De: Diário do Centro do Mundo
Um novo livro sobre a família Ovitz, que sobreviveu inteira ao nazismo graças a um dos homens mais perversos da história: Mengele.
Um novo livro sobre a família Ovitz, que sobreviveu inteira ao nazismo graças a um dos homens mais perversos da história: Mengele.
Os historiadores do Holocausto costumam ser cuidadosos com os
testemunhos de sobreviventes, que podem se equivocar quanto ao
desenrolar dos fatos no tempo, esquecer acontecimentos importantes ou
incorporar situações alheias. A vergonha, o medo, o terror e o trauma
passam a fazer parte da memória.
De todas as histórias absurdas desse período, poucas são mais
incríveis que a dos sete anões de Auschwitz: uma família romena, de nome
Ovitz, que conseguiu passar pelo célebre campo de concentração por
causa de sua deficiência. Eles são o tema de um novo livro: Giants: The Seven Dwarfs Of Auschwitz,
de Yehuda Koren e Eilat Negev. Eram do vilarejo de Rozavlea, na
Transilvânia. O pai, anão, teve dez filhos, sete deles verticalmente
prejudicados. A mãe, preocupada com o futuro deles, vendo que tinham
talento artístico, fez com que montassem um grupo, a Trupe Lilipute. Nos
anos 30, fizeram sucesso na Europa Central, cantando, dançando e
estrelando esquetes. A mais nova, Perla, tocava um violão de quatro
cordas. O mais velho, Avram, era roteirista e diretor. Ainda havia
Rozika, Franziska, Frieda, Micki e Elizabeth. Os maridos e mulheres
deles entravam imediatamente no time para ajudar no que fosse
necessário. Moravam todos juntos, numa comunidade.
Quando Hitler tomou o poder, eles estavam duplamente condenados:
primeiro, por ser anões (os nazistas tinham um programa de eutanásia
para deficientes físicos e mentais, de modo a preservar o arianismo);
depois, por ser judeus.
Em maio de 1944, os Ovitz foram mandados para Auschwitz – os sete
anões e os cinco normais. Ao vê-los, os soldados imediatamente
identificaram uma oportunidade de agradar o médico que estava
colecionando o que chamava de aberrações – gêmeos, corcundas, gigantes,
hermafroditas, obesos etc. Não pensaram duas vezes. Apesar de ser noite,
sabiam que ele gostaria de ver aquelas pessoas.
Josef Mengele, o médico, adotou-os para seu circo de horrores. “Eu fui salva pela graça do demônio”, disse Perla Ovitz.
Os soldados da SS eram brutais com os prisioneiros, mas não com os
Ovitz. Como não havia outra família de anões, Mengele era um pouco mais
cuidadoso com a trupe. Os Ovitz dispunham de rações mais fartas, podiam
usar as próprias roupas, não raspavam o cabelo. Alguns dos prisioneiros
que os viram no campo achavam que estavam tendo alucinações.
Viraram uma atração dos encontros noturnos dos chefes de Auschwitz (os kapos).
Um cantora lembra que o programa dessas saturnálias incluía foxtrote,
casais do mesmo sexo dançando, homens e mulheres bêbados rindo, contando
piadas sujas. Os anões eram parte do cenário, acompanhando a orquestra
batendo as mãos e os pés.
Os Ovitz viraram uma lenda. Livros de sobreviventes diziam que eles
foram executados todos juntos ao lado de uma vala; que o bebê do grupo
teve sua cabeça esmagada na parede por um oficial (um expediente comum);
que fugiram.
Na verdade, a família escapou com vida. Em 1949, foram para Israel.
Lá fizeram seu último show, em 1955. Perla morreu aos 98 anos. Tudo
graças à sorte, ao imponderável, às suas características físicas – e,
principalmente, à curiosidade doentia de um dos homens mais perversos da
história.
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