Mariana Della Barba, da BBC Brasil em São Paulo
De um lado, um país com com leis que garantem o respeito aos
direitos humanos de sua população. De outro, um grave déficit de justiça que
permeia diversos setores da sociedade, seja entre os indígenas ou entre
moradores de favelas.
É esse o Brasil visto pela ONG Anistia Internacional, que divulgou nesta
quarta-feira seu relatório anual "O estado dos direitos humanos no mundo",
analisando a situação em 2012 do Brasil e de outros 158 países.
"O que o relatório deixa bem claro é que vivemos em um país sob um déficit de
justiça muito grande", disse à BBC Brasil Atila Roque, diretor-executivo da
Anistia Internacional Brasil.
"Temos um marco institucional e legal preparado para garantir a efetivação
dos direitos humanos. Mas, na prática, isso não se realiza."
Para Roque, o relatório aponta que o Brasil está em um momento crucial, em
que precisa fazer escolhas e decidir se quer ter os direitos humanos como
política de Estado.
"Porque nessa área, não se pode ficar em cima do muro. Temos grandes projetos
de desenvolvimento em curso e um foco em se alcançar um protagonismo global. Mas
é preciso coerência. Desenvolvimento não é desenvolvimento sem respeito aos
direitos humanos."
Brutalidade contra os índios
Entre os principais grupos que sofrem com esse cenário estão, segundo a ONG,
os indígenas.
Roque afirma que houve em 2012 um acirramento da violência contra os índios e
ela foi usada como instrumento para favorecer os interesses econômicos de
algumas partes. "O grau de brutalidade que vimos no ano passado também foi
chocante. O caso dos guaranis-kaiowás (tribo ameaçada de despejo no Mato Grosso
do Sul) é apenas um dos exemplos", disse.
O relatório da Anistia também aponta que houve o risco de retrocesso
institucional em relação aos indígenas, já que duas propostas (a portaria 303 e
a proposta de emenda constitucional 215), mesmo não sendo aprovadas, acabaram
fragilizando o processo que vem garantindo a demarcação de suas terras.
Outro ponto crítico levantado pela Anistia são as ações violentas por parte
da polícia.
"É claro que há elementos de melhora nesse cenário, há tentativas de
implementar medidas positivas, como as UPPs no Rio", afirma o diretor da
ONG.
"Mas em termos gerais, o Brasil tem um sistema de segurança pública muito
desigual, que gera dor e horror. Dor pela impunidade em casos em que, por
exemplo, a políca mata jovens negros na periferia e altera a cena do crime. E
horror na existência de tortura em muitas prisões do país."
Além dos índios e da população que vive em favelas e bairros da periferia, o
documento também do déficit de justica no caso das pessoas que lutam pelos
direitos de comunidades ameaçadas, especialmente no campo.
Entre os pontos positivos citados pelo relatório estão os processos no Brasil
e em países vizinhos que trazem avanços no sentido de se fazer justiça por
violações passadas. No caso brasileiro, foi citada a criação da Comissão
Nacional da Verdade, que pretende esclarecer as violações de direitos humanos
ocorridas entre 1946 e 1988.
"A Comissão é um passo importantíssimo, porque o Brasil desenvolveu
resistência muito grande a falar desse assunto – é uma conquista muito recente
que possibilita essa discussão em âmbitos estaduais e também na imprensa. Além
disso, ela permite que a sociedade se olhe no espelho, analise seu papel, seja
de cúmplice, vítima ou espectador, e que, claro, o Estado assuma os crimes que
cometeu", diz Roque.
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