Duas congressistas americanas resolveram fazer perguntas difíceis ao gigante de buscas na internet
No esforço de refrear o crescente uso de redes online para
fins de tráfico humano, duas deputadas americanas, a republicana Marsha
Blackburn (Tennessee) e a democrata Carolyn Maloney (Nova York),
mandaram uma carta bipartidária ao maior portal do mundo de busca da
internet: o Google.
A carta, endereçada ao presidente do Google Inc., Larry Page, e entregue em 4 de abril de 2012, questiona
as práticas e políticas da empresa, em especial da divisão Google
Adwords, que administra a publicidade – e pede que a empresa descreva
seu processo interno para filtrar e prevenir anúncios ligados a tráfico
de pessoas.
Os congressistas dos Estados Unidos estão colocando as políticas do
Google sob a mira do microscópio. E a não ser que o Google responda às
questões sobre o recebimento e a permissão de publicidade online pela
Google Adwords, a corporação poderá ser submetida a maior escrutínio no
futuro.
O objetivo do Congresso é descobrir mais sobre os problemas internos
do Google Adwords que podem estar permitindo a venda e exploração sexual
de mulheres e meninas online por redes online de tráfico humano.
“Já é hora de nós darmos uma olhada de perto na maior editora de
anúncios do mundo – o Google,” disse Phil Cendella, fundador e diretor
da The National Association of Human Trafficking Victim Advocates,
grupo que trabalha com mulheres e meninas vítimas de tráfico. “O
problema é do mundo todo e está crescendo bem debaixo de nossos pés. Os
Estados Unidos são um dos maiores consumidores de escravos modernos e de
trabalho escravo ilegal do mundo – e isso inclui tráfico sexual.”
Os atuais esforços de expor os vendedores globais envolvidos com
tráfico humano online estão aumentando na mesma medida em que a
publicidade no Google também cresce; foram mais de US$ 36,5 bilhões de dólares em 2011. Até dezembro de 2012, de acordo com analistas, o crescimento de receita do grupo será de 25,15%.
A pergunta colocada pelas congressistas ao Google é simples: qual a
porcentagem deste lucro que pode estar vindo de publicidade ligada a
traficantes de pessoas?
“Publicidade online ilícita ameaça mais do que a liberdade na
Internet – ela nega a mulheres e crianças o direito fundamental à
dignidade humana,” diz a republicana Marsha Blackburn.
De acordo com a revista americana PCWorld,
o número total de empregados do Google ultrapassa 31 mil. A revista
Forbes diz que a fortuna de Larry Page está em cifras muito mais altas
do que as de Steve Jobs, da Apple. O lucro pessoal de Page alcança a
marca de U$16,7 bilhões, ainda que seu salário voluntário oficialmente
seja de um dólar por ano.
Para colocar anúncios na maior plataforma online do mundo, basta ao
anunciante assistir um tutorial feito pela própria Google Adwords. O
alcance dos anúncios é global. “Alcançar pessoas exatamente quando elas
estão buscando na Internet pelo que você oferece,” acrescenta o Google
na sua descrição online.
Desde 1995, defensores de direitos humanos alertam que a internet pode ser usada como um veículo para tráfico humano.
“No começo de 1995, havia 200 empresas na Internet vendendo ‘serviços eróticos’ e produtos,” diz um relatório de 2004 feito por Donna M. Hughes,
professora na Universidade de Rhode Island e presidente do Programa de
Estudos de Mulheres na Universidade. “Em meados de 1995, os clubes de strip tease montaram sites de propaganda, com fotos pornográficas de strippers
e mulheres engajadas em prostituição legal como dança no sofá, na mesa,
shows no chuveiro e atos de dominatrix,” continua Hughes. “Em agosto de
1995, uma busca no Yahoo mostrou 391 listas com a legenda de “Negócios e
Economia: Empresas: Sexo”, onde se encontrava números de sexo por
telefone, CD-ROMs adultos, filmes para maiores de 18 anos, softwares
adultos, videoconferência ao vivo, passeios de prostituição, serviços de
acompanhantes. Um ano depois, existiam 1676 listas. O número
quadruplicou em um ano”.
A caminho da escravidâo
Quando Alissa, uma jovem de 16 anos, conheceu seu namorado, muito
mais velho, em uma loja de conveniências em Dallas, no Texas, não sabia
que sua vida estava a caminho da escravidão.
Mas anos depois a sua história seria uma das destacadas pelo
Relatório de Tráfico de Pessoas de 2011 do Departamento de Estado dos
EUA.
“Logo o novo namorado de Alissa a convenceu a servir como
acompanhante, indo com ele a encontros de homens e fazendo sexo por
dinheiro. Ele a levou a uma área conhecida por prostituição e depois a
forçou a entregar todo o dinheiro que ganhara. Também a obrigou a tatuar
seu apelido pelo corpo, marcando-a como sua propriedade. Além disso,
postou propagandas com fotos dela na Internet. Ele alugou quartos de
hotel nos arredores de Dallas e forçou-a a fazer sexo com os homens que
responderam aos anúncios. Ele mantinha um rifle no armário de seu
apartamento. Ameaçou-a e agrediu-a fisicamente em várias ocasiões. Mais
tarde, ele se declarou culpado de traficar Alissa,” consta no relatório.
