Alessandra Alves, publicado emViomundo
A ideia pretende inverter a lógica existente hoje na Amazônia e em
outras regiões tropicais: floresta em pé vale mais que a derrubada. Mas,
o que à primeira vista parece um mecanismo simples, chancelado pelas
Nações Unidas, desperta polêmica. Conhecido como REDD, o projeto sofreu
duras críticas durante debate na Cúpula dos Povos da Rio+20. A repórter Alessandra Alves estava lá, registrou o debate e levantou a questão com outros entrevistados:
Concebido em 2007, na 13ª Reunião das Partes da Convenção da
Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 13), o
conceito REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) prevê
incentivos econômicos a projetos que reduzam ou impeçam desmatamento de
florestas em países em desenvolvimento, controlando assim a emissão
global de dióxido de carbono. A ideia é atribuir preço ao carbono
acumulado no interior das árvores e comercializá-lo no mercado
internacional de carbono, fazendo com que a preservação da floresta seja
mais lucrativa que o desmate.
A ONU possui o programa UN-REDD, cujo intuito é auxiliar países em desenvolvimento a preparar e implementar estratégias do gênero.
No total, o organismo concedeu US$67,3 milhões para 16 países (entre
eles Bolívia, República Democrática do Congo, Panamá e Sri Lanka)
desenvolverem e implementarem estratégias REDD. Segundo Indicadores de
Desenvolvimento Sustentável 2010, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a destruição da camada vegetal, a partir do desmatamento da
Amazônia e de queimadas no cerrado brasileiro, é responsável por mais de
75% da emissão de dióxido de carbono do Brasil, o que coloca o país
entre os dez maiores emissores mundiais de gases que contribuem com o
efeito estufa e, portanto, com o aquecimento global.
Um caso recente, noticiado pela Agência Pública,
trouxe a discussão sobre o mecanismo REDD para o foco do debate. A
reportagem informa que a empresa irlandesa Celestial Green pagou R$ 120
milhões para adquirir os créditos de carbono de índios munducurus que
vivem no Pará, em contrato válido pelos próximos trinta anos.
Diz o texto:
Totalmente desconhecida no Brasil, a Celestial Green, sediada em Dublin, se declara proprietária dos direitos aos créditos de carbono de 20 milhões de hectares na Amazônia brasileira – o que equivale aos territórios da Suíça e da Áustria somados. Juntos, os 17 projetos da empresa na região teriam potencial para gerar mais de 6 bilhões de toneladas de créditos de carbono, segundo a própria empresa. Os créditos por desmatamento evitado, ou REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), não são “oficiais”, ou seja, não podem ser vendidos nos mercados regulamentados pelo protocolo de Kyoto.
Este protocolo só aceita, por exemplo, a venda de créditos por uma empresa de um país pobre que troque sua tecnologia por uma menos poluente; os créditos que ela deixará de emitir podem ser vendidos. No caso das florestas, não há um mecanismo oficial que permita isso. Por isso, os créditos de carbono referentes a florestas são negociados em um mercado voluntário, que não é regulado; empresas como a Landrover, o HSBC, a Google e a DuPont compram esses créditos para sinalizar que estão fazendo algo de bom pelo meio ambiente.
O mercado é muito menor do que aquele resultante de projetos previstos por Kyoto: em 2010, o valor negociado foi de cerca de 400 milhões de dólares contra 140 bilhões de dólares do mercado “oficial”. Na esteira da corrida pelo invisível – créditos do carbono que deixaria de ser emitido por desmatamento – a irlandesa Celestial Green se adiantou: realizou diversas negociações rápidas e à margem de qualquer órgão federal. A empresa promete avaliar o potencial de créditos de carbono depois; mas já garante sua posse sobre eles, por contrato, e o acesso às terras para avaliação.
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, reproduzida no site do Instituto Humanitas Unisinos, registrou algumas reações:
“Os índios assinam contratos muitas vezes sem saber o que estão assinando. Ficam sem poder cortar uma árvore e acabam abrindo caminho para a biopirataria”, disse Márcio Meira, presidente da Funai, que começou a receber informações sobre esse tipo de negócio em 2011. “Vemos que uma boa ideia, de reconhecer o serviço ambiental que os índios prestam por preservar a floresta, pode virar uma pilantragem.”
