Eddie Cottle e a Copa na África do Sul: “Legado para quem?”
Pesquisador sul-africano que escreveu livro sobre a Copa na África diz que seu verdadeiro legado foram dívidas e desemprego
O sul africano Eddie Cottle, autor do livro “Copa do Mundo da
África do Sul: um legado para quem?”, acompanhou o megaevento de 2010
com olhos atentos. Ele coordenou a campanha por trabalho decente entre
os sindicatos da construção no país. E após pesquisar o antes, durante e
pós Copa, garante que as perspectivas de crescimento do país, aumento
do número de empregos e no número de turistas nunca se concretizou por
lá.
Ele acredita para o Brasil a coisa pode ser ainda pior,
principalmente por causa do grande número de despejos que já aconteceram
por aqui. “Olhando para o que está acontecendo no Brasil, o que se pode
esperar é um aumento pequeno dos níveis de emprego a curto prazo,
salários baixos, e a maioria dos fundos públicos sendo desviados para os
lucros das grandes empresas”.
Quais eram as promessas para o evento na África do Sul? E quem mais encorajou esta “ilusão”? A mídia? O governo? A própria Fifa?
Uma das maneiras mais perniciosas de se criar a aceitação geral da
Copa do Mundo é através da divulgação de números exagerados de geração
de empregos. Nesse sentido, o evento de 2010 parecia muito interessante.
O número de postos de trabalho foi estimado em 695.000 para os períodos
pré e durante a Copa do Mundo. E o que aconteceu na realidade? No
segundo trimestre de 2010, as taxas de empregabilidade diminuíram em
4,7%, ou seja, perdemos 627.000 postos de trabalho. No setor da
construção civil, onde se tinha a sensação de que os ‘bons tempos’
seriam sentidos por todos, o emprego diminuiu 7,1% (ou 54.000 postos de
trabalho) neste período. Na verdade, o ano de 2010 testemunhou com menos
111.000 postos de emprego na construção. Olhando para o que está
acontecendo no Brasil, o que se pode esperar é um aumento pequeno dos
níveis de emprego a curto prazo, salários baixos, e a maioria dos fundos
públicos sendo desviados para os lucros das grandes empresas. Quando o
termo “legado” é usado pelas comissões de licitação, pela Fifa, pelos
Comitês Organizadores Locais, funcionários do governo e as principais
consultorias econômicas, ele é assumido como inteiramente positivo, com o
argumento de que os benefícios do crescimento econômico e do
desenvolvimento urbano irão para as comunidades como uma coisa natural.
Essas são mentiras absurdas. Nunca são feitos estudos sérios acerca dos
investimentos feitos pelo governo e a que custo eles acontecem; sobre o
impacto da Copa sobre o meio ambiente ou os custos sociais de sediar a
Copa. O relatório econômico oficial é mantido sob sigilo e longe da
discussão pública, simplesmente porque são falhos.
Qual foi o acordo de anfitrião feito entre a Fifa e a África do Sul? Foram criadas leis específicas como no Brasil?
O maior problema que o Brasil irá enfrentar é a promulgação das “Leis
da Fifa”, que serão o elo entre o governo brasileiro e a Fifa. Estas
leis dão garantias para a Fifa que incluem uma “bolha” livre de
impostos; importação e exportação irrestrita de todas as moedas do e
para o Brasil, bem como a sua troca e conversão em dólares, euros ou
francos-suíços; a suspensão de qualquer legislação trabalhista que
possam restringir a Fifa, seus parceiros comerciais, a imprensa e os
membros de sua equipe de transmissão dos jogos; segurança e assistência
médica gratuita [para a Fifa]; a proteção dos direitos de propriedade
intelectual da Fifa e garantias para indenizá-la por quaisquer
contestações judiciais ou processos que possa vir a sofrer. Para fazer
cumprir estas concessões da soberania da África do Sul, a Fifa exigiu
que o Estado criasse e financiasse juizados especiais. E para além
disso, durante a competição, nenhuma grande obra foi permitida nas
cidades-sede, o que significa reduzir o crescimento econômico.
Como estão hoje as vítimas de remoções forçadas? Você sabe?
Eu não tenho notícias… Mas acho que no Brasil a situação será pior,
porque na África não tinham tantas pessoas morando ao redor dos
estádios.
A África do Sul ganhou ou gastou mais dinheiro com a Copa?
Em 2003, a consultoria internacional Grant Thornton estimou que as
despesas da África do Sul com a Copa do Mundo seriam “mínimas”. Ela
viria ao custo de US$ 2,3 bilhões, mas, com a renda da tributação da
Copa estimada em US$ 954 milhões, seria um lucro enorme. O panorama
atual dos gastos é estimado em US$ 5,2 bilhões, um gritante aumento na
estimativa inicial. Mesmo assim, nós não temos ainda a contagem final
para os custos de hospedagem da Copa do Mundo e provavelmente nunca a
teremos. O South African Reserve Bank indicou custos muito mais elevados
para o Estado, inclusive através de empresas estatais que investiram
US$ 17 bilhões em formação de capital, a maior parte desse valor
relacionado com a Copa do Mundo, e que agora estão incorrendo em um
déficit de financiamento de US$ 8,3 bilhões como resultado. A avaliação
atual para o Brasil e para qualquer outro país que sedie o evento é um
destino semelhante de um gasto sem precedentes de fundos públicos, cujas
despesas não serão totalmente contabilizadas.
E as obras de mobilidade urbana e reforma dos estádios? Isso realmente ajudou a população depois do evento?
Diz-se que, para a Copa de 2002, a Coreia do Sul e o Japão gastaram
US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões respectivamente nos estádios, enquanto na
Alemanha os custos dos estádios foram de US$ 2,2 bilhões. A África do
Sul gastou US$ 2,5 bilhões nos estádios da Copa do Mundo (excluindo
outras infraestruturas). Será extremamente difícil para quase todos os
estádios cobrirem suas despesas operacionais, e atender aos interesses
do capital e do pagamento de juros. Isso significa que os impostos
municipais locais aumentaram e mais fundos provenientes do orçamento
nacional foram destinados aos estádios para suprir os custos excedentes,
ficando menos disponíveis para investir nos custos sociais.
Sobre as zonas de exclusão ao redor dos estádios, o que aconteceu com os ambulantes?
A Copa do Mundo é um eufemismo para o que eu tenho chamado de
“complexo de acumulação esportiva da Fifa” que impulsiona a exploração
das nações anfitriãs e dos trabalhadores. A maioria das análises não
consegue ver os interesses de classe que são atendidos pelos megaeventos
como a Copa. A Fifa leva uma classe mercantil globalizada a colocar
pressões significativas sobre produtores que, por sua vez, se engajam em
repressões salariais agressivas sobre os trabalhadores. Na África do
Sul, o mascote da FIFA, por exemplo, licenciado pelo Global Brands
Group, foi produzido por trabalhadores chineses que receberam apenas
três dólares por dia. Como os direitos de propriedade pertencerão 100% à
Fifa, apesar de o Brasil estar sediando o evento, os comerciantes
locais serão marginalizados e será ilegal para eles usar marcas que
estejam fora do rol da Copa do Mundo, então eles serão os perdedores. Na
África do Sul, por exemplo, nós fomos forçados a vender cerveja
americana, a Budweiser, mesmo contando com grandes cervejarias em nosso
país. Cerca de 100.000 comerciantes informais perderam suas fontes de
renda durante a Copa do Mundo e não puderam ir aos estádios e, a julgar
pelas semelhanças entre os nossos países, isso também deve acontecer no
Brasil.
Colaborou Ciro Barros
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