Há quase duas décadas,
fabricantes dos telefones sabem que extração das matérias-primas, no
Congo, envolve crimes brutais. Quase nada fizeram
Por George Monbiot, no The Guardian | Tradução: Cauê Ameni
Quem se conecta demais,
para de pensar. Os apelos, o imediato, a tendencia de absorver
rapidamente o pensamento de outras pessoas, interrompem a abstração
profunda, necessária para encontrar seu próprio pensamento. Essa é uma
das razões pelas quais ainda não comprei meu smarthphone. Mas é
cada vez mais difícil resistir aos avanços tecnológicos. Talvez eu acabe
sucumbindo este ano. Por isso, lancei a mim mesmo uma questão simples:
posso comprar um smartphone produzido eticamente?
Há dezenas de questões
envolvidas na pergunta, como salários de fome, bullying, 60 horas de
trabalho semanais nas fabricas, a servidão por dividas a que alguns
trabalhadores são submetidos, energia utilizada e resíduos perigosos
produzidos. Mas vou focar em apenas um: os componentes usados para
fabricar os celulares estariam manchados de sangue de pessoas da região
leste da Republica Democrática do Congo? Há 17 anos, grupos rivais e
milícias armadas têm lutado pelo domínio dos minerais da região. Entre
eles estão os metais críticos para a fabricação de certos aparelhos
eletrônicos. Sem tântalo, tungstênio, estanho e ouro, não existiriam
smartphones.
Embora estes elementos
não sejam a única razão para o conflito, eles ajudam a financiá-lo,
sustentando uma guerra que se desdobra em diversos conflitos e que já
matou milhões de pessoas – vítimas de mortes diretas, deslocamento
populacional, doenças e desnutrição. Milícias rivais forçam a população
local a minerar em condições extremamente perigosas, extorquindo
minérios e dinheiro de mineradores autônomos. Torturam, mutilam e
assassinam quem resiste, espalhando terror e violência – inclusive
estupros e sequestro de crianças. Eu não gostaria de participar disso
tudo.
Nenhuma dos grupos de
ativistas que denunciam o problema querem que as empresas ocidentais
parem de comprar os minerais do leste do Congo. A Global Witness e a FairPhone,
por exemplo, lembram que a mineração é meio de vida de muitas famílias,
num pais onde se tem 82% da população desempregada. Porém, elas também
frisam que que a atividade pode ser desassociada da violência: se, e
apenas se, as companhias ocidentais assegurarem que não estão comprando
minerais das milicias. Pensando no potencial dano a reputação, seria de
esperar que as empresas levassem a sério o problema. Mas, exceto em
alguns casos, este raciocínio está errado!
Entre os fabricantes, a
Nokia parece ter ido mais longe, e seus esforços são bastante
impressionante. Desde 2001 – muito antes da maioria das empresas
começarem a se preocupar – ela tentou remover, de sua cadeia de
fornecedores, o tântalo extraído ilegalmente. Agora, instrui seus
fornecedores a mapear a origem dos metais minerados no Congo, antes que
cheguem às fábricas. Entretanto, o problema esta longe de ser resolvido:
eles me disseram que “não há nenhum sistema confiável na insdustria
eletrônica que permita, à companhia determinar as fontes do seu
material”. Há seis iniciativas por parte de governos, grupos voluntários
e empresas esforçando-se para produzir telefones sem sangue e a Nokia
esta envolvida em todos eles.
A resposta da Apple foi
menos detalhada e persuasiva. Para dar uma ideia de quão complexo se
tornou o problema, ela descobriu que seus metais são fornecidos por 211
fundições, generosamente distribuídas ao redor do planeta. Qualquer um
deles poderia estar usando minerais apreendidos por milicias no Congo.
Mas o fato a Apple ter mapeado sua própria cadeia de abastecimento é um
bom sinal.
Dois anos atrás, a
Motorola lançou um programa — aparentemente confiável — cuja finalidade é
comprar tântalo de regiões sem conflito no Congo. Este tipo de projeto,
que começa pela longa cadeia de fornecedores, garante uma renda para a
população local, assegurando que as milicas armadas não tenham tanto
lucro com a venda de seu celular. É difícil entender por que nem todos
os fabricantes possam participar.
As outras empresas,
escondem-se atrás da suas associações comerciais, e fazem de tudo para
minar esse tipo de esforço. Há dois meses, entrou em vigor uma nova
decisão da lei norte-americana Dodd Frank, que obriga as empresas a
descobrir se os minerais comprados no Congo financiam grupos armados.
Ela deveria ter sido aprovada antes, mas o lobby corporativo atrasou em
16 meses sua votação. Graças a um grande esforço, as empreas, que
passaram 17 anos ignorando o tema, poderão continuar a fugir de suas
responsabilidades por mais dois – desde que afirmem não saber a origem
do material que compram.
Mesmo este período de “adaptação” não foi suficiente para elas. Três grupos de lobby — a Câmara Nacional da Indústria [National Association of Manufacturers], Câmara Norte-americana de Comércio [US Chamber of Commerce] e a Mesa Redonda dos Negócios [Business Roundtable]
estão pressionando judicialmente o governo norte-americano a deixar a
nova lei de lado. A Global Witness tem apelado para que certas empresas –
entre as quais, Caterpillar, Dell, Honeywell, Motorola, Siemens,
Toyota, Whirlpool e Xerox – afastem-se de tal lobby – porém, sem
sucesso…
Suspeita-se que algumas
empresas estejam “usando do anonimato oferecido pelas associações para
tentar corroer a lei”, enquanto fazem declarações públicas sobre sua
suposta gestão ética. Não tive tempo de me aprofundar nessa questão:
talvez passamos destrinchá-la colaborativamente. Vamos contatar as os
fabricantes de telefone para saber se pertencem a esses grupos de lobby;
e questionar se vão denunciar publicamente a ação judicial e suspender a
participação no lobby, até que a iniciativa seja descartada. Isso seria
um bom teste para saber até onde eles realmente chegam.
Ainda não tomei minha
decisão. Existe todas as outras questões a investigar, incluindo a vida
extremamente curta desse telefones (uma pesquisa que fiz no twitter
sugere que a maioria das pessoas substitui seus aparelhos depois de um a
quatro anos). Talvez eu espere até a FairPhones fabricar um aparelho.
Ou talvez eu não me importe em ter um smartphone. Poderia me contentar
com menos imediatismo, menos acessibilidade e um pouco mais espaço para
pensar.
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