No último domingo, esta Folha publicou reportagem a respeito do
número de mortos resultantes de ações da luta armada contra a ditadura
militar ("Para militares, Estado combatia o terrorismo", "Poder", 27/5).
A reportagem em questão tem sua importância por trazer mais informações
que permitem aos leitores tirar suas conclusões a respeito daquele
momento sombrio da história brasileira. No entanto ela peca por aquilo
que não diz.
Baseando-se nos números de um site de militares defensores da ditadura, o
texto lembra como membros da luta armada mataram, além de militares,
"bancários, motoristas de táxis, donas de casa e empresários". Não é
difícil perceber o esforço do jornalista em induzir a indignação a
respeito de tais ações contra "vítimas particularmente vulneráveis",
como sentinelas "parados à frente dos quartéis".
Em uma reportagem como essa, seria importante lembrar que os membros da
luta armada que se envolveram em tais mortes foram julgados, condenados e
punidos. Eles nunca foram objeto de anistia.
A Lei da Anistia não cobria tais crimes. Por isso eles ficaram na cadeia
depois de 1979, sendo posteriormente agraciados com redução de pena.
Sem essa informação, dá-se a impressão de que o destino desses
indivíduos foi o mesmo do dos torturadores.
Segundo, seria bom lembrar que "terrorismo" significa "atos
indiscriminados de violência contra populações civis". Nesse sentido, as
ações descritas da luta armada não podem ser compreendidas como
"terrorismo", já que a própria reportagem reconhece que as vítimas civis
não eram os alvos.
Mesmo a ação no aeroporto de Guararapes não era terrorismo, mas um
"tiranicídio", que, infelizmente, errou de alvo. Vale aqui lembrar que,
no interior da tradição liberal (sim, da tradição liberal), um
"tiranicídio" é algo completamente legítimo, a não ser que queimemos o
"Segundo Tratado sobre o Governo", do "terrorista" John Locke.
Quando a Comissão da Verdade foi instalada, era de esperar lermos
reportagens sobre as empresas que financiaram aparatos de tortura e
crimes contra a humanidade, os centros de assassinatos ligados às Forças
Armadas, entrevistas com os jovens que organizam atualmente atos de
repúdio contra torturadores, crianças que foram sequestradas de pais
guerrilheiros assassinados.
No entanto há uma certa propensão para darmos voz a torturadores que se
autovangloriam como "defensores da pátria contra a ameaça comunista" e
"fatos" que comprovam a teoria dos dois demônios, onde os crimes da
ditadura se anulam quando comparados aos crimes da luta armada.
Em: FSP
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