por raquelrolnik
Alguns de vocês podem lembrar que comentamos aqui no blog no ano passado
o “negócio” do governo de Honduras com uma empresa norte-americana para
a construção de “cidades modelo” no país. O acordo – consolidado
através de um projeto de lei aprovado no Congresso – permitiria a cessão
de um pedação do território hondurenho pra a empresa construir, vender e
gerir a cidade, definindo para isto inclusive uma legislação própria,
distinta do conjunto do país. Depois de intensa polêmica e mobilização
por parte de entidades e organizações contrarias ao projeto, em outubro
do ano passado, a Suprema Corte hondurenha considerou o projeto inconstitucional por violar os princípios de soberania e integridade territorial.
Mas esse não foi o fim da história. Em dezembro, o Congresso Nacional hondurenho aprovou a destituição de quatro juízes da Suprema Corte
e, no mesmo dia, o presidente do Congresso juramentou os quatro novos
juízes que os substituiriam. A Relatora Especial da ONU para a
independência do judiciário, Gabriela Knaul, questionou, em um press release,
o motivo para a destituição desses juízes, argumentando que esse é um
procedimento usado em casos de má conduta ou incompetência, e não
deveria ser usado como represália contra juízes independentes.
Segundo notícias da imprensa hondurenha,
essa destituição está diretamente relacionada à questão das cidades
modelo. Os juízes destituídos foram exatamente aqueles que votaram
contra as cidades privadas. Na semana passada, o Congresso apresentou e aprovou um novo projeto para construção dessas cidades, que inclui diversas modificações na Constituição nacional. De acordo com o advogado Óscar Cruz,
responsável por conseguir a inconstitucionalidade da lei anterior, o
projeto aprovado não é o mesmo, é pior: viola a organização territorial
do Estado, a forma do governo, o marco jurisdicional do país e os
direitos fundamentais dos habitantes. Além disso, não foram
estabelecidos limites nem territoriais nem jurídicos para a aplicação
das zonas das cidades modelo.
A aprovação do projeto no Parlamento gerou diversos protestos,
e provavelmente será submetida à Suprema Corte mais uma vez. Contudo,
com sua nova composição, as cidades modelo podem ser ratificadas e,
finalmente, implementadas. O perigo das cidades privatizadas que ronda
Honduras nada mais é do que a exacerbação de um modelo que se insinua em
várias cidades do mundo, inclusive do Brasil; no qual a dimensão
essencial do caráter público e universal da cidade e do papel do Estado
em garanti-lo e promovê-lo é abandonado em nome de uma lógica pautada
unicamente pela rentabilidade do negócio. Honduras pode ser a ponta de
lança para que esse modelo atinja outros lugares do globo.
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