segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Museu da Loucura, em Barbacena

O Museu da Loucura de Barbacena mostra um pouco da história do antigo hospital psiquiátrico, local terrível que ficou famoso pela crueldade a que os doentes eram submetidos. Eis aqui um olhar sobre a loucura e sobre nós mesmos.


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Tal qual a lepra, a esquizofrenia foi combustível para exercício do preconceito e da falta de inteligência que podem assolar mentes humanas, talvez sejam predispostas à maldade ou que sejam apenas engrenagem de um sistema préconcebido para não funcionar, para ser torto e vil. Assim como acontecia nos campos de leprosos de antigamente os equizofrênicos, ou loucos, foram - e são - retirados do convívio social, familiar e mundano. A sociedade, suas famílias (!) os colocaram à parte, ainda colocam, e como se não fosse suficiente esta exclusão, há este terrível caso onde humanos flagelam humanos em troca de uma fútil tranquilidade. Falo do caso do lendário e deprimente Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, Brasil. Um local terrível, de uma época em que não se falava em humanização da psiquiatria no país.

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Em visita recente à cidade fui ao antigo hospital para visitar o Museu da Loucura, aproveitando para capturar as fotografias que ilustram este artigo. O Museu, inaugurado em 1996, retrata e expõe claramente e com coragem, a história deste que foi primeiro hospital psiquiátrico do estado, criado em 1903 como Assistência aos Alienados do Estado de Minas Gerais. Lá funcionava antes um Sanatório particular para tratamento de tuberculose que havia falido e estava desativado. O "hospício", segundo diversos registros históricos, situa-e em terras da antiga Fazenda da Caveira cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis, conhecido na história mineira como o delator da Inconfidência.

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De interessante construção arquitetônica o espaço do museu deixa os visitantes, de certa forma, com um sentimento de melancolia e apreensão, mas sem falsos dramas ou sensacionalismo. A imersão no conteúdo das salas permite uma profunda reflexão sobre o mundo, sobre humanos e, principalmente, sobre nós mesmos e nossa relação com o diverso, com o difícil... A primeira sala mostra o relato da criação do hospital, sua história e personagens principais da época com muitas fotos e destaque para um exemplar genuíno do primeiro telefone da cidade de Barbacena que era instalado no hospital. É recomendado paciência e atenção nesta sala para que se possa "entrar no clima" do lugar. Destaque negativo da sala para um ofício da Secretaria da Saúde destinado ao diretor do hospital psiquiátrico orientando para que fossem retiradas as camas dos quartos dos doentes e estes passassem a dormir no chão para que coubessem mais deles num mesmo quarto. Uma desumana solução para a superlotação que mostra o descaso de autoridades para com aquelas pessoas.

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Ofício da Secretaria de saúde orientando a retirada das camas.

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 Doente em local sem camas.

A sala número dois é talvez a mais interessante e impactante pois retrata as maneiras que os doentes eram tratados e as crueldades a que eram submetidos, tudo ilustrado com fotos e objetos que chegam a dar arrepios, como os aparelhos de eletrochoque, prática introduzida na psiquiatria em 1938 e que produz, segundo especialistas, resultados eficazes se utilizada com moderação e não nas cavalares doses que se faziam comuns no hospital de Barbacena. Ainda nesta sala vemos outros exemplos de materiais que compunham o dia a dia dos doentes, tais como grades das celas onde ficavam, aparatos de uso famacêutico dentre outros de cunho médico e mesmo de tortura sob pretexto de contenção. Após uma olhada nas pesadas algemas expostas em uma vitrine foi triste constatar, neste momento, o quão sem valor eram aquelas vidas para quem devia cuidar delas e a sala seguinte revela muito disso ao mencionar como as famílias dos "loucos" os levavam já com intenção de interná-los para sempre e de nunca mais visitá-los.

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Celas onde os doentes ficavam.

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  Aparelho eletroconvulsor.

Em seguida a visita torna-se um tanto mórbida ao pararmos para ler alguns textos muito interessantes que contam como os funcionários do hospital chegavam a cozinhar corpos de doentes mortos em tambores de gasolina para que sua carne derretesse e os ossos pudessem ser vendidos às faculdades de medicina da cidade e região. Nesta mesma sala, já a quarta, vê-se fotos dos pátios, quartos e de outras dependências do lugar como eram antigamente, fotos muitas vezes capturadas durante visitas de famosos psiquiatras de todo o mundo.

