As bolsistas de Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) recentemente ganharam o
direito a um ano adicional quando tiverem filhos. Com a medida, o CNPq
assegura condições mínimas para que as mães bolsistas não interrompam
suas pesquisas e atende demanda das pesquisadoras e de grupos envolvidos
no aumento da participação das mulheres nas ciências.
As bolsas
concedidas pelo CNPq são um dos principais instrumentos de formação de
recursos humanos e apoio à pesquisa na carreira de pesquisadores e não
se caracterizam como vínculo empregatício, no qual inclui a licença
maternidade remunerada de 120 dias como um benefício previdenciário,
garantido na Constituição Brasileira.
No entanto, as mulheres
bolsistas PQ estavam enfrentando prejuízos quando o parto ocorria dentro
do período de concessão e tinham que diminuir ou interromper as
atividades científicas, já que nesta modalidade a bolsa é anual, sendo
concedida ou prorrogada mediante avaliação da produção científica feita
por comitês assessores. A medida que agora abrange essas pesquisadoras,
já estava implantada para as bolsistas de mestrado, doutorado e
pós-doutorado.
Para a pesquisadora Márcia Barbosa, professora
titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista de
Produtividade em Pesquisa e presidente do Comitê Assessor de Física do
CNPq, uma das barreiras que as mulheres cientistas enfrentam é conciliar
carreira e maternidade. "Este ano adicional que o CNPq concede
permitirá que as pesquisadoras recuperem o período menos produtivo em
termos de artigos e possam continuar a carreira, ou seja, dá uma solução
de continuidade. Tenho certeza que permitirá que fiquem no sistema
pesquisadoras extremamente talentosas que darão contribuições
fundamentais à ciência brasileira", ressalta Márcia Barbosa, que também
defendeu e encaminhou formalmente ao CNPq o pedido de prorrogação da
bolsa PQ.
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da
Mulher, Márcia Barbosa concedeu uma entrevista ao Portal CNPq em que
apresentou suas reflexões sobre o papel da cientista e cenário para as
mulheres pesquisadoras.
CNPq
- Como a senhora vê a medida do CNPq que prorroga a Bolsa PQ para
aquelas pesquisadoras que tiveram partos durante a vigência da bolsa? O
que a levou a formalizar a solicitação de prorrogação da bolsa ao CNPq?
Esta solicitação foi elaborada pela Comissão de Relações de Gênero da
Sociedade Brasileira de Física da qual sou membro. É um resultado de uma
série de reflexões sobre o tema. Nas diversas conferências e debates
internacionais dos quais participei como coordenadora do Working Group
in Women in Physics da International Union of Pure and Applied Physics,
observamos que uma das barreiras que mulheres cientistas enfrentam é
conciliar carreira e maternidade. Esta, portanto, é uma questão
universal.
A bolsa de Produtividade em Pesquisa tem uma
estrutura onde o crescimento do (a) pesquisador(a) se dá
preferencialmente de uma forma continuada. A interrupção provocada por
ter um ano menos produtivo não é prejudicial somente neste momento, mas
se propaga ao longo de toda a carreira.
CNPq - A
senhora concluiu sua graduação na década de 80 e aos 30 anos já tinha o
seu primeiro pós-doutorado em física. Para uma mulher, como era
ingressar na carreira científica? Havia muitas companheiras nesta época?
Na década de oitenta éramos 10% meninas ingressando no curso. Na minha
formatura era a única mulher. As barreiras naquela época como agora são
sutis. Em discussões científicas ou administrativas em grupo era
esperado que eu fizesse as atas, reports. Diversas vezes em
eventos, quando mais jovem e menos conhecida, era confundida com a
secretária do evento, a recepcionista, ou pior, a esposa de alguém.
Felizmente apesar de sermos poucas, sempre fomos muito unidas na
percepção de que havia barreiras, algumas transparentes. Estas minhas
colegas de trajetória são um modelo de paixão pela ciência e de
perseverança.
CNPq - Como foi enfrentar uma carreira eminentemente até então com predominância masculina?
A carreira científica é muito estimulante e desafiadora. Ser uma
minoria significa que haverá obstáculos que serei a primeira a enfrentar
Cabe a mim identificá-los e buscar políticas que os removam.
CNPq - Como se vê como a única integrante feminina no Comitê Assessor de Física e Astronomia e presidente do mesmo?
Coordenar um conjunto de pessoas brilhantes sempre é muito difícil.
Espero ter conseguido ser uma "harmonizadora" de idéias que, por vezes,
tem que ter uma mão de ferro com uma luva de pelica.
CNPq - Como a senhora avalia o aumento do número de mulheres que optam hoje pela carreira científica, principalmente entre as faixas mais jovens?
Fico contente ao observar que há um crescimento de mulheres no meio
científico, particularmente entre as jovens. Este aumento, no entanto,
se dá de forma mais importante nas áreas humanas, biológicas, saúde e na
química. Ainda é tímido nas outras áreas de exatas, informática e
engenharias. Na informática em particular, tem se observado uma redução
se compararmos com o início da informática no Brasil. Temos que
identificar ações no sentido de atrair meninas para as exatas,
particularmente para áreas de amplo mercado de trabalho como engenharia e
informática.
CNPq - Que iniciativas podem ser destacadas como importantes para estimular a presença de mulheres na ciência?
Visibilidade. É fundamental o Brasil conhecer seus cientistas e em
particular suas cientistas. Precisamos mostrar que o fazer ciência é
algo para qualquer indivíduo que goste de ciência, eliminando os
estereótipos que associam fazer ciência com um perfil antissocial.
Assessoria de Comunicação Social do CNPq
Foto: Arquivo Pessoal da Entrevistada