Raras vezes a realidade fala mais alto e revela ter mais poder do que alguns atores tradicionais da grande mídia brasileira.
Um artigo de Soraya Aggege, sob o título “O poder da maioria”, recentemente publicado na CartaCapital (n. 644, de 4/5/2011), fez um interessante resumo de informações que têm circulado há algum tempo sobre a impressionante ascensão que a classe C teve em nosso país, nos últimos anos. A revista se utiliza, sobretudo, de dados do instituto Data Popular, especializado em pesquisar esse segmento da população que, em 2014, será majoritário e concentrará 54% do eleitorado.
Nada de novo. Apenas algumas confirmações e, mais importante, algumas conseqüências.
“Deslocando” a formação da opinião
A matéria afirma que “no atual contexto, dizem os especialistas, o eixo da formação de opinião deslocou-se dos pais, ou de velhas lideranças locais, como padres e representantes comunitários, para os filhos”. E prossegue: “Os dados revelam que, nesse segmento, o que mais vale não é o que diz a televisão. Nada menos que 79% deles confiam mais nas recomendações dos parentes que na propaganda de tevê. Para se ter uma ideia, no Nordeste, onde se deu a maior expansão desse estrato social, 74% preferem se informar pelo boca a boca”.
Ao longo do texto alguns depoimentos colhidos de novos representantes da Classe C ratificam aquilo que as pesquisas revelam. Exemplo:
** “Aos 20 anos, [Vanessa Antonio] integra a porção jovem dos 31 milhões de brasileiros recém-instalados no meio da pirâmide social, com renda familiar mensal entre 1,5 mil e 5 mil reais. [Ela] e outros milhões de jovens das periferias começam a desempenhar o papel de principais formadores de opinião da chamada “nova classe média”. E mais: “Para os jovens como [Vanessa], três fatores aumentaram seu poder de opinião sobre a família e suas comunidades: emprego, estudos e o que eles chamam de “nova bomba do mundo”, a tecnologia. “Temos computadores e celulares. Nossas famílias agora têm mais acesso à informação. Agente vê as notícias, compara na internet e conta para eles.”
Esse extraordinário fenômeno de deslocamento do poder de construção da opinião pública de seus “formadores tradicionais” (pais, padres, professores e colunistas da velha mídia, dentre outros) para “líderes de opinião” das classes em ascensão social, com acesso direto e/ou indireto a fontes alternativas de informação, sobretudo à internet, já havia sido identificado faz tempo e deu mostras inequívocas de seu poder pelo menos desde as eleições de 2006 [cf. Venício A. de Lima, A Mídia nas Eleições de 2006, Perseu Abramo; 2007 e, neste Observatório , “A internet e os novos formadores de opinião”].
A grande mídia brasileira, no entanto, fazia de conta que não via o que estava acontecendo no país [ver, neste OI, “A velha mídia finge que o país não mudou”].
A entrevista de Florisbal
Por total coincidência, alguns dias depois da matéria da CartaCapital, sob o sugestivo título “Globo muda programação para atender a nova classe C”, o portal UOL divulga uma longa entrevista com Octavio Florisbal, diretor-geral da Globo. O que diz ele? Vale a pena ler a entrevista na sua totalidade, mas reproduzo abaixo alguns highlights:
Na introdução à entrevista Maurício Stycer escreve:
“A Rede Globo aprofundou um processo de modificações em sua programação para atender a uma nova clientela: a emergente classe C. As mudanças afetam as áreas de novelas, os programas de humor e o jornalismo. E objetivam deixar a programação mais popular. A nova classe C, na visão da emissora, quer se ver retratada nas telas.”
O diretor-geral da Globo afirma:
** “Em dramaturgia, se você voltar 20 anos, você tinha alguns estereótipos. A novela estava centrada nos Jardins, em São Paulo, ou na zona sul do Rio e tinha um núcleo, aquele núcleo alegre, de classe C, na periferia. Hoje, não. A gente começa a ver essas histórias trafegando mais na periferia.”
** “[A classe C] tem que estar mais bem representada e identificada na dramaturgia, no jornalismo. Antes, você fazia uma coisa mais geral. Hoje, não. A gente tem que ir, principalmente nos telejornais locais, ao encontro deles. Eles têm que ver a sua realidade retratada nos telejornais. (...) No jornalismo é a mesma coisa. (...) Tem a redação móvel, que vai nas periferias e faz de lá. Nos telejornais nacionais você também tem que cuidar bem para não colocar em excesso certos temas que não atendem tanto.”
Aaahhh... Então a classe C não estava sendo “retratada nas telas”, ausente no entretenimento e ausente no jornalismo? Uai... não era a exclusão de alguns setores da população da telinha – a ausência de pluralidade e diversidade na representação – exatamente o que críticos da mídia apontam há anos?
E continua o diretor-geral:
** “No passado, a classe C seguia muito os padrões das classes A e B. (...) Eram seguidores. (...) Houve uma mudança de comportamento e de valores para estas pessoas. Acabamos de fazer uma pesquisa muito interessante de classe C que mostra isso. (...) Aquela divisão de que 80% do público é das classes C, D e E continua, mas eles têm mais presença, mais opinião. Eles ascenderam. Têm um jeito próprio de ser. Você tem que atendê-los melhor.”
Aaahhh... quer dizer que a classe C não é mais seguidora, agora ela sabe o que quer. Talvez, quem sabe, tenha aprendido até mesmo a votar, não é mesmo?
Mudanças inevitáveis?
Ao que parece, alguns princípios consagrados na Constituição de 1988, esperando há mais de 22 anos para serem cumpridos, acabarão acontecendo por força das mudanças que ocorreram no país, independente até mesmo da regulamentação legal. Exemplo: a regionalização da produção cultural, artística e jornalística.
Da mesma forma, a sobrevivência no “mercado” talvez obrigue o jornalismo televisivo a operar mudanças não só aos níveis local e regional, mas também no nacional. Afinal, a classe C agora sabe o que quer, tem “mais presença, mais opinião” e é preciso atendê-la.
Há realmente momentos em que a realidade parece ser mais forte do que o status quo.
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