Diogo Bercito (Folha de S. Paulo, 30/10/11) informa sobre Finanças Islâmicas, que crescem na Ásia. Nelas não se pode ter “gharar“. “Riba“, também não. Diz o ditado: “al maal li i’mar al ardh“. O mercado financeiro islâmico, regido pelas leis da sharia (regras religiosas), tem o próprio jargão econômico. “Gharar” é especulação. “Riba“, juros. Ambos são proibidos para respeitar o ditado: “o dinheiro serve ao desenvolvimento do mundo”. Um outro termo desse mercado tem ganhado destaque: sukuk: as operações financeiras que remuneram investidores sem pagar juros ou envolver especulação.
A Malásia concentra dois terços desse mercado, estimado em US$ 100 bilhões, emitindo sukuks para financiar megaprojetos no país. No último dia 14, o governo da Malásia lançou o primeiro desses títulos atrelado ao yuan (moeda chinesa), em um valor equivalente a R$ 140 milhões.
A emissão de sukuk vem crescendo 15% ao ano, não apenas por diversificar investimentos, mas também por oferecer uma espécie de alternativa ética ao mercado financeiro convencional. “São pessoas reais, ativos reais, projetos reais e empregos reais – e não o vapor do ‘subprime’ e dos derivativos que não criam valor real”, diz à Folha Daud Abdulla, presidente da Universidade Global de Finanças Islâmicas.
É uma mobilização de capital eficiente para o benefício da economia real segundo seus defensores. Apesar das loas que recebe de seus partidários, o mercado financeiro islâmico ainda se restringe a um montante limitado de operações. No Brasil já se operou alguma coisa, mas não com sukuk. Há expectativa, porém, de que o país se torne polo regional da prática na América Latina.
Isso enquanto investidores tradicionais se acostumam a um aparato distinto daquele em que costumam operar. “Para obedecer aos princípios religiosos e, ainda assim, oferecer produtos atrativos, os bancos islâmicos têm de montar operações muitas vezes complexas”, afirma Ahmed Sameer el Khatib, que pesquisa Finanças Islâmicas na Faculdade de Economia e Administração da USP.
Entre as estratégias possíveis, está a criação de uma empresa, capitalizada por meio de sukuk. O investidor que comprar esses títulos se torna uma espécie de acionista. Ele é remunerado não com juros, mas “leasing” (como um aluguel), recebendo de acordo com os rendimentos da firma.
Além de ser uma movimentação complicada, não é consenso entre islâmicos que todo esse aparato evite, de fato, a cobrança de juros. “É uma indústria controversa”, diz Angela Martins, diretora do Banco Pine, que nem por isso deixa de ser entusiasta da prática. “Há a tentativa de fazer as operações de uma maneira mais justa.” Autora do livro “A Banca Islâmica” (ed. Qualitymark), Martins é uma das únicas especialistas nesse mercado no Brasil. Ela trabalhou antes no banco árabe ABC. “É um desafio porque, em sua maioria, as grandes instituições islâmicas estão ‘contagiadas’ pela cobrança de juros”, afirma a especialista.
Estudos costumam marcar o Brasil no mapa do sukuk como um futuro centro da prática na América Latina. Se faltam evidências, sobram especulações em relação a esse cenário promissor.
O especialista Daud Abdulla afirmou que o Brasil deve emitir o primeiro sukuk do país em 2012. O presidente da Universidade Global de Finanças Islâmicas disse não poder entrar em detalhes devido a “acordos de confidencialidade prévios”. Mas ele dá pistas. “Algumas companhias brasileiras planejam levantar capital por meio de sukuk para demonstrar que compreendem que ‘halal’ é todo o processo de produção, e não apenas o abate da carne.” “Halal” é o nome dado aos produtos que respeitam as leis islâmicas, semelhante ao “kosher” para os judeus.
Ao levar essas regras em consideração inclusive na hora de financiar projetos, empresas brasileiras podem receber maiores investimentos vindos de países islâmicos.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regularia esse tipo de prática no Brasil, diz que “no momento não recebeu pedido para avaliar a oferta de tais títulos”.
Em 2000, a Petrobras testou outra variedade de operação no mercado islâmico: a murabaha, modalidade de venda em que os custos de produção são declarados previamente ao comprador. A empresa confirma ter realizado a operação, detalhando apenas que ela envolveu uma “vinculação com importação de óleo”.
Para Angela Martins, especialista nesse mercado, um dos obstáculos para a expansão do sukuk no Brasil, perpassando as fronteiras da religião, é o desconhecimento a respeito desse mercado. “Você não consegue praticar um produto com essa dificuldade se as pessoas não estiverem preparadas.” Ela planeja, em parceria com a FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), a criação de uma disciplina a respeito das Finanças Islâmicas.
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