As fábricas de ladrões, traficantes, assassinos, estupradores e
falsários jogam mais profissionais no mercado do que sonha nossa vã
pretensão de aprisiona-los.
Lugar de bandido é na cadeia, diz o povo. Todos os que trabalham em
cadeias concordam que não tem cabimento deixar solto alguém que mata,
assalta ou estupra, mas fazem um reparo ao dito popular: lugar de bandido é na cadeia, mas é preciso haver vaga.
Para dar ideia das dimensões do problema que enfrentamos neste momento, basta analisar os números do censo de 2012, realizado nas 150 penitenciárias e nas 171 cadeias públicas e delegacias de polícia espalhadas pelo Estado de São Paulo.
Apenas para reduzir a superlotação atual e retirar os presos detidos
em delegacias e cadeias impróprias para funcionar como presídios
necessitaria construir imediatamente mais 93 penitenciárias.
Para Lourival Gomes, o atual secretário da Administração
Penitenciária cuja carreira acompanho desde os tempos do Carandiru,
profissional a quem não faltam credenciais técnicas e a experiência que
os anos trazem, o problema da falta de vagas não será resolvido com a construção de prisões.
Tem toda a razão, é guerra perdida. Só para dar um exemplo: no
mês de janeiro de 2012, o sistema prisional paulista recebeu a média
diária de 121 novos detentos, enquanto foram libertados apenas 100. Ficaram encarcerados 21 a mais todos os dias.
Como os presídios novos têm capacidade para albergar 768 detentos, seria necessário construir mais um a cada 36 dias, ou seja, dez por ano.
Esse cálculo não leva em conta o aprimoramento técnico da polícia.
Segundo o mesmo levantamento, a taxa de encarceramento que há oito
meses era de 413 pessoas para cada 100 mil habitantes, aumentou para
444. Se a PM e a Polícia Civil conseguissem prender marginais com a
eficiência dos policiais americanos (743 para cada 100 mil habitantes),
seria preciso construir uma penitenciária a cada 21 dias.
Agora, analisemos as despesas. A construção de uma cadeia consome R$ 37 milhões, o que dá perto de R$ 48 mil por vaga.
Para criar uma única vaga gastamos mais da metade do valor de uma casa
popular com sala, cozinha, banheiro e dois quartos, por meio da qual é
possível retirar uma família da favela.
Esse custo, no entanto, é irrisório quando comparado aos de manutenção.
Quantos funcionários públicos há que contratar para cumprir os três
turnos diários? Quanto sai por mês fornecer três refeições por dia? E as
contas de luz, água, material de limpeza, transporte, assistência
médica, jurídica e os gastos envolvidos na administração?
Não sejamos ridículos, caro leitor. Se nossa polícia fosse bem paga,
treinada e aparelhada de modo a mandar para atrás das grades todos os
bandidos que nos infernizam nas ruas, estaríamos em maus lençóis. Os recursos para mantê-los viriam do aumento dos impostos? Dos cortes nos orçamentos da educação e da saúde?
Então, o que fazer?
Por mais difícil que pareça, será preciso agir em três frentes.
A primeira é tornar a Justiça mais ágil de modo a
aplicar penas alternativas, facilitar a progressão para o regime
semiaberto no caso dos que não oferecem perigo à sociedade, e colocar em
liberdade os que já pagaram por seus crimes, mas que não têm recursos
para contratar advogado.
A segunda seria a individualização do cumprimento da pena.
Hoje, o menino que cometeu um deslize vai parar no mesmo Centro de
Detenção Provisória que um chefe de facção com dezenas de crimes no
prontuário. A convivência fará o profissional trilhar o bom caminho ou
contaminará o principiante?
A terceira, muito mais trabalhosa, envolve a prevenção. Sem diminuir a produção das fábricas de bandidos jamais haverá paz nas ruas.
Na periferia de nossas cidades, milhões de crianças e adolescentes vivem em condições de risco para a violência. São tantas que é de estranhar o pequeno número que envereda pelo crime.
Nossa única saída é oferecer-lhes qualificação profissional e trabalho decente,
antes que sejam cooptados pelos marginais para trabalhar em regime de
semiescravidão. Há iniciativas bem sucedidas nessa área, mas o número é
tímido diante das proporções da tragédia social. É necessário um grande esforço nacional que envolva as diversas esferas governamentais e mobilize a sociedade inteira.
Como parte dessa mobilização é fundamental levar o planejamento familiar para os estratos sociais mais desfavorecidos. Negar-lhes o acesso à lei federal que lhes dá direito ao controle da fertilidade é a violência mais torpe que a sociedade brasileira comete contra a mulher pobre.
O lema “lugar de bandido é na cadeia” é vazio e demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes.
Reduzir a população carcerária é imperativo urgente. Não cabe discutir se estamos a favor ou contra; não existe alternativa. Empilhar
homens em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos
humanos, é um perigo que ameaça todos nós. Um dia eles voltarão para as
ruas.
Fonte: VARELLA, Drauzio. Carcereiros. São Paulo; Companhia das Letras, 2012. pp. 198-201.
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