“Temos de evitar que oportunidades para avançarmos na valorização da biodiversidade disfarcem ações de biopirataria”, reagiu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. O contrato dos mundurucus diz que os pagamentos em dólares dão à empresa a “totalidade” dos direitos sobre os créditos de carbono e “todos os direitos de certificados ou benefícios que se venha a obter por meio da biodiversidade dessa área”.
Em debate da Cúpula dos Povos, durante a Rio + 20, o teólogo Leonardo
Boff disse que o REDD é uma iniciativa que reproduz a mesma lógica
atual de exploração da natureza: “Apenas cuida para que o desmatamento
não seja total e se controle os gases de efeito estufa. Mas não se
coloca em questão o modo de produção e a relação de uso (desrespeitosa)
em relação à natureza”.
Boff também afirmou que é preciso desvincular as categorias
“desenvolvimento” e “sustentabilidade”, já que a primeira representa o
modo de produção capitalista. “O desenvolvimento que conhecemos é um
processo linear, que deseja crescer infinitamente, o que acaba gerando
exclusões e grandes desigualdades. Já sustentabilidade possui definição
muito mais ampla, que engloba a coexistência das comunidades dos seres
em todas as esferas da vida”.
Mas nem todos rejeitam de forma categórica a iniciativa, embora com ressalvas.
Ouvimos Betty Mindlin, antropóloga do Instituto de Estudos Avançados
(IEA- USP) e economista. Ela acredita que “pagar para deixar a floresta
em pé” pode ser um mecanismo válido ao fazer as comunidades
tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhas, atuarem como se
fossem fiscais do Estado, o que seria um bom mecanismo contra o
desmatamento. “Mas essas comunidades não podem ser uma reserva de
mercado para empresas. Deve-se conhecer as suas respectivas lideranças e
haver advogados que defendam os interesses dessas comunidades”.
Daniel Smolentzov, procurador do Estado de São Paulo e integrante da
assessoria da Secretaria de Meio Ambiente, observa que o REDD não é
regulamentado pelo Protocolo de Kyoto, do qual o Brasil é signatário: “O
REDD é uma prática comercial muito recente e não há nada específico
sobre isso na legislação brasileira”.
Já Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor de Geografia Agrária da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH – USP), diz que
o mecanismo REDD esbarra no problema da titularidade das terras: “Há
muita terra grilada no Brasil, principalmente na Amazônia, o que impede o
REDD de avançar”.
Outra questão levantada pelo geógrafo se refere ao impacto do
dinheiro pago através do REDD, quando aplicado em comunidades
tradicionais. “A entrada do dinheiro em sociedades indígenas as
desmonta, já que elas vivem valores culturais completamente diferentes
dos nossos”. O professor conclui: “Se essas comunidades estão precisando
de recursos, significa que o Estado brasileiro não vem cumprindo o seu
papel”.
O boliviano Pablo Sólon, organizador da Conferência Mundial dos Povos
Sobre Mudanças Climáticas e ex-embaixador da Bolívia na ONU, também
esteve no debate da Cúpula dos Povos.
Fez duras críticas ao REDD, que definou como “um mecanismo perverso
para incentivar o desmatamento”, uma espécie de “mercado especulativo”
envolvendo a natureza.
Segundo Sólon, quem deixa a floresta intocada não terá o que
vender: ”Pela lógica do REDD, convém desmatar a floresta e depois
reduzir a devastação para receber dinheiro”.
Para ele, a “economia verde” inaugura um capitalismo tridimensional,
que incorpora o capital físico e humano à acumulação de riqueza. “Não
só a madeira da árvore é negociada, como também a função que a árvore
cumpre no meio ambiente. O REDD assegura direitos de propriedade sobre
as funções ecossistêmicas, o que configuraria mercantilização e
privatização de recursos naturais”.
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