Abertos
para a consulta pública desde 1º de abril, os arquivos do Dops
(Departamento de Ordem Política e Social) começam a trazer à tona as
primeiras revelações inconvenientes que relacionam personalidades
públicas e políticas à ditadura. A primeira vítima dos documentos
militares é o atual presidente da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol) e do COL (Comitê Organizador Local), José Maria Marin, conforme
levantamento dos repórteres Aiuri Rebello e Rodrigo Mattos, do portal UOL.
Segundo a reportagem, os documentos analisados comprovam que Marin
teve ligação com a ala mais radical do governo militar, além de possuir
conexões com órgãos de vigilância e de repressão e de ter feito elogios
ao regime. A fonte das informações são os arquivos do Dops, do SNI
(Sistema Nacional de Informação) – ambos órgãos que reuniam as
investigações do regime – e da Assembleia Legislativa.
Carreira política
A reportagem lembra que Marin estreou no mundo político com 31 anos,
sob o cargo de vereador da cidade de São Paulo, em 1964, pouco antes do
golpe militar. Meses depois, o cartola abandonou o partido ao qual era
filiado, o PRP (Partido de Representação Popular), para unir-se em 1966 à
Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido da ditadura.
Este foi o início de sua ascensão sob a tutela e apoio da ala radical
da ditadura. Do lado do regime, Marin foi alçado à presidência da
Câmara de Vereadores graças a manobras nos bastidores do Ministério da
Justiça, cujo titular era Gama e Silva, e de militares, segundo os
documentos do SNI. Gama e Silva foi o jurista responsável por redigir o
AI-5 (Ato Institucional-nº 5), medida que cassou direitos políticos e
instituiu o período mais negro da ditadura no fim de 1968.
Sempre segundo o UOL, a análise dos documentos do SNI
descreve os caminhos de Marin na Câmara e o que seus companheiros
parlamentares pensavam da atuação do atual dirigente esportivo: “[Marin]
É considerado fraco por seus pares. Consta que sua candidatura tem
apoio de círculos militares e de elementos ligados ao ministro da
Justiça.” E, depois, o organismo analisou seu trabalho à frente da
Câmara: “todos os atos de Marin (…) são “sugeridos” pelo esquema que o
elegeu presidente da Casa”.
Aliado fiel
Os documentos, tanto no SNI quando no Dops, também mostram que não
houve registro de atitude “subversiva” da parte de Marin. O
comportamento regrado do político era visto como fidelidade ao regime e,
com isso, não demorou para Marin ascender na política durante a
ditadura.
Outro movimento político chave para Marin, segundo apurou o UOL,
foi a troca de correntes entre os governistas. De acordo com os
registros, o presidente da CBF traiu Luis Roberto Alves da Costa, que o
levara à presidência da Câmara dos Vereadores, para se aliar ao prefeito
biônico Paulo Maluf. Irritado com a traição, Alves da Costa tentou
trabalhar contra Marin, sugerindo até a cassação de seu mandato, o que
nunca ocorreu.
Os arquivos também mostram que Marin seguiu próximo ao regime nos
anos seguintes, tendo participado da posse do general Emilio Garrastazu
Médici, que depois virou presidente, no comando do III Exército.
Morte de Herzog
Já em 1975, o político fez dois discursos pedindo providências sobre a
TV Cultura. Ele dizia que algumas reportagens não retratavam
corretamente o governo e causavam “intranquilidade” nos lares paulistas.
Pouco depois, o jornalista da emissora Vladimir Herzog foi preso e
assassinado pelo DOI-Codi, organismo de repressão.
Um ano depois, na Assembleia, Marin elogiou o delegado Sergio
Paranhos Fleury, um dos líderes do instrumento de repressão do Dops,
onde Herzog morreu. “Não só honra à polícia de São Paulo, como também há
muito é motivo de orgulho inclusive à população de São Paulo”,
discursou.
Para Marin, os benefícios do golpe eram “indiscutíveis”, não podendo restar dúvida sobre isso.
Com esse discurso, ele se tornou vice-governador pela Arena, em 1978, na chapa encabeçada por seu antigo aliado Paulo Maluf.
Os indícios de sua ligação com aspectos mais truculentos do regime
não cessaram como mostra um relatório do CISA (Inteligência da
Aeronáutica), de 1980, sobre assalto ao jurista Dalmo Dallari Gama.
Reconhecido defensor da democracia, Dallari foi espancado e acusou um
grupo paramilitar de direita como responsável pela ação. Segundo ele, o
então vice-governado tinha ligações com a agressão. O político negou e
prometeu que o Dops, o órgão acusado de repressão na década de 1970,
iria apurar o caso.
Já como governador, após a renúncia de Maluf, Marin passou a ser
protegidos por policiais do Dops. O departamento de polícia registrou
cada viagem ou participação do político em eventos públicos, como
revelam os boletins do órgão. O objetivo era identificar se havia
protestos contra o governador e contra o regime.
Questionado pelo UOL Esporte sobre os fatos relatados nos arquivos da ditadura, Marin se negou a falar sobre o assunto. Em texto à Folha de S. Paulo,
publicado na quarta-feira 10, afirmou que era do partido do governo,
mas que era “sabido por todos (…) que os deputados não tinham o menor
poder sobre os órgãos do Estado”. E completou: ”Ninguém deve negar a
própria biografia. E a minha vida pública sempre foi (…) pautada pelos
princípios republicanos que até hoje me guiam”, disse, afirmando ter
aprendido que “liberdade e justiça” devem andar juntas.
O atual presidente da CBF ainda ressaltou que, como governador, extinguiu o Dops de São Paulo.
De: CC
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