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  Algemas usadas para contenção dos pacientes.

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  Cotidiano dos internados.

Outra impressionante exposição do museu é a representação de uma sala de cirurgia na qual vemos alguns instrumentos que eram utilizados antigamente e ainda um exemplar de crânio de um ex-paciente e algumas radiografias. As práticas cirúrgicas adotadas no hospital eram, em sua maioria, degradantes, cruéis e sem qualquer noção de cuidado humanitário ou solidário com os internados. Frágeis e sempre confusos eles ficavam sempre e completamente à mercê de inescrupulosos médicos e gerentes do hospital que objetivavam tudo, menos seu tratamento adequado.

P1030861.jpg  Representação de uma sala cirúrgica.

Termina-se a visita com uma exposição de divulgação da grife “Pirô Criô”, composta por trabalhos manuais e de artesanato feito pelos usuários do hospital. E este é momento propício par que sejam feitos exames de consciência, momento para procurarmos nosso lugar nesta sociedade onde os valores são demasiadamente turvos, onde pessoas não são mais que nada. A psiquiatria passou por algumas evoluções significativas e os esquizofrênicos aos poucos, e em poucos lugares, têm deixado de ser tratados como casos perdidos para serem encarados de frente como seres humanos portadores, sim, desta doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza principalmente pela perda do contato com a realidade; não pela perda das características de seres humanos. Que realidade é esta que nos orgulhamos de ostentar? Que vergonha é esta que temos de ter ao nosso lado irmãos humanos que merecem talvez muito mais que nós a atenção que lhes é negada?

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  Pátio no antigo manicômio.

Houve significativas melhorias na psiquiatria brasileira, com movimentos de luta pela humanização do tratamento e dos hospitais, abolição dos manicômios e, principalmente, pela revolução dos métodos utilizados e do modo de ver o portador de esquizofrênia e outras doenças mentais. Como relata este trecho de um artigo da Wikipédia: "As políticas para a saúde mental foram objeto de vivo interesse de atores sociais que a influenciaram através de atuações externas à gestão sanitária nas últimas três décadas, determinando, em grande medida, sua trajetória. Amarante define reforma psiquiátrica como um processo histórico de formulação crítica e prática, que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria (1995). No caso brasileiro esse processo é tributário dos debates teóricos e das experiências que constituem o ideário da "nova psiquiatria" (Venancio, 1990). No Brasil, o processo se iniciou no final da década de 1970, no contexto político de luta pela democratização. O principal marco de sua fundação é a chamada "crise da Dinsam" (Divisão Nacional de Saúde Mental), que eclode em 1978. Os profissionais da área denunciavam as péssimas condições da maioria dos hospitais psiquiátricos do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro e vários foram demitidos. No mesmo ano, no V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, uma caravana de profissionais da saúde demitidos no processo de lutas da Dinsam divulgou o Manifesto de Camboriú e marcou o I Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em São Paulo, em 1979. Neste processo surge o principal protagonista da reforma psiquiátrica brasileira, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM)."

Após isso ganhou-se em certa qualidade no tratamento, hospitais manicômio como o de Barbacena foram fechados, pessoas presas por maus tratos e crueldade, bem como assassinatos. Mas ainda resta o preconceito, numa das piores formas em que se manifesta, uma forma por vezes disfarçada, mascarada de piedade e que na verdade é a pior patologia a que está exposto o portador de esquizofrênia. O abando familiar e social resistem ao tempo e a sensação de que a "loucura" é uma condenação que nasce com o doente e traça sua sina para sempre permanece ainda nos dias de hoje; houve reforma da psiquiatria mas não uma reforma da sociedade.

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Artigo da autoria de Sandro Marcos.
Viciado em atenção e notívago inveterado, simplesmente não vive sem a multiplicidade de culturas e conteúdos! Multiplicidade esta que expressa através de incursões pelos mundos da música, poesia, literatura e do amor verdadeiro. Email para este blog: encruzilhada.obvious@yahoo.com.br.
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