De: Agência Pública
Segundo artigo do Human Sciences Reserch,
megaevento de 1994 nos Estados Unidos gerou prejuízo entre $5,5 e $ 9,3
bilhões de dólares para as cidades sede
Preocupado com o rumo que os preparativos para Copa do Mundo no
Brasil em 2014 têm tomado, o jornalista e documentarista Rudi Boon –
autor do documentário “A FIFA manda” sobre a Copa de 2010 na África do
Sul, que o Copa Pública mostrou aqui-
nos mandou uma série de estudos e documentos sobre os impactos dos
megaeventos nos países onde ocorreraram. O primeiro, “Megaeventos como
resposta para a Redução da Pobreza: A Copa de 2010 da FIFA e suas
implicações no desenvolvimento da África do Sul” que apresentamos hoje,
foi realizado por pesquisadores do instituto sul-africano Human Sciences
Reserch (Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas), na época em que o
país se preparava para receber a Copa de 2010. Baseando-se na
documentação de outros pesquisadores a respeito do legado da Copa em
alguns países, o artigo defende que é praticamente impossível que a
pobreza seja reduzida com a chegada de um grande evento e que os
benefícios propagandeados pelos governos como projetos de mobilidade
urbana e aumento do número de empregos são pouco funcionais, efêmeros e
concentrados em pequenas áreas, e que muitas vezes acabam gerando crises
e prejuízos ainda maiores para os países anfitriões. O exemplo mais
chocante usado no texto, citando um estudo recente feito por Robert
Baade & Victor Mathesondois, pesquisadores americanos, talvez seja o
da copa de 1994 nos Estados Unidos, que teria gerado um prejuízo entre
$5,5 e $ 9,3 bilhões de dólares para as cidades sede, ao invés do lucro
estimado em 4 bilhões.
Expectativa
O texto começa explicando que o anúncio da Copa na África do Sul
gerou muita expectativa, já que seria o primeiro grande evento em todo o
continente. Na época, o presidente Thabo Mbeki, anunciou que aquele não
seria apenas um evento sul-africano mas de toda a África. Além disso, o
país passava por um momento de reconstrução e a Copa seria o
“empurrãozinho” que faltava para o investimento no crescimento das
cidades. Já nesta introdução, os autores alertam que em muitos países
que receberam o megaevento, o que se viu como consequência da passagem
da FIFA foram graves crises para as economias nacionais, geradas pelo
grande volume de investimentos estatais – exatamente como está sendo
feito no Brasil, como o ministro do TCU admite nesta entrevista.
A preocupação dos pesquisadores, no caso da África do Sul, era com um
crescimento muito rápido porém desordenado e desigual. Havia na época
expectativa de crescimento de 65% em cinco anos, porém apenas nas
cidades com maior concentração de PIB e ainda assim de forma díspare,
com muitos investimentos em áreas nobres e poucos investimentos nas
áreas pobres. Isto também já pode ser visto no Brasil, como mostram os
dossiês “Mega-eventos e violações de Direitos Humanos no Brasil” e “Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro”
Megaeventos são frequentemente usados como instrumentos do poder hegemônico ou como demonstrações de ‘ufanismo’ urbano pelas elites econômicas, casados com uma visão tacanha do crescimento das cidade
Desta forma, afirmam os pesquisadores, este crescimento é colocado
como um “desafio”, pouco importanto se o país ou as cidades sede têm de
fato a possibilidade de investir tanto em um megaevento.
As promessas feitas para a África do Sul também eram muito parecidas
com as feitas por aqui, segundo o documento: “Em primeiro lugar, o
megaevento é colocado como um catalisador para melhorar a condição de
vida das pessoas historicamente desfavorecidas. Sugere um novo sistema
de transporte público e uma agenda significativa de desenvolvimento, com
promessas de geração de emprego”.
