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Um
texto de uma frase no blog do Playstation no Brasil desencadeou
uma reação em cadeia nas redes sociais: como é possível que um videogame de 400
dólares nos EUA custe R$ 4 mil no Brasil? Nem mesmo a justificativa padrão dos
empresários, de que “os impostos são muito altos no Brasil”, é capaz de
justificar um preço que é quase o dobro do preço do concorrente direto.
Para começar, é conveniente fazer um cálculo
direto, considerando que o valor do console nos EUA já tem embutido em si uma
margem razoável de lucro. São 400 dólares no videogame. Normalmente, o governo
cobra uma alíquota de 60% na importação sobre o preço original, elevando o
valor do produto para US$ 400 + (60% x US$ 400) = US$ 640. Além disso, podemos
inserir, sendo muito generosos, um custo de 10% do valor total do produto, já
com impostos para serviços de logística: US$ 640 + (10% x US$ 640) = US$ 704.
Atualizando esse número com uma cotação
GENEROSA do dólar, que segue instável no Brasil, temos que o custo final de um
Playstation 4 no país deveria ser:
US$ 704 x R$ 2,40 = R$ 1689,60.
Vamos arredondar para R$ 1700,00, com custo de
transporte e com os impostos cobrados. E daí constatamos que os R$ 2.300,00
adicionais que a Sony vai cobrar no console são APENAS lucro adicional.
Mas por que isso acontece no Brasil? E por que
acontece não apenas com vídeo games, mas com eletrônicos em geral, com carros,
com casas, com taxas bancárias, com produtos de supermercado e de todas as demais
coisas que o brasileiro consome?
É
simples: embora as multinacionais tentem justificar seus preços abusivos com a falácia do Custo Brasil (sim, ele realmente atrapalha, mas não
é tão determinante assim), a questão é que no Brasil a maioria das empresas
internacionais cobra preços abusivos por seus produtos, mesmo que eles tenham
sido fabricados aqui. E essa tentativa de maximização de lucros dá certo por um
único motivo: há um público específico que compra esses produtos, mesmo que
eles custem preços abusivos.
Quem
é esse público específico? A parcela dos mais ricos, em um país com extenso
históricos de desigualdades sociais. No Brasil, a parcela de 1% dos mais ricos
tem 87 vezes a renda da parcela dos 10% mais pobres. O que, a rigor,
significa que eles consomem 87 vezes mais. Ou até mais, se considerarmos que
nosso sistema tributário, baseado mais na tributação do consumo do que na
tributação da renda, tem efeito impulsionador na desigualdade social no país.
Ainda há um agravante: no Brasil, a
diferenciação se dá através do consumo. Culturalmente a ideia de ascensão
social no Brasil não se baseia na criação de uma poupança interna ou na
qualidade de vida das famílias, mas na noção de consumo. O próprio governo
federal se aproveitou disso em seus três mandatos, promovendo um modelo de
desenvolvimento baseado no incentivo ao consumo.
As
empresas sabem disso, e fazem produtos voltados a esse público que quer
diferenciação. É o videogame de R$ 4 mil, o carro de R$ 100 mil, e é a eclosão de estabelecimentos
“gourmet”, que oferecem produtos bem mais caros apenas porque o
público que vai comprar não quer apenas o produto, e sim o status diferenciado
que o consumo daquele produto confere. Karl Marx já falava disso há 150 anos
atrás, com o nome de “fetiche da mercadoria”.
A questão é que a desigualdade social
potencializa isso no Brasil. A diferença entre ricos e pobres ainda é imensa no
país e a venda de um produto desejado por alguns que vão comprá-lo por qualquer
preço, como um videogame, por conta do fanatismo e do status social, incentiva
as empresas a cobrarem preços absurdos em nome do lucro fácil. Façamos uma
conta tosca aqui:
Suponhamos que 25% dos potenciais compradores
de um PS4 compraria ele por qualquer preço, pelos fatores já elencados. E
suponhamos que o custo para a Sony de um PS4 no Brasil seja de R$ 1500,00, já
incluindo impostos, custo de transporte e pós-venda.
Se a Sony colocar o preço do PS4 a R$ 2000,00,
por exemplo, quantos consoles ela precisaria vender para lucrar R$ 1 milhão?
A
resposta é simples: R$ 1 milhão / R$ 500 de lucro por console = 2000 consoles.
Colocando o preço do PS4 a R$ 4000,00, a Sony
precisaria vender quantos consoles para lucrar R$ 1 milhão?
Resposta:
R$ 1 milhão / R$ 2500 de lucro por console = 400 consoles.
Se
você dividir 400 por 2000, vai perceber que a Sony, quando pratica um preço
abusivo, precisa vender APENAS 20% dos videogames para ter o mesmo lucro
que teria se vendesse o console a um preço justo. E se a empresa sabe que 25%
dos potenciais consumidores são fãs, tem dinheiro e vão comprar o Playstation 4
de qualquer jeito, ela prefere praticar o preço abusivo, porque isso vai resultar
na maximização dos lucros da empresa, apesar da corrosão da sua imagem.
Ou seja: a desigualdade social e a existência
desse grupo privilegiado faz com que seja justificável, para a Sony, praticar
preços abusivos no Brasil. Assim como é justificável para a Apple, para as
montadoras ou para as incorporadoras imobiliárias. Nos EUA e na Europa, em que
a massa de consumidores médios é maior e tem mais noção do custo e da margem de
lucro embutida nos produtos, a tentativa de maximização dos lucros pelo aumento
dos preços, minimizando a massa consumidora, é um enorme tiro no pé.
No Brasil, por ainda existir uma elite
bastante representativa em relação ao universo de potenciais consumidores desse
tipo de produto, as empresas praticam preços abusivos. É lógico que outros
fatores também contribuem negativamente, como a infraestrutura de transportes
do país, predominantemente rodoviária, e a alta carga de impostos. Mas nem de
longe explicam a viabilidade de empresas como a Sony praticarem preços abusivos
no Brasil e ainda assim lucrarem. O que explica isso, além do fetiche da
mercadoria, é a desigualdade social.
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