aquilo que alguém vai pagar por eles hoje à tarde ou tralvez amanhã. E agora estão sendos negociados no mercado futuro, o que leva a especulação a uma quarta ou quinta dimensão.
E que onda especulativa!. Todo mundo quer participar do movimento. Imitadores do Bitcoin surgem todos os dias. Há pouco, especuladores garfaram mais de 700 milhões de dólares para uma empresa, a block.one, com uma criptomoeda que não existe realmente e, segundo seus patrocinadores, não tem objetivo. A empresa não divulgou quase nenhuma informação sobre si, e quase nada é conhecido sobre seus fundadores. Alguns dias depois, bem cedo, a empresa Long Island Ice Tea, que vende bebidas não alcoólicas, mudou seu nome para Long Blockchain, e imediatamente o preço de suas ações mais que dobraram. A empresa não tem acordo com nenhum promotor de criptomoeda, nem está prospectando isso. O truque foi a mera troca de nome.
É tudo uma loucura, mas meu palpite é que este tipo de bolha não causará grande dano econômico, quando estourar. Para isso, ela teria de ser financiada por bancos, que estariam em risco de falência quando as coisas ruíssem. Não é o que parece estar acontecendo. Haverá, contudo, quem perca a camisa.
O que é mais sério, essa bolha mostra que algumas pessoas têm muito dinheiro. Nossas sociedades têm dinheiro mais que suficiente para especular, mas não para suprir as necessidades humanas…