A velha corrupção
Muita gente, repetindo os lacerdinhas da Veja,
manda recados com o tradicional “não havia corrupção durante o regime
militar” e “nenhum general presidente enriqueceu no poder”. Na primeira
parte, confundem falta de divulgação com inexistência. Na segunda,
consideram que sustentar um regime de tortura e morte é menos grave. A
corrupção durante o regime militar foi uma constante. O historiador
Carlos Fico, em “Como eles agiam”, mostra que a ação contra a suposta
“crise moral” foi o mote dos militares. Sempre que a expressão
“dissolução de costumes” se espalha, tem autoritarismo no ar. Os
ditadores queriam acabar com a corrupção, que viam como um traço
cultural muito “característico do brasileiro”.
O ministro Armando Falcão, pilar da ditadura, chegou a dizer: “O
problema mais grave no Brasil não é a subversão. É a corrupção, muito
mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”. Com o AI-5, de 1968, a
ditadura dotou-se de mecanismo para confiscar bens de corruptos. A
Comissão Geral de Investigações, criada em 17 de dezembro de 1968,
propunha-se a “promover investigações sumárias para o confisco de bens
de todos quanto tenham enriquecido ilicitamente, no exercício do cargo
ou função pública”. A roubalheira correu solta durante todo o regime
militar. Carlos Fico conta que, entre 1968 e 1973, auge da ditadura, a
CGI analisou 1.153 processos de corrupção. Aprovou 41 confiscos de um
total de 58 pedidos. Entre os investigados ou condenados, “mais de 41%
dos atingidos eram políticos (prefeitos e parlamentares) e
aproximadamente 36% eram funcionários públicos. Num único ato, em 1973,
chegaram ao Sistema CGI cerca de 400 representações ou denúncias”. Seria
o caso de dizer: nunca se roubou tanto no país quanto em 1973.
Carlos Fico pergunta: “Por que, então, fracassou a iniciativa de
‘combate à corrupção’ do regime militar pós- AI-5?”. A resposta vai
enfurecer os adeptos dos lacerdinhas: “Em primeiro lugar, a
impossibilidade de manter os militares num compartimento estanque,
imunes à corrupção, notadamente quando já ocupavam tantos cargos
importantes da estrutura administrativa federal. Não terão sido pouco os
casos de processos interrompidos por causa da identificação de
envolvimento de afiliados ao regime”. Fico sabe do que fala. Foi um dos
primeiros a ter acesso a arquivos com material sigiloso do regime.
Examinou todos os processos de confisco no Arquivo Nacional. Cláudio
Guerra, no recente “Memórias de uma guerra suja”, afirma que o regime
financiou a repressão, na sua fase final, com dinheiro do jogo do bicho.
Cita empresários, como o dono da Itapemirim, que receberam vantagens
oficiais pelos bons serviços à repressão.
Uma determinação do Ministério da Justiça orientava a mídia: “É
vedada a descrição minuciosa do modo de cometimento de delitos”. Não
foi possível divulgar a descoberta de uma carga de drogas no quartel da
Barra Mansa. O ministro do Trabalho, o gaúcho Arnaldo Prieto, em 1974,
censurou as notícias sobre sua desastrada política salarial. Foram
censuradas também as “gravuras eróticas de Picasso”. O consumo de drogas
era considerado parte do “variado arsenal do movimento comunista
internacional”. Que tempos! Um paraíso artificial. Uau!
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