O que se viu, segundo esta
entrevista com Eddie Cottle, autor do livro “Copa do Mundo da África do
Sul: um legado para quem?” foi bem diferente disso: “O número de postos
de trabalho foi estimado em 695.000 para os períodos pré e durante a
Copa do Mundo. E o que aconteceu na realidade? No segundo trimestre de
2010, as taxas de empregabilidade diminuíram em 4,7%, ou seja, perdemos
627.000 postos de trabalho. No setor da construção civil, onde se tinha a
sensação de que os ‘bons tempos’ seriam sentidos por todos, o emprego
diminuiu 7,1% (ou 54.000 postos de trabalho) neste período. Na verdade, o
ano de 2010 testemunhou com menos 111.000 postos de emprego na
construção”
Outras Copas
O texto coloca que um dos pontos mais criticos em sediar um
megaevento é a dívida que se cria ao deslocar recursos públicos que
iriam para necessidades básicas das cidades – como saneamento,
transporte público, educação, etc. – para estádios e obras específicas
de mobilidade. Como exemplo, usa a Copa de 1994 nos Estados Unidos:
“Estudos mostram que ao invés do lucro de 4 bilhões esperados com o
megaevento, as cidades sofreram perdas que variaram entre $ 5,5 e $ 9,3
bilhões”. E continua: “Em Barcelona, o que se viu depois das Olimpíadas
de 1992, foi um aumento significativo do custo de vida [de 20%, segundo
pesquisa da Universidade Autônoma de Barcelona]. A cidade também sofreu
com o desemprego, porque foram criados muitos postos temporários, com
baixos salários. Com o fim do evento, havia uma massa de desempregados.
Nas Olimpíadas de Montreal (1976) além do desemprego, a cidade sofreu
com o corte de investimentos em áreas essenciais. Com isso sofrem os
pobres, que são os que menos aproveitam os megaeventos”. Em Atlanta,
após as Olimpíadas de 1996, o que ficou, segundo o artigo, foi um
projeto de mobilidade urbana que não ajudou os cidadãos
Fornecer festivais, quando as pessoas precisam de pão, é um uso duvidoso dos recursos público
Despejos
“Estima-se que as Olimpíadas de 1988 em Seul resultou no despejo de
700.000 pessoas. Para os Jogos Olímpicos de Pequim, 300.000 foram
expulsos de suas casas” diz o artigo. Em 2010, a ONU também fez um
levantamento a respeito destes despejos, como a relatora especial da ONU
para a moradia adequada, Raquel Rolnik, escreveu em seu blog em 2010:
“Em Seul, em 1988, a Olimpíada afetou 15% da população, que teve de
buscar novos locais para morar – 48 mil edifícios foram destruídos. Em
Barcelona, em 1992, 200 famílias foram expulsas para a construção de
novas estradas. Em Pequim, a ONU admite que 1,5 milhão de pessoas foram
removidas de suas casas. A expulsão chegou a ocorrer em plena madrugada.
Moradores que se opunham foram presos”.
Dinheiro público, beneficio privado
No Japão, estádios e espaços construídos com dinheiro público para a
Copa do Mundo de 1992 foram parar nas mãos da indústria do
entretenimento, que hoje os usa para espetáculos e jogos privados com
ingressos caros, segundo o documento. Caso semelhante aconteceu no Rio
de Janeiro: criada para sediar jogos do Pan-americano de 2007, a Arena
Olímpica, que depois foi renomeada de HSBC Arena, hoje é administrado
pelo HSBC e sedia eventos e espetáculos de empresas privadas.
Migração e desemprego
Para os pesquisadores, com pouco ou nenhum recurso sendo destinado às
cidades que não sediarão os jogos, muitos migram destes lugares, atrás
da oferta de empregos temporários gerados pelos megaeventos. Quando o
trabalho temporário acaba, estas pessoas tendem a não voltar para suas
cidades de origem, engrossando a massa de desempregados nas cidades.
Este processo é agravado pelo aumento do custo de vida e pelos
baixíssimos salários, que muitas vezes não permitem que estas pessoas
voltem as cidades de origem.
Leia o DOCUMENTO (em inglês)
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