sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

HIGIENISMO E DESINFORMAÇÃO - Marcos Rolim



Minhas diferenças sobre política de drogas com o deputado Osmar Terra são conhecidas.
Há alguns meses, travamos debate exaustivo a respeito (textos em: http://migre.me/cW8xc). Partimos de pressupostos diversos para a construção de uma política pública eficaz. Na discussão de outros temas, já estivemos do mesmo lado. Entendo que o Projeto de Lei do deputado Terra (PL 7663/10- http://goo.gl/BGWWN), a par das suas intenções, não deve prosperar. Uma parte dos motivos, resumo aqui.
Inicialmente, é impressionante observar que o PL 7663/10 esteja sendo apresentado como iniciativa para assegurar internação compulsória. Primeiro, porque a medida já existe (art. 6º, parágrafo único, III, da Lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica) e o PL não altera o que já é lei; segundo, porque o PL trata de outras coisas. Para descobri-lo, é preciso medida excepcional e difícil: ler o projeto. Excepcional, porque ler é uma prática rarefeita no Brasil. Difícil, porque o PL é um cipoal burocrático de normas, parte delas grosseiramente inconstitucional (por violar o princípio federativo, por exemplo), entre as quais se inseriu disposição que, se aceita, poderá redundar em mais de 56 mil funções remuneradas nos Conselhos de Política de Drogas (art. 8-E, § 1º e seus incisos e § 2º, II). Há recomendações intrigantes como “valorizar as parcerias com instituições religiosas, associações e ONGs, na abordagem das questões da sexualidade e uso das drogas” (art. 5-C,VI), afinal, o que as religiões têm de importante a dizer sobre sexualidade e drogas é algo que aguça a curiosidade moderna. No caso brasileiro, especialmente, as denúncias conhecidas sobre abusos praticados em comunidades terapêuticas de orientação religiosa não podem mais ser ignoradas. Mas interessante mesmo é o disposto no § 2º do art. 10º do PL, in verbis: “Na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado (...), o Poder Judiciário poderá determinar que o tratamento seja realizado na rede privada, incluindo internação, às expensas do poder público”. Uma regra que expõe o curso natural da cruzada moralista: despejar milhares de dependentes em clínicas privadas e mandar a conta para todos nós que não comemos bolinha de cinamomo. Não estamos falando do conjunto de usuários de drogas, claro. Os que caçados nas ruas, como já ocorre no Rio e em S. Paulo, serão os dependentes do crack. Nestes estados, eles são “avaliados” por médicos – a maioria recrutada por Simão Bacamarte – que decidem sobre a privação da liberdade, sem acusação e sem defesa. Para “tratamento”, é o que dizem. O fato é que não há evidência a amparar política pública centrada em internação involuntária. Tal medida é, quase sempre, um fracasso recheado por fracassos mais graves, além de porta para abusos de toda a ordem.
O higienismo social, pródigo em dividendos eleitorais, inventa uma “epidemia” para justificar a exceção, enquanto a epidemia verdadeira, a do álcool, responsável pela grande maioria das internações e das mortes pelo uso de drogas, não gera alarme; só lucro e hipocrisia. No mais, se assegura clientela às clínicas psiquiátricas, ao invés de se investir nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) e em redução de danos. E tudo sob o aplauso geral e sem uma pergunta procedente. Não é perfeito?

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