Para ser um especialista em educação
Por Gabriel Perissé em 16/09/2008 na edição 503 do Observatório da Imprensa
Que características deve ter alguém para ser um especialista em
educação? Teoricamente, esse especialista tem autoridade para escrever
sobre o tema, criticar, analisar, palestrar, oferecer sugestões
práticas. É possível distinguir o especialista em questões educacionais
daquele que emite opiniões mais ou menos oportunas?
A revista Veja propõe um tipo de especialista. É o que se autodeclara expert em educação pelo fato de ser especialista em economia. Na última edição (nº 2078) de Veja,
Camila Pereira entrevista o norte-americano Eric Hanushek, cujos
trabalhos inspiram outros dois economistas que escrevem sobre educação:
Claudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe. (Os dois são autores de um estudo recente que difunde o pensamento representado por Hanushek.)
A tese defendida por esses economistas é a de que a qualidade da
educação é o principal impulso da economia. Uma vez que o nosso nível
educacional está baixo, conclui-se que o desenvolvimento do país corre
sérios riscos. Pensando em termos econômicos, o principal "produtor" de
boas aulas é o professor. Portanto, deveria ser instaurado um ambiente
competitivo, como nas grandes empresas, para que os bons docentes fossem
incentivados com salários melhores e os maus, se não se corrigirem,
devidamente afastados.
Lista de evasões
Analisada a situação desse ponto de vista, simplifica-se o problema e
encontra-se a solução fácil, óbvia, científica! O resto são intuições,
mitos esquerdistas, corporativismo dos sindicatos de professores,
opiniões vazias (opiniões não alicerçadas em números), desconhecimento
das práticas vitoriosas de países (tão parecidos com o Brasil...) como
Finlândia e Coréia do Sul!
Outro tipo de especialista, que não escreve em revistas de grande
circulação, seria o professor que está na sala de aula, que enfrenta as
dificuldades reais e complexas da educação brasileira. Este docente
muitas vezes concluiu a sua graduação em faculdades privadas, fez alguns
cursos de aperfeiçoamento com sacrifício, talvez um mestrado, mas
sempre aprende mais com a vivência do que com os livros.
Este especialista (para o qual o economista da educação há de
reclamar o uso das aspas) depara com problemas concretos que interferem
no aprendizado das crianças e jovens: o ambiente familiar (ou a falta de
ambiente familiar) desses alunos, o lugar adverso em que vivem, a
precariedade física de muitas escolas e o desânimo de alguns professores
(há os que entregaram os pontos e, não raro, porque estão doentes).
Este especialista enfrenta, sobretudo, o que se costuma chamar de
"sistema", um conjunto de práticas impostas que os professores se vêem
na obrigação de adotar, como na questão da aprovação de alunos sem
condições de prosseguir... mas que precisam prosseguir de alguma forma,
porque a fila anda... ou cresceria a indesejável lista das evasões.
Leituras de fácil digestão
Muitas cidades brasileiras, muitas capitais, registram altos índices
de aprovação no Fundamental I (do 1º ao 4º ano, ou ao 5º, se já foi
adotado o sistema de 9 anos), mas um número expressivo desses aprovados
tem graves dificuldades para ler, escrever e realizar operações
matemáticas. Todos os alunos vão para o Fundamental II (os 4 anos
restantes, antes do ensino médio), e seus professores de língua
portuguesa, matemática, história, geografia, ciências, inglês e educação
artística vêem-se perante o grande dilema: ensinamos o conteúdo
previsto para os alunos mais adiantados ou tentamos alfabetizar os mais
atrasados?
Houve interesse (legítimo) em manter a criança e o jovem na escola,
mas os especialistas, os professores, não foram consultados sobre a
viabilidade do que se propunha, ou não foram auxiliados para fazer da
progressão continuada um caminho de estudo, e não de mera aprovação.
Se aspas devem ser usadas contra algum tipo de pretenso especialista,
ficariam reservadas para aqueles autores que se arvoram a dizer o que
bem entendem sobre educação e, pior, com grande aceitação por parte dos
professores. Não me cabe citar nomes, mesmo porque algum tipo de serviço
motivacional esses autores oferecem. São auto-ajudistas. Assim como
Paulo Coelho fez milhares de leitores brasileiros entrarem numa livraria
pela primeira vez na vida, assim também muitos professores encontram
nessas leituras de fácil digestão receitas e frases de estímulo para o
seu cotidiano.
Espaço para o educacionista
Alimento que não encontram quando lêem textos de autores sérios,
pesquisadores universitários brasileiros ou estrangeiros,
verdadeiramente especialistas em educação, pedagogos, filósofos,
sociólogos ou psicólogos, cuja linguagem lhes parece hermética:
"epistemologia apriorista", "angústia simbolizada", "o imperativo
categórico da instância escolar" etc.
Tanto o auto-ajudista quanto o hermético mais atrapalham do que ajudam. O primeiro oferece paliativos. O segundo, afasta.
O desejável seria encontrar especialistas que reunissem as melhores
características dos modelos mencionados nos parágrafos anteriores.
Um especialista com formação acadêmica que soubesse comunicar-se com o
professor brasileiro. Sejamos realistas: a nossa formação inicial não
permite a muitos docentes discutirem de maneira sofisticada... e talvez
isso nem seja tão necessário. A melhor virtude do profissional do ensino
é a sua dedicação e muitas vezes ele se deixa desvalorizar pelo poder
público porque recebe algum tipo de remuneração afetiva no âmbito da sua
comunidade.
Que o especialista especial não desprezasse os dados que a economia e
a estatística nos entregam, contanto que saiba relativizá-los, dando à
experiência prática um destaque que incomoda, e muito, os que vivem
longe, bem longe, sonhando com a sala de aula finlandesa.
Que o educacionista, para usarmos uma palavra que o senador Cristovam
Buarque gosta de repetir, seja um especialista realista e obtenha mais
espaço na mídia. Quem sabe, até mesmo em alguma página da revista Veja.
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