Em 14 de dezembro de 2011, o Google anunciou
uma doação de U$11,5 milhões para dez organizações que lutam para
“acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas”. Porém, nenhuma
delas incluiu em seus esforços qualquer menção sobre as propagandas
online do Google e os perigos de sua possível ligação com o tráfico
humano.
Uma das dez organizaçõe é o The Polaris Project,
cujo diretor executivo é Brad Myles. Myles tem “fornecido consultorias,
treinamento e assistência técnica em estratégias anti-tráfico para
centenas de públicos.” O Slavery Footprint, criado pela celebridade
musical Justion Dillon, fundador do grupo abolicionista Call+RESPONSE, também é um dos destinatários da doação; assim como o The International Justice Mission, fundado em 1997 por Gary Haugen.
Haugen trabalha como advogado de direitos humanos para o Departamento
de Justiça dos EUA e também coordena a Unidade de Investigação das
Nações Unidas em Ruanda, na África.
Comércio legal e ilegal
O Google oferece a várias empresas legítimas um caminho viável para
alcançar consumidores globais; mas também fornece uma plataforma que
pode facilmente permitir o sucesso de empresas ilegais. Um vídeo do Google Ads Global Adviser destaca como é fácil “fazer negócio em qualquer lugar.”
Nos últimos anos, o uso da internet tem expandido de forma dramática;
tanto os consumidores como as vendas online têm aumentado rapidamente.
Em 14 de março deste ano, o Google Adwords anunciou uma nova política
que permitirá que um anunciante tenha até 10 mil campanhas
publicitárias, em vez das 500 antes permitidas, com 20 mil grupos de
anúncio por campanha. Além disso, agora cada conta pode usar 3 milhões
de palavras-chave de busca. Isso significa que um anunciante agora pode
se envolver em 200 milhões de grupos de anúncio online através do
Google.
Por que os traficantes sexuais não usariam a maior plataforma online do mundo para vender seus produtos?
O sucesso ou o fracasso desta lógica agora depende da vontade do Google em refrear essa atividade.
“Nesse momento, deveria estar claro que a questão mais importante não
é só o site de anúncios Craigslist, mas em que extensão a Internet
facilita o tráfico sexual de menores,” disse a congressista Jackie
Speier em uma importante audiência sobre Tráfico Sexual Doméstico de Menores no Comitê Judiciário do congresso americano.
Exploração sexual infantil: novos mercados nos EUA
O tráfico de pessoas, em especial o tráfico sexual, não é uma
operação de um nível apenas. Traficantes que buscam burlar o sistema
podem ter diferentes pessoas trabalhando para eles em vários níveis, e
uma rede intricada que posta os anúncios online.
“Entre 2004 e 2008, as queixas de tráfico sexual de crianças
originário da internet aumentaram em 1000%. E isso é apenas o número de
queixas, não o volume total. Estima-se que apenas no site Craigslist
existem mais de 3,2 milhões de publicações sobre serviços adultos todo
ano. Essa seção acabou sendo retirada do ar. Os sites fogem da
responsabilidade quando um anúncio em suas páginas resulta em
prostituição infantil, estupro e até morte,” continua o documento da
audiência no congresso americano.
Depois do Craiglist, o site Backapage.com também veio à tona como uma
publicação que tem exposto anúncios relacionados a tráfico sexual.
Em 8 de março de 2012, um processo judicial revelou
que o Backpage.com publicou anúncios que mostravam fotografias de uma
garota de 15 anos nua; ela havia sido sequestrada, drogada, estuprada
por uma gangue e sodomizada antes de ser forçada a prestar serviços de
prostituição oferecidos através de anúncios postados no Backpage.com por
celular. “O maior fórum de tráfico sexual de meninas menores de idade
nos Estados Unidos parece ser um site chamado Backpage.com”, afirmou na
época o comentarista do New York Times Nicholas Kristof.
“Com o site Craiglist, e agora com o Backpage.com sob escrutínio
público, faz sentido que o Google Adwords esteja com grande
visibilidade” afirmou Phil Cenedella, da National Association of Human Trafficking Victim Advocates, em entrevista à Women News Network,
parceira da Pública “É só uma questão de tempo antes que alguma jovem
mulher, garota ou garoto que foi traficado online revele publicamente
que o anúncio que a vendeu, ou o vendeu, para serviços sexuais estava em
uma propaganda paga no Google Adwords”.
Até hoje, a carta do congresso dos EUA endereçada ao presidente do Google continua sem resposta.
“Como um líder da área de tecnologia, eu encorajo o Google a também
ser o líder na luta contra o tráfico de pessoas online,” disse a
congressista Crolyn Maloney na ocasião da entrega da carta. “Muitas
pessoas acreditam que o tráfico de pessoas é um problema apenas em
países estrangeiros, mas as propagandas online têm aberto novos mercados
para aproximadamente 100 mil crianças nos Estados Unidos serem
exploradas por meio do comércio sexual todo ano, com uma média de idade
de 12 a 13 anos”.
Reportagem publicada pela Women News Network. Clique aqui para ler o texto original em inglês.
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